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Aramis

Odete não conta tudo mas George conta tudo sobre vida de Proust

Cada vez mais enriquece-se a área de biografia e memorialismo no Brasil. É salutar observar que livros com biografias (e autobiografias), sejam obras de maiores pretensões ou mesmo depoimentos mais particulares (e, muitas vezes pouco reveladores) vem encontrando uma ampla faixa de leitores. Só assim é possível se conhecer melhor figuras, fatos e acontecimentos do passado do ponto de vista de quem deles participou, seja através de relatos pessoais ou uma arqueologia histórica desenvolvida por biógrafos. A medicina no Paraná está sendo reavaliada através do trabalho que a Fundação Lima Pró-Memória Médica do Paraná vem afetuando com uma série de volumes, focando os médicos e professores de nossa septuagenária Universidade que trouxeram grande contribuição ao Estado. O novo volume da coleção é dedicado ao pioneiro do ensino de cirurgia no Paraná, o médico polonês Szymon Kossobudzki, que teve sua interessante vida (estudante rebelde em seu país, foi exilado na Rússia e chegou ao Brasil em 1907, radicando-se inicialmente em São Mateus do Sul) - rastreada pelo professor (e também cirurgião) Iseu Affonso da Costa. A Importância de Kossobudzki na medicina no Paraná, sua vida intensa, o torna merecedor desta homenagem, fazendo com que o livro justifique um próximo - e detalhado - registro mais detalhado. Se Iseu Affonso da Costa teve que se valer de (poucas) fontes para refazer a vida de Szymon Kossobudzki (1869-1934), especialmente da época em que viveu na Polônia e seus tempos de exilado na cidade de Perm, ao pé dos montes Urais, há obras que poderiam ser mais informativas, justamente por serem escritas pelas próprias pessoas que viveram os fatos. Um exemplo disto é "minha Jornada Interior" da atriz e hoje naturalista Odete Lara (Editora Best-Seller, 269 páginas, 1990). Uma das atrizes mais famosas entre o final dos anos 50 até meados da década de 70, Odete Lara, numa atitude surpreendente, afastou-se da vida mundana, das luzes dos refletores, de um aparente sucesso profissional para tentar encontrar na vida simples, na natureza - inicialmente em Joá, próximo ao Rio, depois, mais distante, nas colinas de Nova Friburgo - sua paz interior. Neste seu segundo exercício de memorialismo (o primeiro, "Eu, Nua", saiu pela Civilização Brasileira, há alguns anos), Odete Lara entremeia rememoração de sua vida com pretensões sobre as angústias que tem enfrentado - ela que perdeu os pais como suicidas - tragédia que lhe marcou toda a vida. Mulher bonita, atriz que colecionou alguns troféus (usava inclusive os "Sacis", numa época uma espécie de Oscar paulistano, como peso para papéis, conta seu amigo, o romancista e ex-crítico de cinema Ignácio de Loyola no afetuoso prefácio), Odete Lara foi mulher de muitos amores. De uma prodigalidade sexual que reflete sua solidão maior, o livro está repleto de narrativas de seus inúmeros "casos", mas nisto reside já a primeira falha da obra: ao tentar manter no anonimato os homens com quem se relacionou sexualmente (por maior ou menor tempo), dando apenas suas iniciais, Odete é desonesta em relação aos leitores. Quem acompanha relativamente sua carreira, facilmente identificará a maioria das iniciais citadas - como, por exemplo, A. C.; que é o cineasta Antônio Carlos Fontoura, com quem fez os filmes "Copacabana, Me Engana" e "A Rainha Diaba". Para os leitores com menor informação, não deixa de ser injusto sonegar tais informações. Afinal, num meio liberal como é o artístico, não haveria qualquer comprometimento maior em Odete assumir a identidade dos homens que teve - inclusive ajudando a melhor entender a sua ciranda afetiva. Há capítulos interessantes - como os que narram o início dos anos 60, sua amizade com Vinícius de Moraes e Nara Leão (freqüentavam o mesmo analista), a época da Bossa Nova, o desbum dos anos 70 etc. Infelizmente, Odete que conviveu tão de perto com tanta gente fascinante não quis se preocupar em empreender uma pesquisa maior e assim, em termos de informação, há raras datas e citações mais confiáveis. Mesmo o diário que fez durante as filmagens de "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", dirigido por seu amigo Glauber Rocha, com locações na pequena vila de Milagres, no agreste baiano, não traz informações que poderiam acrescentar-se a necessária biografia de Glauber Rocha, tratado superficialmente em seus apontamentos. Há, inclusive, contradições: saindo da toca ecológica no Interior do Estado do Rio de Janeiro para promover o lançamento do livro, Odete Lara falou durante uma entrevista a Amaury Júnior, na televisão, que passou quatro anos vivendo em comunidades naturalistas na Califórnia. No livro, nada há sobre uma temporada tão longa nos Estados Unidos. De qualquer forma, "Minha Jornada Interior" não deixa de ser uma contribuição a bibliografia sobre nossas divas artísticas, mostrando o amadurecimento de uma mulher que, há 32 anos, ao surgir em filmes como "Absolutamente Certo" de Anselmo Duarte ou na peça "Moral em Concordata" (que faria depois no cinema) inspirava sonhos eróticos de uma geração. Se alguém esperava uma biografia definitiva de Marcel Proust (1871-1922), ela acaba de chegar: resultado de anos de trabalho de pesquisa de George Painter, em tradução de Fernando Py, (um volume de 797 páginas de Cr$ 1.836,00) traz tudo que os leitores sempre quiseram saber a respeito do autor de "A Procura do Tempo Perdido". Painter apaixonou-se pela obra de Proust e até os 45 anos de idade procurou estudar a sua vida. Assim escreveu uma biografia do gênero. Aos 76 anos, completados no último dia 5, Painter dedicou-se entre 1944/1959 a rastrear a vida de Proust, reunindo a maior documentação possível a seu respeito - e oferecendo, assim, uma biografia exemplar. O destaque que publicações nacionais deram ao lançamento deste livro tão importante (editado originalmente na França em 1959) confirma a importância da biografia criteriosa - e amplia os horizontes para quem se disponha a conhecer Proust, o homem e o escritor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/06/1990
Muito bom obrigado.. gostei muito

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