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Aramis

Nostalgia

Uma reedição de músicas gravadas por Severino Araújo na Continental, um novo elepe do flautista Altamiro Carrilho e dois comerciais elepes com orquestras americanas, apresentam pontos em comum que justificam os seus registros em bloco. Severino Araújo de Oliveira, 58 anos, pernambucano de Limoeiro, 40 de vida musical, mereceu neste segundo semestre duas justas homenagens: a Odeon, inaugurando a série "Depoimento", gravou um elepe com a Orquestra Tabajara, da qual Severino foi regente de fins de 1938 até 28 de fevereiro de 1970. Já o admirável João Luiz Ferreti, coordenador da série "Ídolos da MPB", da Continental, produziu um álbum em homenagem ao mesmo Severino e sua Orquestra Tabajara, reunindo seus maiores sucessos na Continental, etiqueta a qual esteve ligada por 30 anos. A Orquestra Tabajara, formada em João Pessoa, na década de 30, surgiu do entusiasmo de um holandês pela música, já que ele financiava a compra de instrumentos e partituras. Em 1937, quando o governo da Paraíba inaugurou a PRI-4, emissora oficial, a Tabajara foi contratada e no mesmo ano, Severino ingressou na mesma, como saxofonista, instrumento que aprendeu com seu pai, José, professor de música e regente de banda. Em 1938, com a morte do maestro Luna Freire, Severino assumiu a regência, ampliando sua formação instrumental e começando a introduzir o estilo que a caracterizaria, durante as décadas de 40 e 50, no melhor linhas das "big bands", americanas (Tommy Dorsey, Glenn Miller, Count Basie, Duke Ellington, Artie Shaw, Benny Godman e Harry James), que Severino já ouvia nas rádios americanas, captadas com perfeição em João Pessoa e Recife. Sucesso no Nordeste, Severino chegaria ao Rio em 1944 e no início do ano seguinte (20/1/45) vinha toda a sua Orquestra Tabajara, da qual faziam parte seus irmãos Manoel (trombonista), Plínio (pistonista e depois baterista), José (Zé Bodega, sax-tenor) e Jaime (1º saxofone). Era a época da II Guerra Mundial e o que se ouvia no Brasil eram as músicas americanas ao estilo das "big bands". Assim, a Tabajara vinha aproveitar um momento musical histórico em que havia uma aceitação extraordinária pelos arranjos exigindo sólidas formações de metais. É neste aspecto é que se destaca o valor maior do brasileiro Severino Araújo: embora com uma formação ao estilo das orquestras americanas, podendo conduzir apenas repertórios de fox e temas semijazzísticos (Miller, James, Ellington) da época, ele, entretanto, preocupou-se em valorizar uma das formas mais extraordinárias de nossa emepebe: o chorinho. Tanto é que "Um Chorinho em Aldeia", que compôs em 1943, quando servia o Exército num lugar chamado Aldeia, no Interior de Pernambuco, seria um dos maiores êxitos de sua carreira. Mas, ao longo de seu trabalho em rádios - em sua fase de ouro (Tupi e Nacional), bailes (durante anos foi a orquestra mais disputada para festas de formatura e grandes eventos) e gravações, Severino jamais deixou de incluir ritmos brasileiríssimos, não só os chorinhos, mas também frevos e sambas. E na seleção que Ferreti montou para o lp da Continental (1-19-405-014, outubro/75), temos sete deliciosos choros: "Um Chorinho em Aldeia", "Espinha de Bacalhau", "Puladinho", "Um Chorinho Pra Você", "Choros, etc... Clarinetes" e "Um Chorinho Delicioso", todos de Severino, mais "Pára-quedista", de José Leocádio, afora o samba "Morena Boca de Ouro" (Ary Barroso), o "Baião" (Luiz Gonzaga - Humberto Teixeira), o marco da bossa-nova "Chega de Saudade" (Tom / Vinícius) e os frevos "Relembrando o Norte" de Severino e "O Pau Cantou", de Levino Ferreira. Ao mesmo tempo que Severino Araujo chegava ao Rio de Janeiro, com sua Orquestra Tabajara, Altamiro Aquino Carrilho, 51 anos, fluminense de Pádua, já trabalhava no conjunto de Canhoto (Walter Frederico Tramontano), destacando-se como extraordinário flautista. Desde que fez sua primeira gravação, em 1949 ("Flauteando na Chacrinha"), Altamiro foi um dos instrumentistas que mais gravou, principalmente na Copacabana, etiqueta à qual esteve sempre ligada. Entretanto, poucas vezes ali teve chances de fazer elepes com a música da qual é um dos maiores virtuoses: o choro. Por razões comerciais, impostas pela gravadora, Altamiro ficou conhecido como o executante de músicas infantis, dobrados e carnavalescas marchas, muito aquém do seu imenso talento. Entretanto, como o público curitibano pôde vê-lo em duas temporadas em Curitiba (Teatro do Paiol, 1974; Teatro Guaíra, 1975), Altamiro é um instrumentista de notável dimensão criativa, com capacidade de improvisações que nada ficam a dever aos maiores flautistas do jazz, em todos os tempos. Por isso, é das mais importantes a edição de "Antologia do Chorinho" (Philips, 6349156, outubro/75), onde acompanhado pelos seus músicos - Voltaire (violão) e Walmar (cavaquinho), e mais participações especiais da pianista Irene Maria Mello ("Escorregando", "Brejeiro", "Apanhei-te Cavaquinho"), saxofonista Netinho ("Numa Seresta", "E Do Que Há", "Sonoroso", "Sempre", nestas últimas duas no clarinete); Joel do Bandolim ("Doce de Coco" e "Noites Cariocas") e Formiga no Pistão ("Amor Não se Compra" e "Flamengo"), Altamiro presta uma homenagem a 12 mestres do Chorinho. Produzido com esmero e amor por Paulinho Tapajós e Sergio Carvalho, esta "Antologia do Chorinho" dá seqüência a linha de lançamentos da Phonogram, nos mais brasileiros ritmos, do que já tivemos o Samba (MPB-4) e Samba-Canção (Quarteto em Cy). Os choros mais marcantes de Chiquinha Gonzaga (Francisca Edwiges de Lima Neves Gonzaga, 1437-1935), Luiz americano (1900-1960), Jacob do Bandolim (Jacob Pick Bittencourt, 1918-1969), Ernesto Nazareth (1863-1934), Zequinha de Abreu (José Gomes de Abreu, 1880-1935), Bonfiglio de Oliveira ((1894-1950), K-Ximbinho (1917), Waldyr Azevedo (1932) e do próprio Altamiro, estão neste elepe de grande beleza e profundo significado cultural. K-Ximbinho (Sebastião Barros), saxofonista e clarinetista, deixou a Paraíba e veio para o Rio cm a Orquestra Tabajara, sendo assim mais um valor cujo talento teve em Severino Araujo um de seus incentivadores. A produção de "Antologia do Chorinho" foi prefeita, inclusive na escolha de Paulo Tapajós, 63 anos, vice-presidente da Associação dos Pesquisadores da MPB, para a redação das sintéticas e objetivas notas sobre os compositores homenageados, que ocupa a capa deste lançamento de primeiro nível da Philips. xxx E se acima falamos de que quando Severino Araujo veio para o Rio, há 30 anos, a música que se ouvia era o fox-trot, executado pelas grandes [orquestras] ("big-bands") norte-americanas, hoje volta-se a ouvir estas músicas dolentes e agradáveis, impulsionadas pela nostalgia. Dois lançamentos recentes, merecem ser registrados, pois sem preconceitos, é justo que se reconheça o que existe de bom em qualquer país ou em qualquer época. Com uma misteriosa "Jimmy Muller, Orchestra", que a julgar pela ausência de qualquer informação pode se tratar de uma formação de estúdio, com músicos brasileiros, aparece "A Era de Ouro do Fox Trot" (Fontana Special / Phonogram, 6470545, outubro/75), gravado pelo novo sistema "SS 16C". Que, garantiu boa qualidade técnica e arranjos convencionais, mas que mantém a beleza de 12 clássicos indiscutíveis dos anos 30/40: "Cheek To Cheek" (Irving Berlim), "Night And Day" (Cole Porter), "Misty" (J. Burke - E. Garner), "The Lady Is a Tramp" (Rodgers / Hart), "Stardust" (Carmichael Parish), "Fly Me To The Moon" (Howard), "Stella By Starlight" (Washington-Young), "Moonlight Serenade" (Glenn Miller - Parish), "Bubbles Bangles And Beads" (Wright-Forrest), "I'Ve Got You Under My Skin" (Cole Porter), "I'M In The Food For Love" (McHugh-Fields), "Laura" (Mercer/Raskin), "I Only Have Eyes For You" (Al Dubin /H. Warren) e "Tenderly" (Gross - Lawrence). Nas palavras de Paulo Santos, um dos experts em jazz no Brasil, Harr James sempre foi "bom músico, bom intérprete e bom maestro". Sua orquestra, dotada daquele sentido de perfeição que nunca deixou de estar associado ao seu nome, é um conjunto que reúne sonoridade, técnica, equilíbrio emocional, virtuosismo e medida justa do tempo: o musical e o de duração das performances". Particularmente, nunca incluiríamos Harry Hagg James, nascido em Albany, 59 anos, entre os mais criativos instrumentistas. Mas inegável é o fato de que desde sua primeira gravação, como membro da orquestra de Bem Pollack (setembro/36), passando depois para a orquestra de Benny Goodman (com quem esteve até janeiro/39, quando formou sua própria banda) James sempre foi um maestro habilidoso, romântico e comunicativo - principalmente no chamado estilo "Swing". Uma prova disso são as 12 faixas reunidas no lp "Os Grandes Sucessos de Harry James" (CBS 137892, setembro/75), que permitem os mais jovens conhecerem bons temas, desenvolvidos com suavidade e competência técnica: "Muskat Ramble", "Manhatan Serenade" (com vocal de Helen Forrest), "Sleepy Lagoon", "Skylark" (vocal de Helen), "Symphony", "Ciribiribin" (arranjo de James sobre melodia de Pestalozza) até temas divulgados pelo cinema como "Three Coins In The Fountan", "The Hight And The Mighty" (de "Um Fio de Esperança") e "Hernando's Hideaway" (de "The Pijama Game")
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música
31
09/11/1975

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