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Aramis

O pente que abalou a cidade por três dias

Passando por Curitiba na última quinta-feira, o cineasta Eduardo Coutinho acabou tendo um especial privilégio: foi um dos primeiros espectadores de "A Guerra do Pente - O Dia Em Que Curitiba Explodiu", em projeção especial na Cinemateca do Museu Guido Viaro. Para o realizador de "Cabra Marcado Para Morrer" como a outras pessoas que viram esta pré-estréia do filme de Palito (lançamento oficial na noite de 29 de março, 20h30min), o filme consegue transmitir basicamente emoção e criatividade. A exemplo de Coutinho - que levou 20 anos para realizar "Cabra Marcado Para Morrer", com mínimas condições financeiras, também Nivaldo Lopes - o Palito - teve um orçamento reduzidíssimo para realizar um filme de longa-metragem que, normalmente, custaria - a valores atuais - mais de Cz$ 2 milhões, mas que, acabou em menos de 10% deste orçamento - e que só se tornou possível graças a generosidade do jovem Dirceu Mendes de Brito, 27 anos, proprietário de uma firma de engenharia eletrônica, que adiantou cerca de Cz$ 100.000,00 para que Palito fizesse frente as despesas inadiáveis - filme virgem, laboratório, cópias, etc. xx Desde que Nivaldo Lopes, 29 anos, paranaense de Itabiriçá, há 12 anos em Curitiba, leu uma reportagem de Valêncio Xavier na revista "Panorama" sobre os acontecimentos que transformaram o centro de Curitiba em praça de guerra - entre os dias 7 a 9 de dezembro de 1959, imaginou um filme a respeito. Poderia ser um curta-metragem, em linguagem didática e buscando apenas o sentido informativo - recuperando para as novas gerações a informação de um conflito social até hoje insuficientemente pesquisado. Palito, autor de 7 curtas-metragens, todos ficção (alguns premiados em festivais de Super-8) optou, entretanto por um longa-metragem. Preferiu, também, uma criação livremente inspirada nos fatos históricos - inclusive como forma de suprir a falta de recursos de produção, já que seria impossível a reconstituição dos episódios de quebra-quebra iniciados num bazar da Praça Tiradentes, no cair da tarde de uma quinta-feira próxima ao Natal e que se estenderam por três dias, só voltando a ordem quando tropas do Exército foram convocadas para substituir a Polícia Militar - que ao invés de tranquilizar a população, provocava uma escalada de choques e aumentava o conflito entre civis e militares - através da depredação de estabelecimentos comerciais, especialmente os de propriedade da colônia árabe. O filme de Palito, em absoluto, esgota o assunto. Ao contrário, é apenas uma abertura para que se estude e debata um conflito social, analisado em termos sociológicos apenas através do depoimento do sempre lúcido Walmor Marcelino, 51 anos, repórter policial do extinto "Diário do Paraná" na época dos acontecimentos. O depoimento de Valêncio Xavier - tendo por cenário o palacete que pertenceu a Moises Lupion (governador do Paraná na época, hoje sede da TV Paranaense) - é inteligente e atrevidamente bem humorado. Já o depoimento do advogado Luis Felipe Haj Mussi, secretário da Segurança Pública na época da produção do documentário, é vazio, buscando até fazer proselitismo em torno da atual administração e só se justifica sua inclusão como gratidão de Palito a mão forte que Mussi deu a produção do filme, cedendo inclusive uma sucata da Polícia Civil para filmagens de algumas seqüências, enquanto alguns oficiais superiores da Polícia Militar procuraram, de todas as formas, bloquear e dificultar a realização do filme - indispondo-se, inclusive com Haj Mussi pela forma liberal com que apoiou a produção. Das pessoas envolvidas diretamente nas origens do quebra-cabeça, Palito só entrevistou os comerciantes libaneses Ahmad Nazar (hoje dono da loja Zara) e Fuad Yousef Omairy, além do general Iberê de Mattos, prefeito de Curitiba na época. Infelizmente, Palito não localizou o militar que ao ser agredido pelo comerciante Nazar, por ter exigido a nota fiscal da compra de um pente, deu início ao conflito que explodiu na cidade. A reconstituição dos episódios, através de atores e atrizes que se dispuseram a trabalhar gratuitamente (e que só serão pagos se o filme conseguir bilheteria) - como Emilio Pita, Luis Melo, Rosa Maria Cavassim, Paulo Friebe, Ana Denruczuk, Marcelo Diepce e José Dyat - permitiu a reconstituição de algumas situações, inclusive a briga-pivô. Aos acontecimentos reais, o roteiro de Palito acrescentou, livremente, situações e personagens - inclusive a figura do delegado interpretada por Emilio Pita (que grita tanto em suas falas, tornando-se inintelegível o que diz). A ruptura da narrativa factual com a intervenção do próprio cineasta - já na primeira seqüência e com uma longa auto-explicação ao final - foi uma das formas que Palito encontrou para justificar a carência de elementos para fazer o grande filme que o assunto merecia. Mas que, ao final, acabou sendo um bom exemplo de um cinema inteligente, de garra - e com um tema que, curiosamente, se torna atual: afinal, hoje, com a população consciente de seus direitos e na fiscalização do comércio, aquilo que, há 27 anos fez Curitiba explodir, permanece como uma advertência a quem acha que o povo não tem direito de exercer sua autodefesa. LEGENDA FOTO 1 - A briga entre o comerciante e o militar que originou a "Guerra do Pente" reconstituída no filme de Palito.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
19/03/1986

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