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Aramis

O vampiro que resistiu ao tempo e ao mundo (IV)

Não só pelo fato de ser a primeira grande estréia teatral de 1980, mas por chegar paralelamente ao início da telenovela adaptada por Ruben Ewald Filho para a Rede Tupi (TVs Iguaçu e Tibagi, 19 horas, de segunda-feira a sábado), "Drácula" começa a provocar discussões e debates. Poucos personagens são tão comuns como esta criação de Bram Stoker (1847 - 1912): passa de 200 os filmes e seriados de TV inspirados no vampiro e o mais de 6 milhões de exemplares do livro foram editados desde 1897. O livro e o mito - a exemplo de seu personagem, parecem ganhar vitalidade com o tempo. Entre 1972/3, quatro livros foram publicados tentando analisar Drácula e as raízes históricas do personagem: "The Dracula Myth", de Gabriel Ronay, lançado na Inglaterra, em fins de 72; "A Dream of Dracula: in Search of the Living Dead", de Leonard Wolf; "In Search of Dracula: A True History of Dracula na Vampire Legends" e "Dracula, a Biography of Vlad, the Impaler", todos de 1973, os dois últimos de autoria dos professores universitários Radu Florescu e Raymond T. McNally, do Boston College, que fizeram pesquisas na Romênia com bolsas da Fundação Fulbright, da Sociedade da Filadélfia e da Universidade de Bucareste. Drácula é há anos fonte de divisas para a Romênia, cujo departamento de turismo reserva para os fascinados visitantes estrangeiros, guirlandas de alho, do tipo espanta-vampiro e excursões ao presumível castelo do conde. Entre a imensa filmografia draculiana, anunciou-se recentemente um filme que biografaria Vlad Tepes, o governante feudal romeno do século XV, que era um guerreiro corajoso, cruel - mas heróico na luta contra os turcos. Por mandar empalitar os inimigos presos ganhou a designação de "Drácula" que, em romeno, quer dizer diabo. Em fins de outubro de 79, despachos de uma agência telegráfica informaram que 25 diretores da Sociedade Internacional Drácula, provenientes dos EUA e Inglaterra, após passarem algumas semanas nas Transilvânia, concluíram pela verdade histórica: o conde Drácula não bebia sangue humano, não escolhia vítimas virgens adormecida. Enfim, não era o vampiro que Bram Stocker "criou" da lenda. Em Nova Iorque há um Centro de Pesquisas sobre Vampiros, cujo presidente, Stephen Kaplan, parapsicólogo, declarou há menos de um ano, a propósito da volta do personagem, em peças de teatros e filmes, que Drácula faz sucesso porque "ele tem a chave do que nós mais ansiamos na vida. Nós somos mortais e o sonho da imortalidade é inconsciente em todo ser humano". Leonard Wolf, autor de outro livro a respeito - "Annotaded Drácula" (todo ilustrado a bico de pena), concorda com Kaplan e acrescenta: "Os americanos estão fascinados pela idéia de juventude, sentem uma grande ansiedade em relação à morte, a coisas velhas e são atraídos pela violência. Junta-se a isso uma secreta admiração pelo sexo à moda machista e a lenda da eterna briga entre o bem e o mal"22. xxx A proporção que se busca entender Drácula - o mito, a ficção e as analogias que provoca - pode-se melhor sentir o comportamento capaz de provocar o verdadeiro trabalho de marketing em torno de um personagem aparentemente assustador. Há 22 anos, Terence Fischer, 76 anos, 32 de cinema, e que conta em sua imensa filmografia, com dezenas de títulos de terror, após uma nova refilmagem em torno de Frankenstein ("A Maldição de Frankenstein" /The Curse of Frankenstein, 57"), provocava o ressurgimento comercial do personagem de Stocker: "O Vampiro da Noite" (Drácula, 58) com Christopher Lee e Peter Cushing, foi um dos maiores êxitos da Hammer Productions, motivando não apenas a que Fischer voltasse ao tema ("As Noivas do Vampiro / The Brides of Dracula", 60; "Drácula, O Príncipe das Trevas", 65; ambos com Cushing, naturalmente), mas houvesse uma nova inflação de filmes não apenas em torno de Drácula, mas Frankenstein, Górgona, refilmagem do Fantasma da Ópera, Lobisomem, etc. Quando "O Vampiro da Noite" foi lançado no Cine Avenida, em 1960, houve muitos casos de espectadores mais sensíveis que desmaiavam, quando Christopher Lee enfiava os caninos nos pescoços de suas vítimas. E frise-se que não se tratava de "encenações", como ocorreu na música - nos anos 40, com as fãs de Sinatra; na década de 50, com as fãs de Cauby Peixoto, ou os "desmaios" contratados por José Mojica Marins, durante as projeções dos filmes de Zé do Caixão. Ao menos 3 casos registrados no Cine Avenida, em 1960, foram autênticos: mulheres que se chocavam com o sangue na boca do vampiro. As ilações erótico / sexuais a respeito ficam por conta dos psicanalistas... xxx Hoje, "Drácula" é uma outra figura. E assim é tratado no filme de John Badham, com Llangella, na sátira de Stan Dragoti ("Love at first bite"), enquanto Werne Herzog, ao refilmar "Nosferatu", 57 anos após o clássico de Murnau, preferiu manter o sentido político que aquela obra-prima do expressionismo alemão já trazia. O próprio Herzog, 58 anos, em uma recente entrevista, lembrou que "o Nosferatu original é, sem dúvida, o mais visionário dos filmes alemães, premonitório da ascensão do nazismo. O que significa, por exemplo, em Murnau, a invasão da Alemanha pelos ratos portadores da peste? É difícil encontrar uma resposta. Eu não consigo responder, como creio que o próprio Murnau não responderia a pergunta se a ouvisse em 22. O que existe, de fato, é este sentimento de doença geral, que dificilmente se pode definir ou precisar. A Alemanha (República Federal) é um país marcado pela estagnação de sua sociedade. Marchamos em direção ao tédio e à obesidade. A civilização da Europa Ocidental é a da autodestruição. Por outro lado, acho muito positiva a revolução do Irã, porque a rejeição do xá é a rejeição de toda a civilização ocidental, com todos os seus valores marcados". Se os filmes de Badham e Dragotti - estrelados por Franck Langella e George Hamilton, respectivamente, ainda não tem data de estréia no Brasil, "Nosferatu", de Herzog, terá sua pré-estréia no sábado, apropriadamente à meia noite, no Astor, para exibição comercial a partir do dia 7, no Cinema I. Com o interesse que a telenovela da Tupi está despertando e também a peça de Eddy Antonio Franciosi, direção de Antonio Carlos Kraide, (auditório Salvador de Ferrante, 21 horas), é de se esperar que um público numeroso se interesse pelo filme. Aliás, o Goethe Institut tem feito algumas reprises do "Nosferatu" de Murnau, na sala Arnaldo Fontana, do Museu Guido Viaro, sempre com casas lotadas. Portanto, agora a chance de se ver a criação de Klaus Kinski - até há 5 anos apenas um ator de bangue-bangue espagueti, hoje o ator mais badalado da Europa (no ano passado estrelou também para Herzog a adaptação ao cinema de "Woyzek", de Buchner), em torno de um personagem tão mítico e impressionante. Kinski aparece no filme de Herzog maquilado com sua máscara de horror criada pelo japonês Reiko Cruc, "como se tivesse saído de uma representação do teatro Nô", como escreveu o crítico Orlando Fassoni ("Folha de São Paulo", 29/11/79). É através dela que, nessa história de onde sopram "geladas correntes de ar do Além", como diria o historiador Bela Belazs, o personagem exprime a aterradora figura de um "monstro" de capa negra e cabeça raspada, orelhas enormes, pontiagudos incisivos, unhas enormes. Mas para Herzog o seu Nosferatu é menos uma encenação do demônio e mais uma vítima da fatalidade: jamais morre. "Pior que a morte é a sorte que condena "Nosferatu" a assistir por toda a eternidade a agitação fútil do mundo". Fassoni observa, com base no que registrou a crítica internacional, que esse sentimento está refletido no modo como Herzog vê o vampiro, "menos como um monstro e mais como um ser fadado à desgraça". Lotte Eisner, uma das mais respeitadas teóricas do cinema, num estudo sobre o cinema demoníaco, perguntou se o prazer para que os alemães experimentaram ao evocar o horror "não será porventura aquele excessivo e tipicamente germânico desejo de submissão a uma disciplina?". E disse: "Em Murnau, o maior realizador alemão do seu tempo, a visão cinematográfica já não é o resultado do esforço de estilização decorativa: ele soube criar as imagens mais perturbadoras, mais impressionantes do cinema alemão. Ao realizar "Nosferatu" com um mínimo de recursos, Murnau soube perfeitamente descobrir a natureza e a possibilidade de, através dela, obter belas imagens. Captou a forma frágil de uma nuvem branca pairando sobre as dunas onde o vento do Báltico brinca com as ervas esparsas e faz-nos sentir a frescura de uma pradaria onde os cavalos galopam com a maravilhosa ligeireza de animais selvagens. A natureza participa do drama: com uma montagem requintada, o rolar das ondas deixa prever a aproximação do vampiro, a iminência do destino que vai atingir a cidade". O filme de Herzog não é, ao contrário de dezenas de outros, uma fita de ação: não se trata de vampirólogos perseguindo os monstros, munidos de picaretas, dentes de alho, crucifixos e outros objetos para espantar demônios. A história, na visão de Herzog, está entre o mundo dos sonhos e o sonho do mundo, no universo das alucinações, sem a natural luta do Bem contra o Mal: no centro da história situa-se apenas "Nosferatu", "o propagador das mortes, horrível e patético ser condenado a jamais morrer, a acompanhar até o infinito dos tempos os gestos banais da humanidade" (Fassoni, FSP). Assim , a recriação do mito / símbolo tem, na ótica de cada autor, a sua forma: na televisão, com todas as limitações da Censura, transposta para o Brasil - e como a telenovela começou a ser apresentada nesta semana, impossível ainda emitir um juízo do trabalho de adaptação de Rubens Ewald Filho.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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31/01/1980

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