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Aramis

A morte de Gonzaguinha e a ressurreição de Renato

Renato Manoel Costa, gostaria de legalmente poder alterar seu registro civil para indicar duas datas de nascimento: a primeira, há 33 anos, 12 de agosto de 1957, em Bragança Paulista, SP; a segunda, em Francisco Beltrão, em 29 de abril de 1991. Na última quarta-feira, 29, em Curitiba, Renato Manoel comemorou com alguns amigos, que aqui fez, os "meus primeiros nove meses desta nova vida que Deus me concedeu". Explica-se: ele foi o sobrevivente do trágico acidente de automóvel entre as cidades de Marmeleiro e Renascença, às 7h30 da manhã do dia 29 de abril do ano passado, em que morreram o compositor e intérprete Luiz Gonzaga Jr., e o empresário artístico Aristides Pereira. Sentado no banco traseiro, protegido por um cinto de segurança (que se rompeu com o choque), Renato conseguiu sobreviver ao acidente no qual o Monza dirigido por Gonzaguinha, placa AOM-8373, chocou-se de frente com a F-4000, placa AAB-7330, dirigida por Pedro Cikanovicius. Gonzaguinha morreu quase instantaneamente e Aristides Pereira chegou ainda com vida em São Francisco Beltrão, mas não resistiu. - "Eu sobrevivi porque Deus quis e os amigos ajudaram" - dia Renato Costa, 30 quilos mais magro, já recuperado do acidente - após 7 operações, mais de 100 dias de internamento em hospitais e um tratamento que se elevou até agora a US$ 90 mil. - "O dinheiro não dá felicidade ou vida, mas o tratamento médico, quando competente - e mesmo custando caro - ajuda". xxx Renato Costa veio a Curitiba há uma semana - aqui permanecendo por três dias, por uma razão muito especial. - "Quero realizar aquilo que Gonzaguinha sonhou em fazer e que começaria pelo Paraná - e que sem saber encontraria aqui o seu final". Uma semana antes do acidente fatal, Gonzaguinha esteve com o governador Roberto Requião, no Palácio Iguaçu. Num encontro descontraído, com a presença do chefe da Casa Civil, Caíto Quintana, e do radialista Cláudio Ribeiro, assessor do gabinete e seu amigo, falou sobre o projeto que estava empenhado: institucionalizar a data de nascimento de seu pai, o grande Luiz Gonzaga como o "Dia do Sanfoneiro". Em 13 de dezembro de 1990, na cidade natal do autor de "Asa Branca", no agreste pernambucano, o aniversário daquele que foi um dos cinco mais importantes compositores-cantadores do povo brasileiro, havia sido lembrada pela reunião de dezenas de acordeonistas - desde discípulos queridos como Dominguinhos e Oswaldinho, até jovens anônimos - além de muitos contemporâneos de suas andanças pelo Brasil afora em 50 anos de carreira. A idéia - e sito aqui registrávamos dois dias depois, com exclusividade - era a de que o aniversário do "Lua" fosse comemorado no Paraná. Uma motivação muito natural: -"Gonzagão era um artista do Brasil. Viajar era sua missão e ninguém mais do que ele reunia multidões de gente do povo. No Paraná, especialmente no Interior, sempre houve um público de raízes nordestinas que adorava seus espetáculos. Portanto, iríamos começar o projeto por aqui" - recorda Renato Costa. Roberto Requião, inteligente, em sua visão das coisas populares, entendeu o alcance do evento, encampou na hora o projeto, encarregando Cláudio ribeiro de coordená-lo. Após a audiência, antes de viajar para o Interior, onde prosseguiria a tournée do "Cavaleiro Solitário" (o espetáculo que havia apresentado entre os dias 19 e 20 no Teatro Paiol), Gonzaguinha nos telefonou: _ "Estou feliz por ver que a idéia do Dia do Sanfoneiro vai prosperar no Paraná!" xxx A morte, esta inimiga que - não nos cansamos de repetir - leva os muito bons, os muito meigos, os muito generosos de uma forma tão apressada - espreitava na estrada e, uma semana depois o Brasil chorava a perda de um dos maiores talentos dos anos 60. Gonzaguinha e Renato, seu advogado e manager desde 1988, que haviam iniciado a temporada de "Cavaleiro Solitário" em Petrópolis, em fevereiro, tinham uma agenda de mais de 15 shows em cidades do Paraná e Santa Catarina, antes de fazerem um circuito pelo Nordeste e embarcarem para Paris, Milão e Lisboa. Em Apucarana, Toledo, Cascavel, Francisco Beltrão e Pato Branco, o público aplaudiu as últimas apresentações - solo de Gonzaguinha, com um repertório em que trazia 8 novas músicas, falava as pessoas desta sua nova caminhada, "de reencontro aos amigos e do Brasil" (há 10 anos residindo em Belo Horizonte, havia reduzido suas viagens). Em Pato Branco, fez o último show no domingo e segunda-feira, às 17h, partia - no carro do empresário O. Mello, em direção à Foz do Iguaçu, como sempre gostou de dirigir, pediu para ficar ao volante. Uma importante revelação de Renato Costa, esclarece dúvidas surgidas na época: - "Não estávamos nem cansados, nem com pressa. Havíamos dormido bem na noite anterior e só voltaríamos a ter shows na quinta-feira, em Florianópolis, para onde iríamos de avião, de Foz do Iguaçu, à tarde. Havíamos saído cedo, para chegar antes do meio-dia em Foz e visitar Puerto Stroessner". Em direção contrária, em altíssima velocidade, vinha um veículo pesado, a F-4000, cujo motorista Cikanovicius, transportava carne de búfalo abatido clandestinamente. O choque foi terrível e o motorista, conforme foi registrado, embora ferido, acabou fugindo. - "Foi o motorista de uma camionete, Pedro Almirante, que parou para nos atender. Ele transportava alguns porcos, que tirou da carroceria para colocar nossos corpos". Em Marmeleiro, não houve condições de atendimento porque não havia nenhum médico. Só em São Francisco Beltrão, na Policlínica São Vicente de Paulo, tiveram os primeiros atendimentos. - "Ali conheci pessoas notáveis, especialmente a dedicação do Dr. Jorge Rafael Ruiz, um jovem médico que, pelo tempo em que ali permaneci, praticamente não se afastou de minha cabeceira" - recorda Renato, começando a detalhar sua via crucis que se seguiria: os primeiros dias naquele hospital, sua transferência, em taxi-aéreo para o Hospital Albert Schweitzer, em São Paulo - onde permaneceria 54 dias inconsciente, em fase terminal. Só em 7 de junho deixou o hospital - após as 4 primeiras dificílimas operações - passando para o Hospital Armando Bairral, em Itapira, onde o Dr. Salzani supervisionou seu tratamento até 7 de julho. Submetendo-se a delicadíssimo tratamento passou para a casa de seus pais, Alberto e Berta, em Brasília, mas continuando diariamente a ter exames e tratamento hospitalar. Em outubro, 21, foi internado no Hospital Sara Kubistchek, inclusive para cirurgias plásticas e sofreu novas complicações. - "Na verdade, só nas vésperas do natal, pude sentir-me novamente por inteiro, passando a data com meus pais e amigos em Brasília, cidade em que residiu por mais de 20 anos". Uma semana depois, voltava ao Rio de Janeiro e em janeiro, sentindo-se já com forças, telefonou a Cláudio Ribeiro, dando a boa notícia e dizendo que gostaria de retomar o projeto do Dia do Sanfoneiro. - "O Cláudio, autorizado por Requião, propiciou imediatamente que eu viesse, nesta verdadeira ressurreição, a Curitiba, para acertar mais do que um evento artístico, uma missão espiritual: fazer da festa do sanfoneiro, um marco de vida em lembrança agora não só ao "Lua", mas ao Gonzagão". xxx A festa será antecipada - de 13 de dezembro para o próximo dia 14 de março, no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. Tal como Gonzaguinha havia sonhado - e que detalharemos em próxima coluna.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
05/02/1992

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