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Aramis

Nana, o canto maior da paixão

"Sabe, eu sou feliz Invento a vida enquanto canto Sou teu amor, sou teu encanto" ("Deixa eu Cantar", Dudu Falcão) Como classificar Nana Caymmi entre as cantoras deste nosso país? Ela há muito ocupa um lugar único e privilegiado - no mesmo plano da elegância sonora de uma Elizeth Cardoso, do refinamento de uma Zezé Gonzaga (injustamente, há anos sem gravar) ou a garra de intérprete de Nara Leão. Mas Nana é única, é emotiva e dilacerantemente apaixonada em tudo que faz e vibra. Não existe parâmetros para contornos de sua presença vocal - e só a emoção é que conduz cada música que incorpora em seu repertório. Seu amigo Hermínio Bello de Carvalho, atrevidamente, já disse que ela canta pelo útero - tal a garra, a força amorosa que como mulher, fêmea, ser visceralmente da terra/gente exala em cada momento. Nana pode passar do momento mais suave ao canto mais brabo - como, em pessoa, é toda ternura, ou toda explosão - dependendo da situação. Um disco - como um show - de Nana é uma celebração. Isto acontece neste final de ano, entre tantos lançamentos de maior ou menor voltagem com superstars (especialmente em termos comerciais) que chegaram as lojas. Nana não se preocupa em gravar um disco por ano ou fazer álbuns para garantir discos de ouro. Ouro em pó é a sua sensibilidade é a sua voz esplêndida, o seu bom gosto - mais uma vez claro e patente nas 12 faixas deste disco produzido por ela própria, dividido com o mano Danilo - reunindo um ofidiário de instrumentistas: só há cobras entre os músicos que afetuosamente deram o melhor de si para emoldurar a voz maior de Nana - como Danilo nas flautas, Hélio Delmiro no violão e guitarra; Helvius Vilela nos teclados, Marçalzinho na percussão, Ricardo Costa na bateria, Muri Costa no violão; Novelli no baixo; Guilherme Dias Gomes no flugelhorn e David Sack no trobone. Nos vocais, a presença de Cláudio Nucci (seu ex-marido), Danilo, Muri, Novelli, Ricardo e, muito especialmente, em "A Lua e Eu", o filho João Gilberto. Com um nome destes e a mãe que tem, João Gilberto só poderia ser o que é: uma revelação esplêndida. Não sei é Nana que consegue dimensionar ao máximo qualquer canção que interpreta ou, realmente, ela encontrou momentos marcantes de compositores reunidos neste álbum (EMI/Odeon, novembro/88). Começa com "Deixa eu Cantar", de Dudu Falcão, uma belíssima canção, plenamente identificada a Nana, sua feminilidade sua paixão pelo cantar ("Meu é que eu sou feliz / Invento a vida e quando eu canto / Sou teu amor, sou teu encanto"). Aldir Blanc em parceria com Moacyr Luz (que fez um esplêndido LP independente, até agora sem ter merecido maior promoção) são os autores de "Aquário", com mais uma letra contundente, assumidamente apaixonada: "Ele me obedece / Ah, se eu soubesse o mal que ele me faz / quando ele me ataca / Eu que era gata / Não garro mais / Eu prefiro tapa / A marca, a surpresa / O Inesperado". João Bosco e Abel Silva comparecem com "Quando o amor acontece", outro canto romântico, enquanto de Cassiano/Paul Zdanowski é "A Lua e Eu". Dudu Falcão, além de "Deixa eu Cantar", tem uma segunda presença: "Era tudo verdade". Uma dupla identificada às raízes do samba, mostra um trabalho diferente: Ivor Lancellotti e Délcio Carvalho em "Velha Cicatriz". Claudinho Nucci, ex-paixão, e o apaixonado autor de "Asas Nos Olhos". Moraes Moreira-Zeca Bastos, com "Andalua", uma letra-jóia, de 15 precisas linhas e palavras certas. "Primeiro Altar", com a dupla Sueli Costa / Abel Silva de volta aos melhores momentos, imagens cinematográficas para falar do amor. Três canções já conhecidas, revitalizadas amplamente: a contundente e sofrida "Desacostumei de Carinho" (Fátima Guedes), e as bossa-novistas "Canção do Nosso Amor" (Silveira-Dalton Medeiros) e, especialmente, "Inútil Paisagem" (Tom / Aloisio de Oliveira), que Nana (Dinair Tostes Caymmi, RJ, 29/4/1941) interpretava no histórico "Caymmi Visita Tom e leva seus filhos..." (Elenco, 1963) e que, 25 anos, depois, só cresceu. Pra que mais palavras? Não sei ainda quais serão os outros 9 melhores discos de 1988, na MPB, para a listagem que O Estado publicará dia 8 de janeiro em suplemento especial. Mas este álbum de Nana já tem vaga segura. Como, aliás, acontece todo ano em que ela faz um novo disco. LEGENDA FOTO - Nana e o filho João Gilberto: a arte do canto num dos melhores discos do ano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
16
11/12/1988

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