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Aramis

Noite Vazia (III) - Nilo chorando com a morte da casa pela desordem na Ordem

Entre vários aspectos que o fechamento de endereços noturnos - como o Habeas Coppus e o Crystal - podem justificar numa apreciação mais ampla do que o simples registro está o da própria localização dos chamados eixos-de-animação da cidade. Desde quando presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, na gestão do prefeito Omar Sabbag - com o qual viria a romper por razões técnicas (*), o então modesto arquiteto já se preocupava em que Curitiba tivesse espaços capazes de concentrar comércios específicos, inclusive o da noite. Assim, numa época em que Lerner tinha como uma de suas principais colaboradoras a inesquecível engenheira Maria Francisca (Francetti) Garfunkel Rischbietter - a qual, até hoje, reconhece, dever muito de seu sucesso - a questão de como deveria ser conduzido o aproveitamento do chamado Setor Histórico-Tradicional era motivo de longas reuniões e muitos debates. Só alguns meses após a sua posse como prefeito nomeado (pelo governador Haroldo Leon Perez, que viria a ser cassado meses depois) é que Lerner assinou o decreto-lei que institucionalizou o setor preservando construções mais antigas de Curitiba, determinando um zoneamento específico e prevendo um estímulo ao comércio ideal para ali se concentrar. Hoje, passados mais de 20 anos, a realidade é outra e apesar de todo esforço do IPPUC em fazer com que a legislação aprovada seja cumprida aconteceu uma deterioração transformando a área originalmente prevista para o lazer noturno - especialmente atraindo o turismo - numa das zonas mais problemáticas da cidade - conforme denúncias que se acumulam nos últimos meses - sem que a Prefeitura queira - ou possa - tomar medidas rigorosas e definitivas. xxx Nesta semana, o advogado Laertes de Castro, presidente da Associação dos Moradores e Comerciantes do Setor Histórico, tem agendada uma nova reunião com o comando da Polícia Militar, na esperança de que a grave situação que denunciamos no último sábado tenha uma solução. xxx Nilo Silva, 42 anos, paranaense de Antonina, ex-mecânico que pela paixão musical se tornou profissional do violão, ex-Regional do Janguito e do grupo Choro & Serestas, há 9 anos, com imensas dificuldades instalou na primeira quadra da Rua Mateus Leme - em pleno setor histórico - uma casa de samba & choro que se consolidaria como o único endereço que se dedica, exclusivamente, a prestigiar a melhor MPB abrigando duas dezenas de artistas. Num sobrado de dois andares, de propriedade do milionário ponta-grossense Pedro Luís Carvalho, Nilo investiu todas suas economias para adaptar um espaço agradável, com um bom palco - pelo qual se revezam, todas as noites, quatro cantoras - entre as quais a esposa Lena e a filha Fátima, e mais 16 instrumentistas, entre os melhores de nossa cidade, muitos veteranos dos tempos ainda do grupo do saudoso Janguito do Rosário. Entretanto, os negócios vão mal para o bom Nilo. O proprietário do imóvel, através da Imobiliária Continental, lhe move uma ação de despejo. O investimento feito (Cr$ 17 milhões) o obrigou a dívidas pesadas e embora com uma freguesia entusiasta pela legítima MPB que ali rola a partir das 20h, o movimento caiu. Nilo, não tem dúvidas em apontar uma das principais causas: - "A transformação do largo da ordem na desordem, a abertura de casas que concentram um público violento e perigoso, a falta de segurança - e, naturalmente, a crise econômica, está matando a noite. Estou tentando resistir, mas não sei por quanto tempo!" xxx Ao lado do Nilo Samba & Choro - com sua música ao vivo, empregando bons profissionais, multiplicam-se casas de "música" barulhenta, muitas delas infernizando a vida de moradores - como as boites Amnesia e, especialmente, a Subway, esta de propriedade de um primo do deputado Rafael Greca - que se diz o "representante" do Setor Histórico - com o que, obviamente, os moradores e comerciantes ali instalados não concordam. Um bar que marcou época na vida da cidade - o Bebedouro, inaugurado em janeiro de 1978, foi, pelo menos por cinco anos, um exemplo de estabelecimento-modelo para a animação da área, como sonhava no início, o então jovem prefeito Jaime Lerner. Com boa música ao vivo, atraindo centenas de grandes músicos e cantores que por ali passavam no final dos anos 70 e início da década de 80 (os bons tempos do projeto Pixinguinha!) o Bebedouro foi referencial de um período de animação. Localizado ao lado da Casa Romário Martins, sem residências próximas, aquele bar (como também o Nilo Samba & Choro) nunca teve problemas de vizinhança. Ao contrário do que ocorre com casas que ai viriam a ser liberadas pela prefeitura, nos anos seguintes, como as já citadas Subway - na Rua 13 de Maio e a Amnesia, está de parede e meia com a residência do advogado Laertes de Castro. xxx Algumas quadras adiante, já praticamente saindo dos limites do Setor Histórico, o Habeas Coppus (Rua Dr. Murici) nos três anos que funcionou, não teve também problemas de vizinhança. Estrategicamente, o engenheiro Sérgio Bittencourt Martins, procurou um imóvel que não fosse vizinho a residência, com estacionamento relativamente seguro, e que neste aspecto funcionou com tranqüilidade. Pena que a crise que esvazia a noite o levasse a fechar a sua casa no último sábado. Agora, ainda sem saber o destino que dará ao equipamento - de um piano de cauda a obras de arte, e toda a infra-estrutura - Serginho está em férias. Uma ex-relações públicas da casa, a fulgurante Márcia Novaes, está tentando viabilizar um grupo de ricos executivos para assumir o endereço. Por enquanto, apenas ainda no campo da especulação. xxx Nota (*) Quando presidente do Ippuc, em 1969, Lerner elaborou o projeto da Rodoferroviária, que deveria ser desenvolvido pelos técnicos do Instituto. O prefeito Sabbag discordou, contratou o arquiteto Rubens Maister, e Lerner rebelou-se, quando então foi demitido do cargo. Em sua primeira gestão, foi ele quem inaugurou a Rodoferroviária, construída conforme o projeto de Maister.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
30/01/1992

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