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Aramis

O jazz em festival

SÃO PAULO - Na noite de abertura do I Festival Internacional de Jazz, enquanto o imenso auditório do Palácio das Convenções no Anhembi ia se enchendo de um público interessado - não só de brasileiros atraídos de vários Estados, mas mais de 100 argentinos fanáticos por jazz, o esplêndido sistema da Transason inundava o espaço com a brasileira Flora Purim e o seu marido, Airto Moreira, mostrando um som novo - de seu último elepê. Mas a participação do importante casal ficou apenas em disco: Flora e Purim não aceitaram a proposta para vir abrir o Festival, apesar de José Eduardo Homem de Mello, coordenador dos eventos paralelos, permanecer por mais de uma hora tentando convencer a Airto da importância do Festival. Assim, a única grande estrela da música brasileira, atualmente radicada nos Estados Unidos, a participar do Festival, foi o trombonista Raulzinho - que passou o último fim-de-semana em Curitiba, onde foi buscar seus três filhos que ali moram, para assisti-lo em sua apresentação na noite de quarta-feira, dia 13. A abertura do Festival Internacional de Jazz foi com um esplêndido programa: Astor Piazolla e quarteto, o trio do pianista Nelson Ayres e o saxofonista Bennie Carter, a University Of Jazz At Arlington Jazz Band e Dizzy Gillespie e trio. Iniciado às 21h30min, o espetáculo só terminou às [2h10min] da madrugada de terça-feira, com o público aplaudindo em pé e exigindo bis. O ESPETÁCULO - Justificando que como o mundo e os homens mudam sempre também a sua música precisa estar em constante mutação, Astor Piazzolla trouxe agora uma nova formação instrumental, abandonando a sofisticação eletrônica (sintetizadores, guitarras e baixos elétricos etc.) com o qual se apresentou, há dois anos, em algumas capitais brasileiras, incluindo Curitiba. assim, num esquema de maior simplicidade - ele ao bandônion Oscar Lopes Ruiz na guitarra, Pablo Ziegler no piano, Hector Console no baixo e Fernando Suarez Paz no violino, fez a abertura do Festival. A música de Piazzolla é única: difícil classificá-la com jazz ou com qualquer outra categoria. Como diz José Domingos Raffaelli, um dos mais experientes críticos de jazz, conferencista nesta promoção, "Astor consegue mostrar todo um panorama da criatividade e espontaneidade sonora em cada uma de suas músicas". Abrindo com três novos números - "Movimento Contínuo", "Muerte Del Angel" e "Concierto para Quinteto", Piazzolla chegou ao ponto máximo a dar uma nova dimensão ao clássico "Adios Nonino", sua obra mais conhecida e que dedicou ao seu pai, quando de seu falecimento. "Tangata foi o último número da programação original, mas os aplausos do público foram tantos que houve um número extra: "Tristeza de um Doble A". Nelson Ayres, pianista brasileiro, ex-lider de uma grande banda - desfeita com a contratação da maioria dos músicos por uma estação de televisão - estava, junto com o seu baixista Zeca Assumpção (integrante do grupo de Egberto Gismonti, que se apresentou sexta-feira) e o baterista Johnny, do grupo de Victor Assis Brasil (que tocou no sábado) bastante nervoso à tarde, durante os ensaios: afinal a responsabilidade de se exibir junto como Bennie Carter, 71 anos, considerado um dos mais puros sopros do saxofone em toda a história do jazz, não era pequena. Mas Ayres saiu-se bem da prova: após um tema próprio, feito apenas com o trio, Cartier entrou no palco e solou "Honeysuckle Rose" (Fats Waller), seguindo de outros momentos maiores da música americana: "The Shadow Of Your Smile" (Johnny Mandell/Sammy Cahn), "On Green Dolphin Stree" (Bronislau Kaper), "Misty" (Erol Garner) e "Autumn Leaves" (Kosmar/Prevert). "Take The "A" Train", tema do pianista Billy Strayhorn, durante mais de 30 anos o grande prefixo da orquestra de Duke Ellington (1899-1874), foi ouvido em duas diferentes interpretações: no solo de Carter e, em seguida com a "University Of Texas At Arlington LAB Band", organizada por Dan Burkholder há apenas 4 anos e que foi, em julho último, a grande sensação no Festival de Montreaux - sendo ali decidida, por Zuza de Mello, a sua participação na abertura do FIJ, em São Paulo. Sob a direção de Burkholder, a banda original se chamou "The Collegians" e trabalho no início em diversos clubes da área metropolitana. Formada por 20 jovens instrumentistas - média de idade de 23 anos, todos loiros, com instrumentos dourados brilhando sob as luzes dos refletores, a "Texas At Arlington Lab Band" produziu o som mais forte da noite, com as harmonias de metais características de uma das fases mais belas da música internacional: além de "Take", outra homenagem a Duke Ellington foi a apresentação, de uma forma suave, de belíssimo tema "Melothon". Aliás, a homenagem aos grandes mestres foi a tônica da apresentação desta banda: iniciando com "The Sound Of Music" (Rodgers/Harmmestein), a banda fez um pot-pourri de prefixos que, durante décadas, identificaram as maiores orquestras do jazz; "All Of Me" (Countie Basie), "Let's Dancing" (Benny Goodman), "Marie" (Tommy Dorsey', "Cherie-Bimbim" (Harry James), "Amapola" (Jimmy Dorsey), "Begin The Beguine" (Artie Shaw) e "In The Mood" (Glenn Miller). Antes do final, uma homenagem também ao Brasil, com "Waves" (Vou Te Contar) de Antônio Carlos Jobim. Muitos dos presentes lamentaram que a grande banda dos jovens do Texas se afastasse do palco para a entrada de Dizzy Gillespie e trio, no encerramento do espetáculo. O ideal, comentava o crítico Raffaelli (que hoje e amanhã estará em Curitiba, fazendo palestras sobre jazz na Sala Arnando Fontana do Museu Guido Viaro) seria ouvir Gillespie com os metais daquela banda. Mas a apresentação de [Gillespie], 61 anos (a serem completados no próximo dia 21 de outubro) não decepcionou. Pela quinta vez no Brasil, Gillespie (John Birks "Dizzy" Gillespie, nascido em Cheraw, Carolina do Sul) mostrou ser além de um extraordinário músico também um grande show-man: além de tocar seu trompete, construindo de uma forma em "t" que fez escola entre os músicos, Gillespie executou vários instrumentos de percussão e acabou cantando um dolente "blues", com passagens que permitiram ao guitarrista de seu grupo solos notáveis. Passava das 2 horas da manhã quando Gillespie tirou os primeiros acordes de seu maior "standard" - "Night in Tunísia" e o público presente, sem mostrar sinais de cansaço, aplaudia cada vez com maior entusiasmo. Já fazia quase cinco horas que instrumentistas se revezavam no palco, com momentos sonoros do maior nível, e a cada novo número parecia que tudo começava de novo. Como deve ser no jazz - uma música que se recria a cada instante, o que se provou mais uma vez neste evento patrocinado pela Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia de São Paulo, que decidiu incluir o Brasil ao lado de Newport/Nova Iorque e Montreaux (Suíça) entre os grandes festivais jassísticos contemporâneos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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19/09/1978

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