Login do usuário

Aramis

A noite em que João esteve em Curitiba

Não lembro se aconteceu em 1960 ou 61. Tenho certeza, entretanto, que foi no início daquela década. Paulo César, radialista veterano, era uma espécie de empresário artístico e apresentador de um dos programas de auditório de maior sucesso da Rádio Guairacá, que instalada na Rua Barão do Rio Branco, vizinha da PRB-2, vivia seus últimos anos de esplendor radiofônico. Todas as semanas, Paulo César - (que, aliás, ainda continua em ação, produzindo o seu "Baiúca do Xiló") - trazia uma atração para o seu programa e, sempre que possível, fazia uma dobradinha com o Diretório Acadêmico de Engenharia do Paraná, que, na Sociedade Duque de Caxias, na Rua José Loureiro (onde hoje está a Lojas Muricy), mantinha a tradição do Chá Dançante de Engenharia, domingueira criada por Abílio Ribeiro, quando estudante, no após guerra, e que com Genésio e sua Orquestra imitando saudavelmente as big-bands americanas (Tommy e Jimmy Dorsey, Art Shaw, Glenn Miller, Count Basie, etc.) embalava muitos romances. Assim, após o artista se apresentar no programa de auditório de Paulo César na Guairacá, o mesmo fazia um segundo show no Chá Dançante de Engenharia - que não tinha chá, mas onde se embalavam volteios com cuba libre hi-fi, já que o scotch White Horse não era alcançado pelos magros orçamentos da rapaziada. Pois foi para uma destas programações que Paulo César trouxe a Curitiba - pela primeira e única vez - o então jovem João Gilberto. xxx A apresentação de João Gilberto no auditório da Guairacá, não foi nenhum sucesso. Afinal, para um público simples, acostumado a aplaudir outro tipo de intérpretes, a voz fina e diferente, a batida nova de João Gilberto ao violão não traziam a empatia imediata. Em compensação, depois do programa, na sala de Paulo César, um grupo de pessoas - entre estudantes e funcionários da rádio, mais este repórter, deliciaram-se com João Gilberto. Simpático, acessível, ele falava bastante e, cada vez que se fazia uma pergunta sobre a música, sobre a ainda desconhecida e pouco entendida Bossa Novva, respondia com exemplos musicais. Pé sobre a mesa da direção artística entusiasmou-se tanto que acabou arranhando o móvel - para preocupação administrativa do próprio Paulo César. E João só deixou a sala porque havia o segundo show da Sociedade Duque de Caxias, onde um público surpreendentemente atento o aplaudiu bastante. Afinal, João não se limitou - como nunca fez - a um repertório bossanovista, mas trazia as músicas de Ary Barroso, Wilson Batista e, principalmente, Haroldo Barbosa e Geraldo Jacques. Na época já tinha gravado dois elepês ("Chega de Saudade", Odeon-MOFB 3073, 1959; "O Amor, O Sorriso e a Flor", Odeon-MOFB 3151, 1960) - no segundo, aliás, com a participação de um baterista paranaense, o saudoso Guarany Fernandes. A Bossa Nova, entretanto, ainda não era muito bem entendida e João procurava explicar o sentido renovador das canções de Tom e Vinicius de Moraes. E João falou muito - lembro-me bem - de seu amigo Jorge Amado, - e, apaixonado por Astrud, não esquecia sempre de mencioná-la. Foi uma noite mágica, no país da juventude e dos sonhos - aquele em que alguns curitibanos viram e ouviram João Gilberto. Com toda sua magia, ternura e genialidade. LEGENDA FOTO 1 - Retrato do ídolo quando jovem e do repórter quando magro.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Nenhum
7
29/06/1986

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br