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Aramis

Os brasileiríssimos discos do espanhol Manuel Camero

Um dos aspectos que mais admiro em Manuel V. Camero, o "Manolo", diretor-presidente da Tapecar Gravações S/A, é o fato de que sendo espanhol de nascimento, soube sentir e entender a cultura popular brasileira, dedicando grande parte dos recursos de sua bem organizada gravadora a produção de importantes elepês de compositores e intérpretes que, até agora, não tinham as oportunidades merecidas. Enquanto tantos brasileiros, simiescamente, ficam a curtir i mais supérfluo e alienígena rock, divulgando-o, promovendo-o e mesmo "compondo " em inglês, cabe ao ibérico Manolo. Assumindo riscos empresariais, investir em compositores maravilhosos como Candeia, Mano Décio da Vila, Gracia do Salgueiro, Velha da Portela e tantos outros nomes respeitáveis, que só agora, pela Tapecar, tem chances de fazerem seus próprios discos - como intérpretes. A Tapecar surgiu, como apenas gravadora industrial, em fins de 1967. Três anos depois passou a editar e, no início, por compreensíveis razões comerciais, limitou-se a lançamentos internacionais. Mas, a partir de 1973, a Tapecar compensou, voltando-se para a melhor MPB, em especial o Samba, contratando intérpretes como Beth Carvalho, Elza soares, veteranos como Noite Ilustrada e, principalmente, lançando gente nova - como Gilson de Souza, cujo sucesso "Pôxa" mereceu, em nossa opinião, figurar entre as melhores músicas de 75 - pela sua boa estrutura, comunicabilidade e, principalmente, o fato de oferecer ao grande público uma música facilmente cantável - ocupando um espaço que, de outra forma, corria o risco de ser tomado pelo supérfluo som pop anglo-americano. Manolo teve o mérito de lançar os apreciados lps de Candeia e Mano Décio da Viola, compositores dos mais respeitáveis dos morros cariocas, mas que a exemplo de cartola (que só em 74 fez seu primeiro lp, nos discos Marcus Pereira) permanecia esquecido. Agora, no final de 75, mais uma vez a Tapecar prestigia dois compositores simples, do povo, mas autênticos e importantes em suas músicas: Gracia do Salgueiro & Velha da Portela. Num mesmo disco, produzido por Paulo Gesta, com arranjos do maestro Pachequinho, os dois sambistas mostram sambas interessantes, simples - e cujas letras mereciam também aparecerem num encarte junto ao disco (Tamborim-30012, Tapecar, Dezembro/75). Com Gracia do Salgueiro temos suas músicas "Janela da Favela", "vou correr da Rinha", "Quero Meu Boi", "Não Moro Mais Naquele Lugar", "Despedida de Um Bamba", "Violeiro" e "Não Brigue com Ela". Já Velha, veterano e respeitado sambista, defende suas composições "Não Há", "Lamento de Um Sambista" (em parceria com Jurandir) , "Crioulo De Cara Lisa", "Arengação", "Samba do Urubu", "Cuidado Malandro" (em parceria com Matias de Freitas) e "Meu Tamborim"(em parceria com a dupla Jair Amorim / Evaldo Gouveia). Xxx Manuel V. Camero, a exemplo de Marcus Pereira, não está apenas interessado no Samba dos morros cariocas. Assim é que o produtor Aluízio Falcão, ex-sócio de Marcus em sua agência de propaganda e na etiqueta fonográfica, deixando-o há alguns meses, encontrou na Tapecar condições de editar o básico lp "Nordeste: cordel, Repente, Canção"(TC-50, Outubro/75), que Ary Vasconcelos, em sua lista dos melhores discos de 75, não teve dúvida em incluir em 4o lugar. O rigoroso J. Ramos Tinhorão, reclamou em sua coluna no "Jornal do Brasil", da ausência de um folheto explicativo sobre esta edição, projetado por Aluízio Falcão e Tânia Quaresma, mas que, na última hora acabou, lamentavelmente, sendo suprimida. Realmente, essa economia acabou retirando do lp muito de seu significado didático, mas apesar disso trata-se de um excelente registro da pesquisa que Tânia Quaresma desenvolveu no Nordeste, paralelamente ao filme, já lançado no Rio de Janeiro, no cinema-1, e que em Curitiba, virá em breve para o cine Excelsior A imensa riqueza da cultura popular do Nordeste tem pouquíssimos registros fonográficos. Os discos Rozemblit, de Recife, têm feito algumas importantes edições, com cantadores e repentistas, mas pela falta de uma infra-estrutura empresarial estes lançamentos não chegam as lojas do sul. O lançamento do filme e do disco "Nordeste: Cordel, Repente, Canção", de Tânia Quaresma, com gravações ao vivo, colhidas em cidadezinhas do agreste pernambucano, alagoano, sergipano e baiano, é uma primeira experiência de registrar um imenso patrim6onio cultural. É preciso saber amar as coisas simples, orgulhar-se de ser brasileiro, para entender as vozes duras, secas, guturais muitas vezes, cego Oliveira cantando o "verdadeiro romance de João de Calais", Pedro Bandeira cantando a "Canonização do Padre Cícero", Manuel José narrando o "Grande debate de Lampião com São Pedro", o célebre repentista Otacílio Batista cantando a toada de vaquejada "Gado bom quem tem sou eu" , os repentistas Zé Ramalho e Lula Cortêz em "Martelo alagoano", do clássico Zé Limeira; o improviso de Diniz Vitorino e Silveira em "Martelo Agalopado", a gemedeira de Santinha e Misael, ou dois garotos, Caju (12 anos) e Castanha (7 anos), cantando uma embolada. "Nordeste: Cordel, Repente, Canção", apesar de prejudicado pela falta de um texto mais amplo, explicativo (apesar das notas inteligentes de Tânia Quaresma) está entre os mais importantes lps já produzidos no Brasil, em termos de documentação e registro popular. Como diz a própria Tânia, este lp traz para o nosso mundo urbano, pedaços do vasto mundo do povo sertanejo: os versos de Zé Limeira, poeta do absurdo, revividos na voz de Zé Ramalho, a abolição da escravatura recontada em improviso de José Pedro Pontual, a "canonização" do lendário padre Cícero, a chegada de Lampião no céu e toadas de vaquejada. Orgulhe-se de ser brasileiro. Ouça (e compre) "Nordeste: cordel, Repente, Canção". Xxx Gilson de Souza tornou-se conhecido com seu samba "Pôxa". Mas ele tem outros sambas gostosos e comunicativos - suficientes para um lp, lançado há alguns meses e que está vendendo bem: "Dor de Poeta", "O Incomodado é que se muda", "Se o amor fôr coisa certa", "E tata ch". "Canção pra quem vem", "Quem é de samba chora" (em parceira com carvalho), "Ilusão colorida"(com Newton Miranda / Veloso), "Só Deus sabe" (Adylson Godoy / Antonio Queiroz), "Gavião Calçudo" (Pixinguinha), "Noite Vadia" (Gilson de Souza) e "É Manhã" (Oswaldo guilherme / Aluyzio Figueiredo).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música
23
11/01/1976

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