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Aramis

O tributo a Chico Viola e o álbum de amor a Estrela Dalva

Herminio Bello de Carvalho, poeta, compositor e sobretudo um defensor da melhor música popular, merece, sem dúvida, o respeito de todos aqueles que se preocupam com a nossa cultura popular. Assim como Ricardo Cravo Albin desenvolveu, durante seis anos, um magnífico trabalho junto ao Museu de Imagem e do Som, no sentido de gravar depoimentos, promover cursos, exposições e manifestações comemorativas dentro da história de nossa MPB Herminio Bello de Carvalho vem, nos últimos 10 anos, valorizando - em espetáculos do mais alto nível -artistas simples, que perdidos no anonimato dos subúrbios cariocas, seria explorados por empresários desonestos, interessados apenas nos resultados financeiros, se não fossem descobertos a tempo por Herminio . É hoje o caso, para só citar um exemplo, de Clementina de Jesus - hoje gravemente enferma, que aos 63 anos foi revelada por Herminio num belíssimo espetáculo da mais autentica MPB - "Rosa de Ouro", onde eram, praticamente, lançados ainda compositores-interpretes do nível de Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Nelson Sargento - que junto com Zé Keti, integrariam depois o grupo "A Voz do Morro", com dois antológicos lps gravados entre 1963/64. Com amor e admiração, Herminio Bello de Carvalho produziu para Odeon dois mais belos álbuns lançados no último suplemento de 1972 e que fazem com que todos os estudiosos de MPB tenham esperanças de que Carvalho continue a trabalhar para a etiqueta do Templo. Pois os álbuns "Tributo a Francisco Alves"(XSMOFB 3759) e "O Amor é o Ridículo da Vida" (XSMOFBX 3758), se incluem entre as coisas mais sérias já feitas em torno de nossa MPB. Independente da aceitação ou não das músicas e a importância que tiveram interpretes como Francisco Alves e Dalva de Oliveira, os discos em que eles são apresentados ultrapassa a simples classificação fotográfica: a exemplo da série sobre música popular lançada há 3 anos pela Editora Abril (e infelizmente interrompida em número 47, deixando muita gente de valor esquecida), os álbuns sobre Chico Viola e Dalva de Oliveira, trazem várias páginas de textos e fotos, esclarecedores sobre o que cada um significou dentro de nosso cancioneiro. Programado inicialmente para ser lançado em setembro do ano passado, anos da morte de Francisco Alves, "Tributo a Chico Viola" só saiu na última semana de dezembro, sendo que em termos críticos pode ser classificado como produção de 1973. Embora modestamente, Herminio explique o álbum como "uma pequena mostragem da vida de Chico Alves", a seleção não poderia ser das mais felizes, incluindo as músicas que com sua voz, seu violão - "tudo isso que ficará ainda por muito tempo, todo o tempo talvez", foram assimiladas pelo povo e criadas por outros interpretes. Ouvi-lo, agora, é voltar aqueles domingos pela rádio Nacional, quando a voz de Lúcia Helena anunciava, depois das 12 badaladas: "Quando os ponteiros se encontram, os ouvintes também se encontram com Francisco Alves": O Rei da Voz - adjetivação que continua a espera de um herdeiro, apesar da frustrada tentativa de passar o título a João Dias (hoje um vocalista esquecido totalmente) e Agnaldo Rayol. Criador de um estilo vigoroso, de uma popularidade que nas décadas de 30 e 40 correspondia ao sucesso que hoje tem Roberto Carlos, Francisco Alves sempre apareceu como co-autor de suas músicas, mas, neste aspecto, a verdade precisa ser dita: o Chico Viola, em que pese sua boa voz, seu êxito popular, nunca compôs nenhum samba. Limitava-se a "comprar", de compositores humildes, como o bom amigo Ismael Silva ("Se Você Jurar", "Antonico", conforme o fundador da Primeira Escola de Samba do Brasil ("Deixa Falar", 1929), contou no espetáculo que Ricardo Cravo Albin produziu, apresentou e estreou nacionalmente no Teatro do Paiol, nos dias 1o e 2 de março. Famoso pelo se pão-durismo, com um caráter que não pode, em absoluto, incluí-lo entre as personalidades mais amadas dos meios artísticos de Rio de Janeiro Francisco Alves foi, entretanto um interprete que soube valorizar os nossos melhores compositores - J.B. da Silva, o Sinhô (de quem gravaria 19 músicas, entre as quais "Pé de Anjo", "Fala meu louro", "Amar a uma só mulher"), Noel Rosa, Ary Barroso (que apareceu na vida musical de Chico em 1928, com a marcha carnavalesca "Não Posso Mais"(1), Lupscinio Rodrigues (2) e, principalmente, Ismael Silva (3). Francisco Alves nasceu dois anos antes de o cordão "Rosa de Ouro" botar na rua a marcha "Abre alas", de Chiquinho Gonzaga (4). O destino de Chico foi, também, dar mais alegria ao carnaval carioca. Nele estreou em 1920, aos 22 anos de idade, com "Pé de Anjo" e "Fala, meu louro". Depois viriam "Dá Nela" (Ary Barroso), "Amor de malandro" (Ismael Silva), "Se Você Jurar" (Ismael/Nilton Bastos), "Gosto, mas não é muito" e "Sofrer da Vida" (ambos de Ismael), "O Correio já chegou" (Ary Barroso), "Formosa" (Nássara/J. Rui), até "Confeti. - pedacinho colorido de saudade". Em sua longa vida artística, as orquestras e conjuntos mais importantes Francisco Alves: a Jazz-Band Pan gravaram acompanhando Francisco American, do Cassino Copacabana; "Syncopaters"; "Orquestra típica dos 8 batutas" (onde dois dos Batutas eram Pixinguinha e Donga); Rio Artists; Rio Dance Orquestra; Grupo do Canhoto; Benedito Lacerda e seu conjunto; Carolina Cardoso de Menezes e tantos outros. Chico Alves gravou também em dupla com Dalva de Oliveira, Pérola Negra, Aracy Cortes, Mário Reis, Carmem Miranda, Lamartine Babo, Castro Barbosa, Aurora Miranda, Gastão Formenti, entre tantos outros. E uma síntese resta rica vida musical, está nas duas faces de "Tributo a Chico Viola". Pois vejam a seleção que Herminio Carvalho preparou para dar as novas gerações um panorama da musica do Rei da Voz: "Boa-Noite, Amor, valsa de José Maria de Abreu/Francisco Matoso (18/7/50), "Quem Há de Dizer", de Lupiscinio Rodrigues/ Alcides Gonçalves (25/5/48), "Cadeira Vasia" (2.12.49), "Nervos de Aço" (13/6/47) e "Esses Moços" (25-5-48), todos sambas do gaúcho Lupiscinio Rodrigues; Fracasso", de Mario Lago... (21/9/46), "Canta Brasil" (Cenas Brasileiras), de Alcyr Pires Vermelho/David Nasser (20/5/41); "A Voz do Violão" (Chico Alves/ Horácio Campos) (1.10.29); "Caminhemos" (Herivelto Martins (13.6.47), "Aquarela do Brasil". (Ary Barroso... (18.8.39) e "Adeus - Cinco letras que choram"(Silvino Netto"(11.3.47). Se "Chico Viola" é um lp documental - em que Herminio Bello de Carvalho, com a distancia de duas décadas depois pode ver o Rei da Voz relativa frieza - a nesta reflexão dar um retrato sincero de sua presença dentro da MPB, já "O amor é o ridículo da vida" é um disco emocional - sem que isto o desmereça em nada: falecida há poucos meses Dalva de Oliveira é homenageada com todo o amor e respeito, conforme depõe o produtor num dos múltiplos textos que enriquecem a obra: "Moviola" como se estivéssemos diante de uma, fazendo a montagem de uma vida densa de amor, recoberta dessa fuligem que paixão. Esse pequeno filme ("O amor é o ridículo da vida") se divide em núcleos, todos presididos pelo componente amor. Uma vida de judiação e sem enraivecimentos foi a que ela viveu e isso ressalta nesta colagem. Dalva desmistificou todas as fronteiras demarcadas pelos falsos estetas/profetas que, na verdade, se bloquearam diante do poço de lágrimas envenenadas de que nos suprimos quando navegamos no amor, e às águas se mostram escuras". O maestro Lindolfo Gaya fez uma experiência inédita no álbum: recriou arranjos e fez orquestrações adicionais para as gravações originais deste álbum entremeadas de trechos do depoimento de Dalva no Museu da Imagem e do Som (e transcrito também no álbum). Infelizmente, as gravações são localizadas cronologicamente. Ao invés dos números, Herminio preferiu selecionar/agrupar a música de Dalva em núcleos assim, "Um Croquis", reúne "Ave-Maria no Morro"(Herivaldo Martins), "Olhos Verdes" (Vicente Paiva) e "A Bahia Te Espera (Herivelto/Chianca de Garcia). Na "Frustração Cotidiana", a fase mais amargurada de Dalva: "A Grande Verdade" (Luís Bitencourt - Marlene), "Que Será" (Marino Pinto/Mário Rossi), "Velhos Tempos" (Marino Pinto/Carlos Lyra), "Bom Dia" (Herivelto Martins/Aldo Cabral e "Vira-Vira" (E. S. Discopolo-versão de Guiaroni). Para o lado A, uma das 10 musicas mais belas já feitas no Brasil a "Estrela do Mar"(Maria no Pinto/Paulo Soledad). No lado B, o primeiro núcleo é "A Mentira do Amor": "Tudo Acabado" (J. Piedade/Oswaldo Martins), "Dois Corações" (Herivelto Martins/Waldemar Gomes), "Mentira de Amor" (Lourival Faissal/Gustavo de Carvalho), "Segredo" (Herivelto Martins/Marino Pinto) e "Hino ao Amor" (Edith Piaf/Margueritte Monnot, na versão de Odair Marsano). Após a dramaticidade e a fossa deste núcleo, temos "O Carnaval: uma incerta alegria", com Dalva em seis momentos de gloria: "Pastorinhas" (Noel Rosa/João de Barro), "Zum Zum" (Fernando Lobo/Paulo Soledade), "Estão Voltando As Flores" (Paulo Soledade). "Minueto" (Herivelto Martins/Benedito Lacerda), "Rancho da Praça Onze" (João Roberto Kelly - Francisco Anísio), e "Bandeira Branca" (Max Nunes/Laercio Alves) esta sua última gravação de sucesso. Uma mulher de muita sofrencia - tomando aqui, emprestado, o termo criado por Paulinho da Viola - que viveu, sofreu e amou, teve sucesso aqui e lá (5), e se inclui entre uma das grandes estilistas de nossa MPB, comparada, quando cantava as coisas mais simples do cotidiano, a Piaf e ou Billie Hollyday (6). E por tudo isto como lembrou o poeta Bello, Dalva não é uma interprete apenas de uma determinada geração: - "Ela faz parte da própria história e cultura do nosso pais e sempre permaneceu fiel aos seus sentimentos da grande interprete, aos roxos da violenta paixão que desencadeia em cada minuto de sua vida, morrendo a cada instante em que, feito ácido, se queima perante um mundo que - convenhamos - lhe foi azedo". (1) Ainda em 1928, Chico Viola gravaria outra música de Ary Barroso, "Amizade". Após um curto dedicado a versões - a moda era essa (e pelo visto continua) Ary foi para as paradas, na voz de Chico, com "Dá Neia". Mas só em 34 voltou a gravar Ary: "Estrela da Manhã", "O correio já chegou" - este um clássico da música popular. Vieram "Sem ela" "De déu em déu", "Ela não sabe o que diz", Em 39 Ary lhe entregou seu maior sucesso: "Aquarela do Brasil". `(2) - Lupe - apelido carinhoso de Lupecinio Rodrigues - foi revelado em sua faceta sabia por Francisco Alves. A frustração amorosa, os recalques, as piramidais dores-de-cotovelo - tudo isso Lupe fotografou e Chico passou para cera: "Nervos de aço", "Cadeira Vazia", "Esses Moços". Diz Herminio: "Chico não gravou muito de Lupe, mas o exato". (3) - Chico levava o Ismael a quase todos os "shows" apresentando-o como "um preto de alma branca" e seu braço direito. Com sua elegância, Ismael não fala mau de Chico, embora em 1935 tenha brigado com ele. Quem assistiu o show "Se Jurar", no Paiol, pode conhecer outras facetas do Rei da Voz. (4) - Francisco Alves nasceu no Rio de janeiro, a 19 de agosto de 1898. Faleceu em 27 de setembro de 1952, num acidente de automóvel na rodovia Rio - São Paulo. (5) - Nenhuma cantora brasileira conseguiu, no Exterior, a projeção de Dalva. No auge do sucesso, gravou com as orquestras então mais famosas do mundo: as de Canaro e Robergo Inglez. A rainha Elizabeth II, dois dias antes da coroação, foi assistir à sua apresentação no Savoy. Em Buenos Aires, sempre havia um tempo para o culto a Gardel, um de seus ídolos. E cada vez que voltava, era aguardada por multidões. (6) - Tanto Edith Piaff como Billie Holliday, também tiveram vidas dramáticas semelhantes, em alguns pontos, a de Dalva de Oliveira.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música Popular
19
18/03/1973

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