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Aramis

O Cavaleiro Elétrico de uma outra América

Numa das seqüências de << O Cavaleiro Elétrico >> (cine Condor, 14, 16h30min, 19h30min e 22 horas), a tv-repórter Hallie (Jane Fonda), tentando acompanhar o cowboy Sonny (Norman) Stele (Robert Redford), na caminhada pelo interior de Utah, cansada com o peso do equipamento de gravação, cai e diz ter ferido a perna. Levanta o rosto e indag a Sonny: - Você não vai me matar, como se mata cavalos? Aparentemente, apenas um diálogo do roteiro (perfeito) de Robert Garland. Mas aos que acompanham de perto a carreira de Sidney Pollack/Jane Fonda, não deixa de ser, talvez, uma referência a um dos melhores momentos do cinema dos últimos anos: << A Noite dos Desesperados >> (They Shoot Horses, Don`t They?, 70), que Pollack, realizou com base na pequena-grande obra-prima de Horace McCoy. Referência em relação a este << The Eletric Horseman >> não faltam. Há meses, um crítico do << Time >>, lembrou o << Mr. Deeds >>, personagem << Mr. Deeds >>, que Gary Cooper imortalizou em << O Galante Mr. Deeds >>, em 1939, de Franck Capra, o cineasta americano que criou um tipo de comédia, social, otimista e confiante na democracia americana, e que, como já disse Rubens Ewald Filho, << acertou em cheio no espírito do povo, nos anos difíceis da Depressão do New Deal de Roosevelt >>. Mas mais do que o idealista Mr. Deeds, o cowboy Sonny, ex-campeão de roteiros, e que o prematuro cansaço e bebida o leva a se transformar num ridículo garoto-propaganda de uma corporação industrial (AMPCO), para vender cereal alimentício, lembra o notável personagem que Kirl Douglas criou no melhor filme que David Miller realizou 1961: << Sua Última Façanha >> Em << Lonely Are The Brave >> - título original já é um pintor de imagens - Miller, hoje aos 71 anos e que, em sua longa filmografia, não teve muitos êxitos, embora seu penúltimo filme tenha sido uma corajosa denúncia do complô que assassinou John Fitzgerald Kennedy, em << A Morte de Um Presidente >> (Executive Action, 73) - fez um excelente estudo sobre a transformação do Oeste e o contraste com os últimos cowboys. Naquele filme, que deve, reconheça-se seus méritos maiores, ao excelente roteiro de Dalton Trumbo(1905-1976), Kirk Douglas interpretava um cowboy que não se conforma em saber que seu amigo foi preso por um motivo fútil. Oliberta da cadeia e passa a ser perseguido por toda uma moderna tecnologia: solitário, foge pelas pradarias, dribla viaturas policiais, abate um helicóptero, mas, ironicamente, acaba morrendo atropelado sobre as rodas de uma jamanta que transporta vasos sanitários. O esmagamento dos velhos sonhos de uma América que o progresso fez desaparecer. Em << O Cavaleiro Elétrico >>, Pollack foi extremamente feliz ao colocar uma ação crítica, com elementos contemporâneos: o final de uma forma de profissão (os cowboys dos rodeios), a exploração das grandes corporações em forma de estímulo ao consumismo, o, emprego de drogas em animais, a destruíção do meio ambiente e a presença dos veículos eletrônicos de comunicação, no caso a televisão. Na primeira parte do filme, Sonny aceita passivamente a sua posição de caricatura de um passado, vestindo uma roupa eletrificada em shows que a AMPCO vende seus produtos. Mas ao encontrar um cavalo de raça, o Rising Star, companheiro de tempos melhores, entorpecido por drogas, Sonny reage: deixa o artificial ambiente de discotheque-show, na feérica Las Vegas e se lança pelo deserto de Nevada, buscando atingir o vale onde possa devolver o velho companheiro ao ambiente natural, junto com outros << mustangs >> que ainda sobrevivam... Ely Azevedo, um dos lúcidos críticos brasileiros, entusiasmado com << The Electric Horseman >>, escreveu na última quinta-feira (<< Jornal do Brasil >>), um texto (<< O Matadouro Elétrico >>), onde desenvolve um raciocínio com o qual concordamos em gênero, número e grau. Diz Ely que: << a humanidade de Sonny permanece com um mínimo de pulsação, embora oculta sob a máscara vincada inerme, como que moldada para um museu de cera de all-american heroes. O aceno para a possibilidade de recuperação de sua identidade vem com a descoberta de que Rising Star está sendo dopado a fim de não frustar a mise-en-scene das promoções da AMPCO. Sintomaticamente, a seqüência do não declarado rompimento com a corporação e com a condição do títere ocorre na capital dos jogos de azar, do lazer mecanizado, dos jackpots: Las Vegas. As marquises de iluminação ofuscante, os nomes de estrelas em letras gigantes, o viavém nos hotéis onde qualquer coisa ou pessoa pode ser convertida em evento fornecem os décors ideais para a salvação de Sonny - ainda que efêmera ou incompleta. Em meio às coristas que antecedem o momento de seu ato no show, Sonny surge montando Rising Star. Por um instante a platéia Julga que a introdução faz parte do programa. Mas o Cavaleiro Elétrico, como sempre atuando com seu traje de lâmpadas acesas, passa em frente das mesas do night club, assusta involuntariamente alguns presentes, transita pelo hall, pelas calçadas e, ao tomar a direção dos desertos de Nevada, desliga a iluminação da fantasia. Agora é uma sombra que se afasta das luzes de Las Vegas. Com simplicidade, o filme assinala a rebeldia do personagem à condição de sombra de um mito >>. De certa forma, nota-se uma espécie de divisão ideológica neste momento: na primeira parte, é o home-objeto, aniquilado pela estrutura comercial. A partir do roubo do cavalo - que valeria US$ 12 milhões e as preocupações dos diretores da AMPCO em evitar um escândalo nacional, sente-se um retorno ao heroismo, a uma liberdade cada vez mais roubada não só dos seres humanos, mas dos animais. E o que é constante pela jornalista Hellie, que com habilidade e coragem, consegue entrevistar Sonny e, depois, envolve-se em sua fuga e também sentimentalmente. No final, mais do que uma separação ou um happy end, um cântico a liberdade: a canção << country >> de Dave Grusin, na voz de Willie Nelson e a câmara de Ower Roizman focalizando os últimos espaços abertos, onde Rising Star, readquirindo sua condição de mustang reprodutor, reencontra o seu ambiente natural. Tão admirável como líder feminista, de profundas - e polêmicas - idéias políticas, como atriz e (bela) mulher, Jane Fonda não aceitaria fazer o personagem << Hallie >> simplesmente pelo pagamento dos dólares. De certa forma, repetindo um personagem de seu êxito anterior - a repórter de TV de << O Síndrome da China >> (1978, de James Bridges), que lhe valeu o Oscar de melhor atriz-79, Jane Fonda é a mulher que se transforma com a convivência de um homem simples, rude de certa forma, mas extremamente puro e honesto. Ao fazer anotações como de que está redescobrindo o país que ela << só percorria de jatos, a 10 km de altura >>, Hallie diz muito. Ao se imaginar o duo Jane/Robert Redford de 13 anos passados, no leve, delicioso mas vazio <,Descalços no Parque >> (barefoot in the Park, da peça de Neil Simon), de Gene Sacks, pode-se perceber que houve uma grande evolução. Não só física, mas principalmente intelectual: mesmo sem o ativismo de Jane, Robert redford é também hoje mais do que apenas um belo ator, que garante excelente bilheterias: tem se preocupado em criar personagens que digam algo mais ao público, insatisfeito apenas com mero entretenimento, Pollack, 46 anos, e a exemplo de vários colegas de geração advindo da televisão, após experiências como ator (como no político << Obsessão de Matar >>/War Hunter >>, 61 de Dennis Sanders), em seu primeiro longa-metragem, << Uma Vida em Suspense >> (The Slender Thread, 66), com Sidney Poitier e Anne Bancroft, colocava a solidão humana e as tentativas de um grupo de pessoas idealistas para salvar uma mulher que tenta o suicídio. A repressão sexual numa pequena comunidade - << Esta Mulher é Proibida >> (This Property is Condemmed, 66), um filme condenado o massacre aos índios (<< Revanche Selvagem/The Scalphunters, 68) e, após uma mistura de sátira surrealista e drama de guerra (<< A defesa do Castelo >>, 69) e o seu melhor filme, << A Noite dos Desesperados >>, viria uma western de preocupações ecologicas: << Mais Forte que a Vingança >>) (Jeremiah Johnson), em 73, novamente com Redford, que voltaria no corajoso << Os 3 Dias do Condor >> (1976. Nesta década, uma comédia emocionante << Nosso Amor de Ontem >> 72), um thrilling oriental (<< Operação Yazuka >>) e um sensível drama sobre automobilismo (<< Bobby Deefireld >>, 76), dariam continuidade a uma carreira das mais conscientes. Assim, ao se recordar os títulos dos filmes de Pollack, o fazemos para dar aos eventuais leitores e interessados em cinema, dados que possibilitem perceber de que << O Cavaleiro Elétrico >> não é apenas um western-moderno ou um filme oportunista. Sendo um bom espetáculo - claro , bem contado, com excelentes recursos (e que mereceu elogios boa bilheteria nos EUA e indicações ao Oscar), é também uma obra de reflexão. Uma prova de que o cinema de idéias não deve - nem precisa - ser alienado. A história original de Shilly Burton nas mãos de um realizador menos competente poderia fracassar. Pollack, entretanto, a soube tratar com a maior dignidade, convocando para o elenco de suporte, além de Valerie Perrine (numa curta seqüência), veterano John Saxon, hoje aos 48 anos, bastante afastado das telas, mas que, há 19 anos, tinha em << obsessão de Matar >> o melhor trabalho de sua carreira. << O Cavaleiro Elétrico >> é um filme atual. Emocionante na proporção que coloca personagens de dignidade humana, político em sua denúncia e, para quem quiser apenas isto, simplesmente um espetáculo de 120 minutos, que se assiet com a maior satisfação.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
06/07/1980

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