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Aramis

Números e estética na obra-prima de imagens

Fala-se num novo cinema inglês. Nos últimos anos, mais especialmente a partir de 1985, surgiram realizadores como Stephen Frears ("Minha Querida Lavadeira", "Ligações Perigosas"), David Jones ("Nunca te Vi, sempre te Amei"), Derek Jarman ("Caravaggio"), Neil Jordan ("Monalisa", "A Companhia dos Lobos"), Michael Rodford ("1984"), entre outros que, inicialmente em festivais, depois através ao menos de vídeos que chegaram até o Brasil começam a impressionar pelo talento e vigor - como, em décadas passadas, outros cineastas saíram da velha ilha para conquistar a América - de Alfred Hitchcook e Laurence Olivier a John Schelessinger (que, poucos sabem, chegou a passar por Curitiba em 1964, quando ainda não era famoso). Mas de todos os cineastas do chamado novo cinema inglês, o mais requisitado e estilisticamente formal é Peter Greenaway. Não é para menos: artista plástico e vindo da TV BBC, chegou à direção com uma experiência traduzida em mais de 20 curtas, médias e longa-metragens realizados entre 1966/82, quando com seu "The Draughman's Contract" ("Contrato da Morte", já a disposição em vídeo, mas inédito nas telas) fez sucesso no roteiro de festivais europeus e também em Nova Iorque. Com "O Sonho do Arquiteto" (The Belly of an Architect, 1987) - também ainda inédito em 35mm no Paraná, mas já lançado no Rio - viria a consagração total. Peter Greenaway se tornou um cineasta cult mesmo antes de ter seus filmes consumidos na tela ampla. Isto porque quem viu "The Belly of an Architect" no vídeo distribuído pela Globo, não pode avaliar o que perdeu: a fotografia, a noção cenográfica e estética de Peter faz com que seus filmes mereçam uma apreciação na extensão da tela ampla. Por exemplo, "O Cozinheiro..." - já adquirido pela Art Filmes, mas ainda sem data de lançamento - perderá mais de 60% de sua beleza se for visto em versão reduzida. Agora, no Ritz os curitibanos poderão conhecer o primeiro filme de Greenaway que chega ao nosso circuito: "Afogando em Números". Aparentemente um thrilling policial, com crimes e suspense, mas que é, antes de tudo, um belíssimo exercício de inteligência e um verdadeiro jogo de identificações que nem o mestre Hitchcook faria melhor em seus anos de maior criatividade. Reduzir o argumento em poucas linhas tira o impacto deste filme que entusiasma pelo deslumbramento visual como pela inteligência com que foi concebido. O filme começa (e termina) com uma menina de 13 anos pulando cordas e que tem como jogo profético contar cem estrelas. E tem na progressão de um a cem a sua pontuação - marcando cada número (que é colocado em cenas a serem identificadas pelo espectador mais atento) como elementos da própria estrutura da trama - a rigor sobre três mulheres que assassinam seus homens - todas usando a água como elemento mortal. Só o jogo-desafio de localizar os números de um a cem - dentro de uma estrutura em que existe toda uma fotografia perfeita, obra do mestre Sacha Vierny (o fotógrafo favorito de Alain Resnais, inclusive de "O Ano Passado em Mariembad", também um filme-puzzle) - já é motivo para "Drowning in Numbers" ser visto/revisto várias vezes. A trilha sonora é de um dos mais talentosos compositores da nova geração - Michael Nyman e o elenco é de intérpretes excelentes, embora desconhecidos no Brasil. Um filme-inteligência, para um público especial que sabe buscar mais do que o simples entretenimento, faz de "Afogando em Números" a melhor estréia desta temporada. Obs.: mais cinema na página 8. LEGENDA FOTO - Imagens fascinantes e um roteiro de suspense fazem de "Afogando em Números" a melhor estréia da semana.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
16/02/1990

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