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Aramis

No papel, as histórias de Sinibaldo

Apesar dos cabelos totalmente brancos, o aspecto é de jovialidade. Quando fala sobre seus projetos, seus livros, sua vida é como se ouvíssemos um jovem adolescente - pleno de sonhos. Um otimismo de alto astral! Foi esta sensação que Senibaldo Trombini passou a um grupo de jornalistas durante mais de 5 horas, numa tarde de terça-feira, quando gravou seu depoimento para o projeto Memória Histórica do Paraná, patrocinado pelo Bamerindus. Seu depoimento era tão significativo que o próprio executivo-chefe da Umuarama, agência que gerencia o projeto, Sérgio Reis, participou da entrevista, na qual estiveram os jornalistas João de Deus (coordenador) Hélio Fileno de Freitas Puglielli, Luiz Geraldo Mazza, Aroldo Murá, Renato Schaitza e este repórter. Há muitos Senibaldos. O industrial bem sucedido - comandante hoje de um dos mais fortes grupos econômicos do Paraná; o humanista, preocupado com o destino de milhões de pessoas; o apreciador da boa música - especialmente o canto lírico, como filho de italianos e, sobretudo o escritor, autor de quase uma dezena de livros, que edita por sua conta, doando os resultados para entidades assistenciais. Ao menos um de seus textos - uma dramática história sobre a disputa de uma bela jovem por dois maquinistas da RFFSA e que acaba em tragédia na Serra do Mar - é um roteiro notável para um longa-metragem - o que aliás, comentamos na ocasião em nossa coluna "Tablóide". Agora, chegando aos 80 anos - festivamente comemorados ontem, com uma generosa festa em sua mansão no Balneário Eliana, em Guaratuba -Senibaldo tem um pouco do muito que nos contou resumidos, com a inteligência da Maí Nascimento, nestas páginas que "Almanaque" lhe dedica. Apenas um pouco de um morretense apaixonado, bicho do Paraná, um jovem octogenário que sem nunca ter lido Dale Carnegie, sabe, como poucos, a arte de fazer amigos. "Cada um tem a sua verdade. Eu gosto da autenticidade, daquilo que aconteceu realmente e acontece e do que temos conhecimento. Dizer de mim alguma coisa me é até fastidioso, porque não sou nada diante das coisas da vida, da sociedade, daquilo que presenciamos, vivemos, criamos, sentimos e amamos. Eu prefiro dizer amar, porque nos meus livros procuro levar mensagens de amor. Estou cansado de ouvir bangue-bangue, histórias de terror e outras coisas mais que são horripilantes - na expressão lídima da palavra. Sou filho de um pedreiro, homem honrado, digno, que transmitiu aos seus filhos tudo: "Filhos meus, andem de roupa rasgada, pé no chão, mas com a cabeça erguida dignificando o homem". Foi uma lição. Filho de uma mãe, todos nascidos em Morretes - que se frise, porque eu até já fui tido como um velho italiano de Santa Felicidade. Quando a gente tem cabelo branco, é isto mesmo! Aos noves anos comecei uma vida, porque toda criança gosta de ajudar o pai, mormente quando há necessidade de um trabalho de solidariedade naquilo que o pai deseja. Porque ele, abandonando o granito onde por certo cansou as mãos calejadas, subindo a serra nove quilômetros pela manhã e voltando à noite, para tomar banho, jantar e dormir até às quatro ou cinco da manhã, e retornar ao trabalho... isto era demais. Ele abandonou tudo para comprar o bar da estação da minha terra. Meu pai tinha uma pedreira no Marumbi e morava na América de Baixo, a dois quilômetros - onde nasci. Subia ele a pé, com mais dois companheiros, porque era chefe e sempre teve liderança. Aos 17 anos, ele comandava uma turma de napolitanos, espanhóis e portugueses, homens rudes. Foi escolhido como chefe. Nos somos brasileiros, eu, meus pais. Só meus avós é que vieram da Itália. Em 1877 chegaram a Paranaguá levas de italianos. Muitos se dirigiram a Buenos Aires, muitos ficaram em Porto Alegre, outros em Paranaguá. Normalmente, os italianos se destinavam a Alexandra, outros já se transportavam para Santa Maria, perto de Piraquara. Depois se formaram núcleos em Santa Felicidade e em cidades como Colombo. Os italianos praticamente vieram ao Brasil substituir o braço escravo. Quem conhece a peça teatral "Os Ossos do Barão" sabe perfeitamente o que o italiano significou por aqui, à época. Eu sou de 1909. Estou em meu octogésimo ano. Sinto-me um jovem de 60 anos, 65 para ser mais preciso. Sou de 21 de janeiro, da América de Baixo, bem no fim da reta de Morretes. Ali nasceram meus irmãos também. Mirtillo e minha irmã mais moça nasceram depois, na cidade. Freqüentei o grupo escolar de Morretes e fui muito feliz, com a professora Gabriela, que ensinou o bê-a-bá a toda aquela gente. Era extraordinária. Depois estudei com o doutor Nerval Silva, dentista que foi morar em Morretes. Antes estive com o Silvino Mello, casado com Elizabeth Negrão - que faleceu há pouco tempo, com mais de 90 anos. Foram grandes mestres. Dona Esther Pires do Nascimento foi outra professora, estive em três escolas particulares. Aos 13-14 anos, por uma decisão momentânea, vim a Curitiba e fui morar no Palácio. Achilles Trombini, irmão de meu pai, era o gerente do Cine Theatro Palácio, onde hoje está o edifício Moreira Garcez. Era de Antônio Mattos Azeredo, homem muito bom, que tinha confiança absoluta no Achilles. Dentro do Palácio, atrás do palco, havia uma casa residencial, pegada a uma confeitaria da mãe de Dante Romanó: a Confeitaria Romanó. Nos fundos o Albano - que era o "Chico Bóia" - cortava a massa para o rocambole e dava as sobras para nós. Aos 14 anos, foi um mundo o que vi só dentro daquele Palácio. Veio uma companhia alemão com mais ou menos 30 coristas que só usavam a calcinha..."
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
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22/01/1989

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