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Aramis

O terror de Frankenstein no olhar puro da infância

Cinco meses após os irmãos Lumiére terem feito a primeira sessão de cinema (salão indiano do Grand Café, Paris, 28 de dezembro de 1895), a invenção chegava a Madri (15/5/1896) e, no mesmo ano, Eduardo Jimeno realizava o primeiro filme espanhol: "Salida de la misa de doce del pilar de Zaragoza". Passados 84 anos, o cinema espanhol é, em grande parte, ainda desconhecido no Brasil. Afora a produção mais comercial - filmusicais estrelados por cantoras como Sarita Montiel, ou "revelando" garotos prodígios estilo Pablito Calvo ("Marcelino, Pão & Vinho") ou Joselito, quando se fala em cinema espanhol, um nome se levanta: o gênio de Luís Buñuel, 80 anos a serem comemorados (com todas as glórias) em 1980 e de quem, esperamos, finalmente, seja lançado agora, no Brasil, seu "Esse Obscuro Objeto do Desejo", realizado em 1977, e, estranhamente, até agora inédito entre nós. Formando o vértice dos "B", dois outros realizadores espanhóis merecem respeito: Luís Berlanga, 69 anos (um de seus poucos filmes que aqui chegaram foi o ficção científica "Onde O Mundo Acaba / Calabuch", 56) e Juan Antônio Barden, 58 anos, famoso desde que realizou, em 1954, "A morte de um ciclista", com Lucia Bosé no auge de sua beleza. A longa noite da ditadura franquista é citada por muitos pela inexpressividade do cinema espanhol, inclusive com o exílio de Buñuel (cuja maior parte de sua obra foi realizada na França e México). Mas uma prova de que mesmo a mais fascista censura pode ser driblada é o fato de que, nos últimos 10 anos, começou a aparecer uma nova geração de realizadores espanhóis. Inquietos, criativos, contestadores, mesmo tendo que recorrer a metáforas, símbolos, conseguiram, pouco a pouco, se impor, inicialmente nos festivais de cinema e, hoje já atingindo circuitos comerciais de muitos países. Desta nova geração, o nome mais famoso é o de Carlos Saura, 48 anos, casado com Geraldine Chaplim. De seu primeiro filme ("Uma tarde de domingo", 57), realizado como graduação ao completar a Escola Oficial de Cinematografia (onde depois foi professor até 1964) ao recém-estreado (dezembro/79, Paris) "De Olhos Vendados", Saura tem se mantido fiel em seus propósitos de usar o cinema de forma política. E assume também a posição de discípulo do maior nome do cinema espanhol. "Meu pai espiritual é Luís Buñuel". E, a julgar pelo que informa o jornalista Paulo Antônio Paranaguá, correspondente do "Jornal do Brasil", na França, "Os Olhos Vendados" é mais uma prova disto: de uma sutileza e uma eloqüência incomuns, abordando com rara inteligência os temas da tortura e da violência, esse filme, segundo Saura "nasceu de uma preocupação minha com o fenômeno da violência em nossos dias, dentro e fora da Espanha. Vivemos dias terríveis em Madri, Barcelona e outras cidades grandes, nos dois anos que se seguiram a morte de Franco". Mesmo tendo "Cria Cuervos" (1975) sido uma das boas bilheterias em 1979 e escolhido, no referendum de O ESTADO, como o melhor filme aqui exibido no ano passado, os exibidores/distribuidores não se animaram a proporcionar que o público conheça os filmes de Saura, nove dos mais estrelados por sua esposa Geraldine, filha do mestre Charles Chaplim. "O Pistoleiro Sem Lei e Sem Alma" (Llanto por un Bandido, 64), com Lino Ventura e Lea Massari, recebe pó nas prateleiras de um distribuidor paulista e outro egoísta comerciante, Marx Hirsch, se recusa a permitir que Jaime Tavares exiba "Ana e os Lobos" (1972), projetado numa única sessão da meia-noite, no Astor, há exatamente 2 anos. Os outros filmes de Saura nem sequer chegaram ao Brasil, inclusive o elogiadíssimo "El Jardim de Las Delícias". xxx Falar em Saura - e protestar, mais uma vez, pela ausência de suas fitas em nossos cinemas, torna-se necessário, quando "O Espírito da Colméia" (El Espírito de la Colméia) finalmente chega a Curitiba. Distribuído pela Arco Íris, há meses que esta obra premiada em mais de 5 festivais internacionais, consagrada mundialmente pela crítica, aguardava chance de aqui ser projetada. Estreou na segunda-feira, em substituição a "Férias do Sr. Hulot" e, nos dois primeiros dias, não rendeu mais d Cr$ 5 mil, o que pode provocar, inclusive, sua retirada de cartaz. Então, por certo, aparecerão os "interessados", "intelectuais" etc. protestando contra a companhia exibidora. Mas este público que já deveria estar motivado para conhecer este filme até agora não apareceu: na segunda sessão de segunda-feira 8 solitários espectadores estavam no Cinema I. "O Espírito da Colméia" foi realizado em 1973 por Victor Erice, 40 anos, que a exemplo de Saura pertence à geração de novos realizadores espanhóis que começou a trabalhar nos anos 60 - e ao qual pertencem outros cineastas, como Patino, Aguirre, Camino, Grau, Jorda e Camus - todos ainda inéditos no Brasil.. "Concha de Ouro" do Festival de San Sebastian, onde recebeu os prêmios de melhor filme, direção, fotografia, ator e música; grande prêmio do Festival de Chicago e diferentes premiações nos festivais de Nova Iorque e Londres, são áureas suficientes para justificar um interesse especial por este filme de uma extraordinária beleza plástica - a fotografia de Luís Cuadrado, em certos momentos, lembra obras-primas da escola flamenga de pintura - e profundo sentido humano. A exemplo de Saura em "Cria Cuervos", Victor Erice buscou trabalhar com crianças - inclusive utilizando Ana Torrént (a enternecedora atriz de "Cria Cuervos"), para uma alegoria sobre o terror e a repressão. Obra para múltiplas interpretações, capaz de motivar, portanto polêmicas e discussões. "O Espírito da Colméia" tem na simplicidade o seu encanto maior: numa perdida aldeia no Interior da Espanha, no ano de 1940, a projeção do mágico - no caso, o clássico "Frankenstein", 1931, de James Whale (1896 - 1957), - prova em duas meninas - Isabel Telleria e Ana Torrént, uma (re)interpretação do mundo, a sua maneira. Numa linguagem simples, como do propósito release, pode-se dizer que o filme apresenta os vínculos humanos e os discute com uma estrutura que se assimila ao de uma colméia - na colocação dos personagens em suas solides, sonhos e fantasias. A utilização de algumas imagens da mais famosa das versões da novela de Mary Wollstonecraft Shelley (1797 - 1851) como a abertura, em que Edward Van Sloan faz uma "advertência aos espectadores", ou o encontro da "criatura" (Boris Karloff, 1887 - 1969) e a pequena Maria (Marilyn Harris), é perfeita, dentro do espírito que Erice pretendeu transmitir neste seu filme que mereceu do crítico francês a definição de "um presente requintado para todo espectador sensível". Curiosamente, o mesmo Boris Karloff, que na tela do filme projetado em "Na Mira da Morte" (Targets, 1968, de Peter Bogdanovich) e em sua presença, na ação daquela fita de estréia do diretor de "A Última Sessão de Cinema", faz com que se repense os valores colocados no aparente terror. "Frankenstein or Modern Prometes", cuja primeira edição saiu em 1818, a exemplo de "Drácula", de Bram Stocker (1847 - 1912), lançado em 1897, têm sido as criaturas assustadoras que mais reciclagens, no cinema, teatro e mesmo em textos, tem proporcionado. Se "Drácula" já motivou cerca de 200 filmes, igualmente "Frankenstein" tem sido constantemente refilmado, desde a forma mais satírica até a mais contemporânea (Andy Warhol em sua anárquica versão). Ainda agora, quando estréia nacionalmente em Curitiba o "Drácula", na visão político-crítica do paranaense Eddy Antônio Franciosi (auditório Salvador de Ferrante, amanhã 24 horas), o tema volta a ser objeto de discussão. Ontem, dedicamos a coluna ao depoimento de Franciosi sobre o seu "Drácula". Hoje, quando registramos "O Espírito da Colméia", chamando a atenção para os espectadores que apreciam os filmes importantes para que não deixem de assistir esta obra de notável beleza, também a aproximação Frankenstein - sugerida na fita de Erice, pela projeção do filme de Whale, na pequena aldeia espanhola, e a permanência de Drácula como tema para constantes (re)visões, não deixa de nos vir ao pensamento.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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24/01/1980

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