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Aramis

O filme que a ecológica (sic) Curitiba não soube assistir

Exibido durante um mês em Curitiba o mais importante filme brasileiro realizado nestes últimos anos - "Césio 137 - Pesadelo em Goiânia" não teve sequer 500 espectadores. Em cerca de 90 sessões realizadas nas duas primeiras semanas, a partir do dia 13 de setembro, no cine Ritz e depois do dia 27, no distante cine Guarani, a média de ocupação não atingiu ao menos 5 espectadores/sessão. Ao contrário, em várias sessões registraram-se um ou dois solitários interessados em conhecer este documento-drama sobre a tragédia ocorrida em Goiânia, há apenas quatro anos - e pelo menos seis foram cancelados por falta de público. Excetuando-se suas apresentações nos festivais de cinema de Natal e Brasília, em 1990 - em ambos obtendo as principais premiações, e três semanas me que foi projetado num dos cinemas de Goiânia, "Césio 137" é um dos (muitos) filmes brasileiros que permanecem inéditos e que dificilmente, terão lançamentos no resto do Brasil. Mais do que a fria constatação que os números mostram, o fracasso de "Césio 137" numa cidade que se diz "capital ecológica do Brasil" (sic) é a comprovação de que entre o marketing promocional e a realidade há uma grande diferença. Só graças a atuação do Movimento de Ação Ecológica, presidido pelo professor Oswaldo Cardoso, 38 anos, foi que "Césio 137" teve seu lançamento, no dia 13 de setembro - justamente na data em que, em 1988, acontecia na capital de Goiás - há menos de 200 km do Distrito Federal - o maior acidente de contaminação nuclear americano. Justamente para marcar esta efeméride, os idealistas dirigentes do MAE exigiram que a Fundação Cultural de Curitiba - que explora comercialmente (e muito mal administradas) três salas de exibição da cidade (subvencionadas com impostos municipais) para que o filme de Roberto Pires fosse mostrado em nossa cidade - já que o prefeito Jaime Lerner apregoa toda uma "política ecológica" e na qual inclusive foi criada uma "Universidade Livre do Meio Ambiente" (sic). Roberto Pires, 58 anos, cineasta da geração anterior a Glauber Rocha - de quem foi grande amigo, e que há 10 anos reside em Brasília, discípulo e amigo do físico paranaense César Lates, é um homem preocupado com a questão nuclear e, especialmente, dos riscos que existem na contaminação do meio ambiente. Há 11 anos, com inúmeros sacrifícios, realizou "Abrigo Nuclear", no qual já fazia uma denúncia sobre os riscos da contaminação do meio ambiente. Há quatro anos, quando aconteceu o acidente em Goiânia - provocado pela abertura de uma cápsula de Césio 137, encontrada nas ruínas do hospital da Santa Casa e vendida no depósito de ferro velho do comerciante Devair Alves Ferreira - Roberto Pires decidiu realizar um documento-drama, "o mais absolutamente fiel". Ao mesmo tempo que o jornalista Fernando Gabeira ali buscava dados para o seu livro "A menina que comeu Césio", Roberto Pires fez sua pesquisa para um roteiro enxuto, preciso, verdadeiro - que graças a visão de um empresário local - Luís Antônio de Carvalho - se transformou num filme da maior atualidade. Experiente cineasta, sempre voltado ao social (*), Pires construiu o filme seguindo o dia-a-dia dos humildes moradores do bairro popular no Setor do Aeroporto, a partir da família de Devair, que, por total ignorância contamina centenas de pessoas com "as pedrinhas que brilham no escuro". O filme tem um ritmo de suspense, conduzindo o espectador, didaticamente, a ver os riscos que os produtos radiativos trazem. Pires, repete sempre que "foram apenas 17 gramas de Césio que provocaram toda uma tragédia. Imagine-se uma quantidade maior?". Justamente por este aspecto de denúncia e alerta, "Césio 137" já se constitui no mais admirável exemplo daquilo que, insistimos em chamar de cinema de utilidade pública. Assim como Sandra Werneck faz no seu igualmente admirável "A Guerra dos Meninos" - denunciando a violência que se pratica contra as crianças, Pires em "Césio 137" mostra os riscos de acidentes nucleares provocados pela irresponsabilidade das autoridades e falta de informação a população. A rejeição do público a um filme como "Césio 137" merece considerações, especialmente tratando-se de uma estréia nacional, numa cidade que se diz "teste" e "exigente" em termos de espetáculos - conforme o suplemento do Paraná da revista "Veja" tenta analisar na edição desta semana. Como cinema, o filme de Pires é denso, bem realizado, excelente roteiro, reúne um elenco com alguns nomes conhecidos da televisão (Nelson Xavier, Joana Fomm, Paulo Betti, Paulo Gorgulho, Denise Milfont, Stephan Nercessian, Marcélia Cartaxo), tem uma admirável trilha sonora de Otávio Garcia e, especialmente é sério em sua proposta. Alegar que o público repudia "filmes desagradáveis, com temas incômodos" - como, em sua visão de profissional ligado ao lado comercial dos cinemas, afirmou Zito Alves, 62 anos, 54 de cinematografia curitibana, é apenas constatar, mais uma vez, que realmente é inútil insistir em oferecer aos espectadores um pouco mais de seriedade e informação visual do que os digestivos e alienantes programas tipo "O Exterminador do Futuro" e "Ghost" impõem a mentes colonizadas cultural e ideologicamente. Mais grave ainda é o fato de que as próprias faixas que deveriam se interessar por um filme de tremenda atualidade ecológica como esta - sem falar em "autoridades" que tanto gigoloteiam a política do verde para sua promoção - não tenham sequer ido assistir a "Césio 137" durante as 4 semanas em que permaneceu em cartaz. Realmente, frente aos números, é de se desanimar em pensar que esta ecológica (sic, sic) Curitiba justifique tanta autobadalação em termos de sua exigência (?) cultural-informativa. Ao contrário, o que se deve oferecer, para satisfazer ao grande público, é o mesmo o que de mais descartável e consumível se produza na indústria cultural destes tempos de decadência cultural e artística. Nota (*) Ligado ao cinema desde sua infância, Roberto Pires realizou, com enormes sacrifícios, entre 1955/59, um dos primeiros longa-metragens produzidos na Bahia - "Redenção"; posteriormente, ali faria dois clássicos do Cinema Novo - "A Grande Feira" (61) e "Tocaia no Asfalto" (62), antes de se transferir para o Rio de Janeiro onde rodaria "O Crime do Sacopã" 968) e o thrilling "Máscara da Traição" (68).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
16/10/1991

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