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Aramis

O bom teatro com Maria e o negro que vem de Praga

Sandro Polônio tinha razão de estar irritado no último fim de semana. Enquanto a comédia besteirol "As Sereias da Zona Sul", de Vicente Pereira e Miguel Falabella, conseguia bom público no Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, eram poucos os espectadores para "Temos que Desfazer a Casa", de Sebastian Junyent, que Maria Della Costa e Maria Castelli apresentavam no Auditório Salvador de Ferrante. Sandro e Maria Della Costa já perderam a conta do número de vezes que estiveram em Curitiba. - "Há 40 anos que nunca deixamos de trazer nossos espetáculos a esta cidade, mesmo quando nem existia o Teatro Guaíra. Portanto, é lamentável que, nestas alturas, percamos para uma comédia besteirol". xxx Vindo de uma boa temporada no Sul, Sandro e Maria não esperavam encontrar uma temporada tão fraca. Além da concorrência do besteirol de Miguel Falabella e Guilherme Karam, o péssimo tempo nos últimos dias contribuiu para as casas semivazias. E quem perdeu foi o público. Maria se encantou com o texto de Sebastian Junyent, 41 anos, autor espanhol até agora desconhecido no Brasil, ao assistir a uma encenação desta peça em Buenos Aires. Conseguiu seus direitos, procurou um jovem diretor - Marco Aurélio, e numa produção despojada, com apenas duas atrizes - ela e Maria Castelli (veterana, mas mais conhecida por suas atuações em telenovelas em São Paulo) conseguiu encenar um espetáculo harmonioso, que permite várias leituras. xxx De princípio, há pontos que lembram "O Preço" de Arthur Miller (que terá no final do ano uma montagem no mesmo Auditório Salvador de Ferrante). Duas irmãs - Ana (Della Costa) e Laura (Castelli), numa sala entulhada de velharias - móveis, louças, objetos diversos, roupas, etc. - discutem a partilha dos bens deixados pelos pais. Como no texto de Miller, há um conflito entre as irmãs: Ana, abandonou o lar aos 17 anos, teve várias aventuras e só agora, precisando do dinheiro da herança - a venda das jóias da mãe e do velho casarão - retornou a Madri (onde a ação se localiza). Laura, acomodada, ficou com a responsabilidade de atender a família - acompanhar as mortes do pai e da mãe, aceitar como marido "a única opção que tinha" e, acostumar-se a um mundo cinzento. Nesta leitura linear, o texto de Sebastian Junyent discute o lado do vazio existencial, da insignificância das coisas materiais e parte de uma frase de Eugene O'Neil (1888-1953) - "Depois dos quarenta anos, muitas mulheres tem deixado de viver. A vida passa ao seu lado e elas apodrecem em paz". Entretanto, uma segunda - e mais política - leitura, pode ser vista: a de uma libertação da mulher, a repressão machista contida especialmente em dois longos monólogos, oportunidades para "over representations" das duas Marias. Um texto simples em sua concepção - mas grande em suas intenções - numa encenação que mereceria ter encontrado melhor público. Falando sobre as personagens Ana e Laura, Junyent disse: "Não há grandes causas que desencadeiem o drama. Só há pequenas coisas. Essas malditas pequenas coisas que todos vamos amontoando em nossa memória até que nos sufoquem". xxx Numa temporada de muitas (boas) atrações nos dois auditórios do Guaíra (e haja grana para acompanhar a todos os espetáculos), teremos duas produções de qualidade trazidas por Verinha Walflor. Hoje e amanhã, a sofisticação de "Teatro Negro de Praga", que mistura pantomima, balé, ópera e teatro com efeitos de luzes, máscaras, enfim, muitos efeitos especiais (sessões às 21 horas, ingressos entre NCz$ 25,00 e NCz$ 10,00). A temporada brasileira deste caríssimo espetáculo tem patrocínio da White Martins e a organização é da Dell'Arte, que mesmo com o dólar ultrapassando os NCz$ 3,00, não deixa de empresar grandes produções internacionais - como este Teatro Negro de Praga, criado há 28 anos e que se constitui, no mínimo, num espetáculo diferente e original. Já nos dias 20 de junho, 1º e 2 de julho, uma peça introspectiva, infelizmente programada para o imenso Guairão: "Louco de Paixão", de Sam Shepard, direção de Hector Babenco, com Edson Celulari, Xuxa Lopes, Linneu Dias e Otávio Muller. LEGENDA FOTO - Um espetáculo com multiatrações, hoje e amanhã no Teatro Guaíra: Teatro Negro de Praga.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
27/06/1989

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