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O Brasil por Henriqueta e o gol do Uruguai em 1950

Gramado - Aproximando-se do final, aumentam não só as inquietações dos realizadores dos 33 filmes, nas diversas bitolas, em competição, como cresce o número de convidados - desde superstars até nomes aparentemente anônimos, mas ligados, de uma forma ou de outra, ao cinema brasileiro, e fazem todo esforço para assistir ao mais badalado festival que se realiza no Brasil. Some-se aos convidados - entre artistas, realizadores, técnicos etc - milhares de porto-alegrenses que sobem a serra para curtir o evento, centenas de crianças que se agrupam em torno dos hotéis Serrano e Serra Azul, tietes fiéis na expectativa de obter autógrafos dos nomes mais populares - ou seja, os artistas popularizados pela televisão - como Malu Mader, atriz de dois dos principais filmes em competição ("Feliz Ano Velho e "Dedé Mamata"), Eva Wilma (também no elenco de "Feliz ano Velho", mas que a tietagem vê como a "Penélope" de "Sassaricando"), Paulo Autran (o "Aparício Varela", da mesma telenovela), que preside o júri que, até à noite de sábado, tem a responsabilidade de indicar os premiados com os Kikitos na categoria de longa-metragem. Indicar favoritos, quando ainda preparávamos esta matéria, visto apenas metade dos filmes em competição, é prematuro - apesar da simpatia com que foi recebida a adaptação que Roberto Gervitz fez de "Feliz Ano Velho" e que, domingo, abriu a competição. No segundo dia do festival, estavam programados dois longas - "Luzia Homem", de Fábio Barreto, e "Sonhos de menina moça", de Teresa Trautman, que acabou não sendo exibido. Oficialmente por "razões técnicas" - a cópia não estaria em condições ideais e o material de divulgação (releases, fotos) não havia ficado pronto a tempo. Extra-oficialmente falou-se que o produtor Luís Carlos Barreto preferiu que a fita dirigida por seu filho, Fábio, rodado no Ceará e baseada no romance de Olímpio Domingos, com a bela Claudia Ohana no papel título, fosse mostrada isoladamente, já que em dupla sessão cansaria os espectadores. Teresa Trautman, conhecida por "Os homens que eu tive" (que permaneceu anos retidos na censura", não se importou: preferiu que seus "Sonhos de menina moça" fosse projetado na quinta-feira quando o festival ganha já um calor mais intenso (Apesar do frio que continua a fazer aqui em Gramado), mesmo estendendo a sessão para mais de cinco horas, considerando que na mesma programação estarão o curta gaúcho "532", de Ênio Staub e Aníbal Damasceno Ferreira (Lírica visão de uma locomotiva "Maria Fumaça", desativada é transformada em sucata), o também curta gaúcho (mas competitivo na categoria nacional), "Barbosa", de Jorge Furtado e Ana Azevedo, "Meninos de rua", da atriz-cineasta Marlene França, sobre a infância abandonada. Em seguida, o longa-metragem, "A menina do lado", de Alberto Salvá, sobre a paixão de um jornalista quarentão (Reginaldo Farias, o "Marco Aurélio" da telenovela "Vale Tudo" e cuja presença estava sendo aguardada por suas fãs) por uma ninfeta, a estreante Flávia Monteiro. A emoção de Brieba - na noite de segunda-feira, quando Clóvis Duarte e Tânia Carvalho, que há 10 anos são os mestres-de-cerimônia do Festival de Gramado, chamaram ao palco do cine Embaixador, entre dezenas de artistas e realizadores conhecidos, a atriz Henriqueta Brieba, o público, em pé, aplaudiu a mais veterana de nossas atrizes. Na terça-feira, os aplausos foram ainda maiores, antes da exibição do curta "Histórias do Cotidiano", que o casal Regina Abreu e Nilton Nunes (há quatro anos trabalhando na produção de "Fronteiras - A saga de Euclides da Cunha") realizaram em menos de 60 dias, com um orçamento de pouco mais de 2 milhões e que se constitui num dos filmes mais interessantes apresentados em Gramado neste ano. Realizado para o museu Histórico Nacional, com patrocínio da Petróleo Ipiranga e da Fundação do Cinema Brasileiro, "Histórias do Cotidiano" é lírico e documental em sua estrutura (de 20 minutos, a ser reduzida para 13 quando for proposta ao Coincine, para lançamento no circuito comercial), fazendo desfilar a História do Brasil, através de uma sucessão de imagens e sons, neste século XX, com dona Laura Henriqueta, 86 anos, 84 de vida artística, mais de 1.200 peças, 32 filmes) narrando a sua neta Cristina (Mariana de Moraes, neta do poeta Vinícius, que foi lançada há 2 anos por David Neves em "Fulaninha", premiado em Gramado), os fatos que marcaram este século. Nascida na Espanha, vindo para o Brasil com 19 anos - de uma família de artistas de teatro - Henriqueta, admirável lucidez e memória, vigorosa (atualmente faz a revista "XI, estourou a camisinha" com colé, no teatro Alaska, e por isto retornou ao Rio na manhã de quarta-feira) foi, indiretamente testemunha dos fatos que marcaram nosso século - o que confere mais emoção ao filme, ilustrado com centenas de fotos antigas de Otávio Malta e seqüências que vão desde fragmentos de "Pátria redimida", de João Baptista Groff (a revolução de 30) até "Casablanca". Barbosa Um documentário criativo, importante - e sobre o qual, na próxima semana, esperamos falar com mais detalhes. O gol que abalou o Brasil - entre os curtas em competição, na categoria de 35mm, outro que se aguarda com expectativa, é "Barbosa", programado para quinta-feira. Jorge Furtado, um dos realizadores do esplêndido "O Dia em que Dorival enfrentou o Guarda" (premiado em 1986, e que nos cinemas da Fucucu já foi exibido em 16 semanas alternadamente) partiu de um texto-pesquisa do jornalista Paulo Perdigão ("Anatomia de uma derrota", para, misturando ficção e realidade, reconstruir o mais traumatizante fato da história do futebol brasileiro: em 1950 o Brasil vivia um período de euforia na copa do mundo e no recém inaugurado estádio do Maracanã, a vitória parecia certa sobre o selecionado uruguaio. Barbosa, Ademir, Zizinho e Friaça eram heróis nacionais. Mas no jogo do trágico domingo, 16 de julho, ao 33 minutos e 30 segundos do segundo tempo, uma bola que partiu da perna direita do uruguaio Alcides Edgar do Ghiggia passou no pequeno espaço que havia entre a trave e a mão esquerda de Moacyr Barbosa, mudando sua vida e frustrando o sonho de milhões de brasileiros. Hoje, Barbosa é proprietário de uma pequena loja de materiais de pesca, em Ramos, subúrbio do Rio. Cabelos grisalhos, convive, passado 38 anos, com a lembrança diária, constante daquele momento, o maior silêncio da história do País. Mas, e se um homem, capaz de vencer o tempo, voltasse a 16/7/1950, para avisar Barbosa do chute de Ghiggia? Justamente partindo desta narrativa - mas entremeado de seqüências de época e depoimento do próprio Barbosa Furtado criou um filme que se acresce até hoje pequena filmografia sobre o futebol, numa obra que, dentro de sua concepção, foi uma das que mais expectativas provoca desde o início deste festival - no qual paralelamente aos longas, mais uma vez temos nos curtas, tanto em 16mm e 35mm - além dos quatro médias ("Carlota/Amorosidade", de Adilson Ruiz Cajueiro, "Um quilombo na era espacial", de Lise Tarak, "PSW - Crônica subversiva", de Paulo Halm e Luís Arnaldo Campos, e "Bruxas", do paranaense Mauro Faccioni Filho) momentos do maior interesse a quem se dispõe a sentir pulsação de um cinema de idéias, realizado com entusiasmo e amor - apesar de todas as dificuldades para um mercado tão fechado para produções culturais. LEGENDA FOTO: Flávia Monteiro numa cena do filme "A menina do lado".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/06/1988

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