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Aramis

O renascimento da Cinelândia? (I)

O fechamento do Café Damasco, o último remanescente como ponto de encontro da outrora fulgurante Cinelândia, na Avenida Luiz Xavier, levou na quinta-feira, 10, o prefeito Jaime Lerner, apesar das solenidades de inauguração da Avenida das Torres e terminal rodoviário do Portão a encontrar tempo para transmitir instruções ao engenheiro Alcino Marangon, diretor do Departamento de Obras. Lerner quer que se improvisse, << o mais rapidamente possível >>, um café naquele espaço, pois , caso contrário, a mais maledicente nas queridas das instituições curitibanas perderá o seu << OG >>: a Boca Maldita, ferozmente presidia (e defendida) pelo advogado Anfrísio Siqueira. Para o sr. Mohamed Kadri, 63 anos, fechar o café Damasco, na última das lojas ocupadas do edifício Heloisa, contou um argumento decisivo: a gorda indenização recebia do grupo Mesbla S/A, que, na semana passada, concluiu as negociações com o empresário Husseim Hamdar, 47 anos, que em agosto de 1975 fez um dos melhores negócios de sua vida ao adquirir por apenas Cr$ 18 milhões não só o edifício Heloisa, mas também o edifício Carlos Monteiro e um prédio anexo, no Largo Frederico Faria de Oliveira. Os três imóveis, ocupados uma das áreas mais centrais de Curitiba, pertenciam ao professor David Carneiro, que há 43 anos passados havia comprado toda a área por apenas 230 contos de réis, << uma grande soma para a época >>. Mesmo aplicando-se tabelas de correção monetária, é difícil calcular o quanto houve valorização neste meio-século de inflação e transformação da cidade. *** Com a decisão do grupo Mesbla S/S em entrar, para valer, no mercado curitibano - associando-se a Husseim Hamdar no aproveitamento do edifício Heloisa (não há um aluguel fixo, mas, sim, o proprietário do imóvel terá uma percentagem sobre o movimento da loja de departamentos), abre-se mais uma página daquilo que já chamamos de << A morte da Cinelândia Curitiba >>, a propósito do qual dedicamos uma série de 15 artigos, em janeiro de 1979 - e dezenas de outras reportagens e colunas avulsas. Só que ao contrário das Lojas Americanas S/A - que adquiriram os imóveis de Hamdar no Largo Frederico Faria de Oliveira, derrubando-os para ampliar sua loja de departamentos, em galeria em forma de << L >> - Já concluída e funcionando há 90 dias, a Mesbla S/A pensa em reativar a vida na Avenida Luiz Xavier. Para isso, o projeto de reforma do edifício Heloisa prevê a aplicação de Cr$ 138 milhões, estando o grupo disposto a aceitar muitas das sugestões que estão no projeto do arquiteto Abraão Assad, elaborado conforme orientação do prefeito Jaime Lerner. No ano passado, tão logo assumiu a Prefeitura Lerner manteve conversações com Hamdar, sugerindo o aproveitamento do edifício Heloisa, como um espaço capaz de << voltar a animar o centro da cidade >>: lojas, restaurantes, café e até um cinema. Uma escada rolante, dentro de tudo plástico (semelhante a que liga os vários andares do Centro Georges Pompidou, em Paris) foram imaginados por Lerner/Assad, mas, o custo desanimou Husseim grande colaboração para com a cidade, ele manteve o prédio fechado por 17 meses. << Agora, a Mesbla poderá fazer o que é bom para a cidade, já que dispõe dos recursos necessários >>, explica o empresário, homem, que chegando ao Brasil em 1953 e desde 1957 em Curitiba, construiu uma sólida fortuna. Com início modesto - trabalhando no ramo de calçados, foi ampliando seus negócios, adquirindo propriedades, ao mesmo tempo que chagavam do Líbano seus irmãos - hoje todos estabelecidos no comércio local: Mohamad, 36 anos; Ali, 34; Chaiad, 40 e Hassam, 52. E junho do ano passado, Husseim Hamdar, após adquirir mais alguns prédios (hoje possui mais de uma dezena dos mais bem valorizados edifícios do centro da cidade), pensava em instalar a mais sofisticada loja do Sul: o << magazine Carimã >>, nome de sua filha caçula. Entretanto, os negócios evoluíram e a proposta do grupo Mesbla o convenceu a uma associação mais lucrativa e menos trabalhosa. Os diretores da Mesbla já marcaram até a data para inauguração da filial de Curitiba de sua cadeia: 2 de maio de 1981. *** Curiosamente, a Mesbla S/A fará concorrência, em todos os setores, com as Lojas Americanas S/A , que, ao adquirirem parte do imóvel de Hamdar, em negociações iniciadas ainda em 1978, provocaram o fechamento dos cines Ópera e Arlequim, que , a 8 de janeiro do ano passado tiveram suas últimas sessões. Arnaldo Zonari Filho, presidente da Fama Filmes, recebeu às 13 horas de 9/1/79, uma quarta-feira, um cheque de Cr$ 4 milhões, entregue pelo advogado Roberto Lombardi, representando as Lojas Americanas, como indenização para a desocupação dos espaços dos cines Ópera e Arlequim, respectivamente nos prédios Heloisa e Carlos Monteiro. Os outros inquilinos - o hotel Tijucas, uma pastelaria, uma floricultura e uma casa lotérica, que funcionavam no prédio (sem nome) anexo ao Carlos Monteiro, também foram indenizados e, assim, duas semanas depois, tinha início a demolição dos dois prédios e parte dos fundos do antigo Cine Ópera. Logo, a Técnica De Mari/Lindenbergh iniciava as obras civis e, há 3 meses, sem qualquer solenidade, as Lojas Americanas inauguravam suas novas galerias. Dos cines Arlequim e Ópera << só ficou a saudade >>, tal como no título de um melancólico filme com Frank Sinatra e Natalie Wood. *** O corretor Mário Coutinho, da Senzala, foi quem conduziu as negociações entre Hamdar e as Lojas Americanas. Tratou das indenizações aos inquílinos (que chegou a Cr$ 8 milhões) e, até o último momento, procurou driblar a imprensa a respeito. Para vender metade da área que possuía - 31 metros de frente para o Largo Frederico Faria de Oliveira, 42 metros de fundos, Husseim recebeu exatamente Cr$ 47.650.00,00, quase três vezes a importância que, 4 anos antes, havia pago a David Carneiro por todo o imóvel. E Hamdar ficou com o edifício Heloisa - 18m60cm de frente para a Avenida Luiz Xavier, 50m de fundos - sete pavimentos, que agora sediará a Mesbla. O único inquilino que permaneceu foi Mohamad Kadri, patrício e amigo de Hamdar, que com seu << Café Damasco >> mantinha a << resistência >> da << Boca Maldita >>. Afinal, em fins de maio do ano passado, Café Tiradentes e o Bar Guairacá, no térreo do Palácio avenida, também fecharam suas portas. Seus proprietários aceitaram a indenização de Cr$ 1.500.000,00 do Bamerindus (proprietário desde 1968 daquele prédio) e pensaram inicialmente em manter, no calçadão um café. Entretanto, as dificuldades impostas pelo Ippuc foram tantas que acabaram desistindo: Olímpio Andrade, um dos sócios, irritou-se e desistiu sequer de tentar encontrar outro ponto. Já Miguel Martins, mais jovem, tentou inúmeras vezes, mas acabou também, magoando, aplicando a sua parte na compra de um bar num bairro da cidade. O que chega até a ser irônico: agora, com o fechamento do << Café Damasco >> - e portanto não restando mais nenhum café na área mais central da cidade, o prefeito Jaime Lerner afirma que tudo fará para que, em duas semanas, se instale um quiosque com café. Há pouco mais de um ano, os tecnocratas do Ippuc impuseram mil dificuldades às justas pretensões de Olímpio Andrade, que queria apenas um espaço idêntico ao que possui a Confeitaria Iguaçu, ao lado do edifício Arthur Hauer, na Praça Osório. Como se vê, é tudo uma questão de tempo. Pena que os proprietários da antiga Guairacá, de tantas e gratas memórias, não tivessem, na época, a chance agora que se dará não se sabe a quem. Mas o importante, frise-se, é de que exista ao menos um café na avenida *** Ao mesmo tempo que promete a autorização - << a título precário, bem entendido >>, de um quiosque para café, no calçadão, o prefeito Lerner afirma também que a Prefeitura exigirá da Mesbla que haja no futuro um café e um cinema. Com relação ao café, tudo bem: do anteprojeto de reforma do prédio consta uma << casa de degustação da rubiácea >> (como diria um cronista dos anos 40), que, segundo diz Husseim Hamdar, fornecerá café gratuitamente aos freqüentadores da Boca Maldita. Por quanto tempo a Mesbla manterá tal generosidade não se sabe, já que com o café, hoje a Cr$ 80,00 o meio-quilo, tal gentileza representará um investimento considerável. A não ser que Anfrísio Siqueira, presidente da Boca, credencie os fiéis habituês da instituições para terem direito a esta boca livre (e o trocadilho é involuntário). *** Já com relação à exigência de um cinema no edifício Heloisa, a Mesbla terá que acertar antes com a Fama Filmes. Contratualmente, além da indenização de Cr$ 4 milhões, o grupo de Arnaldo Zonari Filho teve a garantia de que por 10 anos, nenhum outro concorrente poderia se instalar no espaço onde, por 38 anos, existiu o Cine Ópera. Assim, só com a desistência da Fama nesta cláusula - ou o seu (possível) interesse em vir arrendar novamente um espaço, a Luiz Xavier poderá voltar a ter um cinema. O que seria ótimo, já que o Avenida resiste apenas graças à brava teimosia da mesma Fama. Como cinema, a primeira sessão do Avenida foi a 1.º de maio de 1929, com << Moulin Rouge >>, Inglaterra, de Evald Andreas Dupont (Sajonia, Alemanha - 1891- Hollywood, 1956), por coincidência, o mesmo diretor de << Varieté >> (1925), que, dois anos antes havia inaugurado o Cine República (depois Curitiba), na Rua Voluntários da Pátria. Mas isso já é história para outra ocasião. Ou ao menos outra coluna...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
12/07/1980

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