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Aramis

O medo, a força do rádio e a fama de Orson Welles

Uma indignação de Barbara Leaming - e que reflete o pensamento de centenas de comunicólogos que ao longo destes 50 anos tem discutido o programa: será que Orson Welles sabia exatamente o que estava fazendo? Teria contado com o fato de que os milhões de ouvintes que escutavam Edgar Bergen só iriam trocar displicentemente de estação muito depois que o locutor do Mercury já tivesse dito que tudo não passava de uma simples adaptação de "A Guerra dos Mundos"? Orson não desconfiou que logo depois de Edgar Bergen apresentar um cantor, a América em peso ficaria boquiaberta com o "noticiário" da CBS? Pelo menos uma vez, conseguiu impedir de maneira brilhante que os ouvintes voltassem ao programa de seu concorrente. Quando os noticiários-relâmpagos interrompiam a intervalos intermitentes a apresentação ao vivo da música de dança de fictícios Ramon Raquello e sua orquestra para anunciar a vinda dos marcianos, a idéia da transmissão permitia o máximo de verossimilhança a uma situação inventada. Sem essa idéia criada pelo rádio, o programa marciano de Orson não assustaria ninguém. Ele parecia verídico justamente por ser tão semelhante a qualquer outro programa radiofônico (tal como, dois anos depois, os noticiários cinematográficos, incluídos em "Cidadão Kane", pareceram autênticos por causa da semelhança com o que se via no cinema da época). O pânico na multidão - milhares de pessoas correndo pelas ruas de Nova Iorque, desespero nas cidades dos mais distantes Estados e mesmo feridos em acidentes (anos depois, um homem tentou assassinar Orson Welles, como "vingança" pelo alegado suicídio de sua esposa, desesperada ao ouvir que os marcianos invadiram os EUA) - mereceram manchetes na imprensa mundial. Uma imensa quantidade de processos - atingindo um valor total de US$ 200 mil (uma grande importância para a época) - deram entrada na justiça. Casos de pessoas que fraturaram pernas - em correrias - e abortos, além de uma curiosidade: um gago, de nascença, recém curado pela psicanálise, vítima de uma recaída depois do programa, processou Welles em US$ 2 mil para reiniciar o tratamento. Welles temia uma derrocada financeira e profissional, quando veio o alívio. No contrato que seu advogado, Arnold Weissberger, havia feito com a CBS, havia uma cláusula que o isentava "de qualquer responsabilidade nos resultados imprevistos e alheios às transmissões". Seria assim a CBS e não Orson, que teria que arcar com os prejuízos. Apesar do tumulto inicial que se formou contra ele, inclusive a ameaça de inquérito por parte do Federal Communications Comission (uma espécie de Dentel americano), ficou óbvio que o susto só lhe trazia vantagens, permitindo-lhe uma publicidade fantástica que nem a capa recente do "Time" conseguira lhe dar. Da noite para o dia, estava famoso no mundo inteiro. Em conseqüência de toda essa celeuma, seu programa ganhou popularidade e as sopas Campbell até se ofereceram para patrocinar 13 semanas extras de uma hora cada. E "Cidadão Kane", o mais revolucionário filme da história do cinema, viria dois anos depois. O que é outra história...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
21/10/1988

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