Login do usuário

Aramis

Os filmes brasileiros para 1989 / Cineastas preparam lote para 89, apesar do péssimo 88

O curitibano Mauro Alice, considerado um dos melhores montadores do cinema brasileiro (há dois anos, em Los Angeles, fez a edição de "O Beijo da Mulher Aranha", de Hector Babenco), encontra-se há mais de um mês no Rio de Janeiro, dando a forma final ao novo filme de Sérgio Resende - "Eu sem juízo, ela doida demais". Depois de "O homem da capa preta" (1986), Resende volta-se a uma ficção, rodada em Barreiras, rica cidade no Interior da Bahia (graças a cultura de soja), na região dos garimpos da Amazônia matogrossense e ainda no Rio de Janeiro. Cacá Diegues, sem se deixar abater pelo fracasso de público de "Um trem para as estrelas", já terminou as filmagens de seu novo filme - "Melhores virão" - quarto projeto financiado pelo grupo Fininvest, que mesmo sem ter ainda obtido o retorno de sua primeira produção - "Dedé Mamata", de Nivaldo Brandão, já financiou três outros filmes: "Lui, a estrela do crime", de Lui Farias, "Eu sem juízo, ela doida demais" e agora o filme de Cacá. Na moviola da Skylight, Octávio Bezerra está concluindo a montagem de "Uma avenida chamada Brasil", documentário sobre as favelas e a marginalidade no Rio de Janeiro. Bezerra foi o realizador do excelente "Memória Viva" - com várias premiações (e mostrado este ano no Festival de Havana, onde já deveria ter concorrido no ano passado, se a Embrafilmes não tivesse extraído a cópia), mas ainda inédito nos circuitos (com exceção de São Paulo, o produtor Raul Rocha está ajudando Ugo Gregoretti a concluir seu "A Festa", paralisado na fase de laboratórios há meses - mesma situação em que se encontra o filme do montador Walter Rogério, agora preparando-se para fazer sua estréia no cinema como diretor de um longa-metragem. Alain Fresnot, vindo de uma grande experiência na chamada "geração da Vila Madalena", já com alguns curtas, também tem praticamente pronto o seu primeiro longa-metragem, "Lua Nova", levemente inspirado em Brecht ("O sr. Puntilla e o seu criado Matt"). O paranaense Sérgio Bianchi, enquanto seu "Romance" continua sendo escalado para festivais internacionais depois de Munique, Montreal, Edimburgo, agora irá a Amsterdã e, talvez até ganhe chance de chegar ao próximo festival de Moscou) está batalhando por uma nova produção, livre adaptação de um conto de Machado de Assis. Quem conhece Sérgio Bianchi e sua visão demolidora do mundo, sabe que do texto original vai restar pouca coisa. Mas criatividade não lhe falta... Mesmo com a quase total paralisação da Embrafilme - após a desastrosa administração anterior e a omissa presença do ministro Moacir Oliveira, hoje no comando da empresa - o cinema brasileiro ainda conseguiu sobreviver e, aos trancos e barrancos, há pelo menos uma dezena de filmes para abastecer ao menos o próximo (décimo sétimo) festival de Cinema Brasileiro de Gramado, a mais importante mostra competitiva de nosso cinema - e que este ano terá sua comissão diretiva reestruturada, uma vez que Eloir Zarzanello, que há 6 anos presidia a comissão organizadora, concorreu ao cargo de prefeito da paradisíaca cidade serrana e perdeu por apenas 12 votos. Entre os filmes rodados há quase dois anos e que permanecem inéditos estão "Jorge, um brasileiro", de Paulo Thiago, superprodução para os padrões brasileiros, no qual a Volvo colaborou não apenas cedendo caminhões (o romance de Oswaldo França Júnior é sobre os caminhoneiros que rodam pelo Interior do Brasil), como também deu uma ajuda direta à produção - e promete apoiar o lançamento do filme na Europa. No elenco, há um casal de artistas que está na crista da onda - Carlos Riccelli e Glória Pires, os vilões "César" e "Maria Fátima" da telenovela "Vale Tudo". A produtora executiva de "Jorge, um brasileiro", a mineira Glaucias Pimentel, no início deste ano, ao vir a Curitiba para um jantar com a alta direção da Volvo, falava da possibilidade de o filme ser levado a Cannes. Acabou não indo e até agora, por problemas finais de laboratório: nenhuma cópia ainda teve condições de ser exibida. Outros filmes que embora com muitas seqüências rodadas, ainda estão em fase de conclusão: "Amor Vagabundo", de Hugo Carvana - na mesma linha de "Vai trabalhar, vagabundo", que sonhava em ter levado ao Festival de Gramado-88 (em 1987, chegou a publicar anúncio de página inteira na contracapa do catálogo, anunciando o filme - com trilha de Chico Buarque). Também à espera de finalização: "O grande mentecapto", que Osvaldo Caldeira ("O bom burguês"), adaptou do romance de Fernando Sabino, com um bom elenco e ilustres participações especiais - inclusive o pesquisador Cosme Alves, conservador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Fernando Sabino, que é um grande cinemaníaco e teve uma de suas melhores crônicas ( "O homem nu") levado ao cinema há 20 anos pelo paulista Roberto Santos (1928-1987), terá em 1989 outra de suas obras vistas no cinema: "A faca de dois gumes", novela policial (mas escrita de forma própria para teatro) foi filmada por Murilo Salles, excelente fotógrafo, revelação em 1985 com o excelente "Nunca fomos tão felizes". Murilinho não está enfrentando problemas maiores de finalização: seu filme é uma co-produção com a França. Mas co-produção nem sempre significa tranqüilidade. Que o diga Paulo César Sarraceni, que realizou "Natal a Portela" com participação de produtores franceses e acabou tendo os negativos de seu filme interditados naquele país, com alegações absurdas. Afora uma exibição no Festival de Cannes, em mostra paralela, não houve nenhuma outra projeção deste filme sobre o histórico dirigente do G.R.E.S. Portela. Tizuka Yamazaki, mesmo com todo sucesso de filmes com "Gaijin" (que ainda hoje continua a ser levado em mostras internacionais) e "Parayba mulher macho", não conseguiu viabilizar o grande projeto de biografia de Santos Dumont, que ficou apenas na pré-produção e resultou num livro de Márcio Souza ("O Brasileiro Voador", editora Marcos Zero), ex-crítico de cinema em Manaus e que foi um dos escritores convocados para trabalhar no roteiro. Há 20 anos, depois de ter ganho a Palma de Ouro em Cannes com "O Pagador de promessas", Anselmo Duarte anunciou seu sonho de fazer um filme sobre o Pai da Aviação. Continua um sonho distante... Trabalhando associado a capitais internacionais, como sempre muito organizado, Walter Hugo Khouri já concluiu "Forever", que, naturalmente, vai reservar para tentar o próximo festival de Cannes. Também Ruy Guerra, pensa em Cannes para ali fazer a primeira apresentação de "Kuarup", e cujas filmagens só agora estão sendo concluídas. Como a produção de "Kuarup" tem apoio de forte grupo empresarial paulista, desta vez não houve problemas de produção e o filme deve ficar pronto dentro do cronograma. Para um país que já teve um produção acima de 100 títulos por ano, 1988 foi trágico: menos de 20 longa-metragens estiveram em andamento neste ano, e poucos chegaram a ser finalizados. Assim se para o festival de Gramado haverá ainda produções que podem ser inscritas - mas nisto depende da vontade de seus produtores, que temem, muitas vezes, queimar suas obras em mostras competitivas nacionais - para outros festivais - como Natal, Brasília e Fortaleza (caso volte a ser realizado), serão poucos os filmes inéditos. Afinal, com a inflação no patamar dos 30%, cortes viscerais em todos os orçamentos, não será a Embrafilme que terá recursos para realizar mais de 30 projetos que foram (demagogicamente) contratados no apagar das luzes da administração anterior e não puderam ser deslanchados. Entre eles, "O drama da Fazenda Fortaleza", da curitibana Berenice Mendes, que passou praticamente todo o ano trabalhando no roteiro (inicialmente desenvolvido por Valêncio Xavier) do romance do professor David Carneiro e com sua fiel escudeira, Lu Rufalco, armando a produção. No final, sensatamente, suspendeu a realização do filme - assim como dezenas de outros colegas fizeram em todo o país. Afinal, mesmo a mais experiente de nossas produtoras, Assunção Hernandez, da Raiz Filmes, previdentemente rolou deste ano para o primeiro trimestre de 1989 o início das filmagens de "Vlado", o novo projeto de João Batista de Andrade, sobre o jornalista Vladimir Herzog. E há casos de filmes que se arrastam há anos, como "Fronteiras - a saga de Euclides Cardoso", Noilton Nunes, cujos copiões já foram mostrados em três edições do FestRio, em busca de patrocinadores. Este ano Noilton montou uma exposição fotográfica sobre o autor de "Os Sertões" no Forte de Copacabana, incluindo fotos das filmagens já realizadas. A delegação da República Popular da China - a que teve maior representatividade este ano no FestRio (e acabou levando o Tucano de Ouro de melhor filme por "A Atriz e o Espírito"), disposta a associar-se em projetos nacionais acenou com a possibilidade de ajudar Noilton a terminar seu filme. Antes, porém, o produtor Luís Carlos Barreto, já tem outro projeto para fazer com os chineses, sem título, roteiro ou diretor definido - mas com a atriz já escolhida Lucélia Santos. Afinal a nossa Escrava Isaura é hoje uma superstar na República Popular da China depois que o folhetim eletrônico da Globo ali foi exibido há três anos. LEGENDA FOTO 1 - Ítalo Rossi e Vera Fischer em "Eu Sem Juízo, Ela Doida Demais", o novo filme de Sérgio Resende - que está sendo montado por Mauro Alice. Foto/Giselle Chamma. LEGENDA FOTO 2 - Antônio Carlos Riccelli, em "Jorge, Um Brasileiro", que foi realizado com a ajuda da Volvo. LEGENDA FOTO 3 - Com "Romance" - na cena Lia Kipelman, Hugo Della Santa e Rodrigo Santiago - representou o Brasil nos festivais de Munique, Montreal e Edimburgo. Agora, vai a Amsterdam e, talvez, a Moscou. Seu diretor, o ponta-grossense Sérgio Bianchi já está fazendo a pré-produção de um novo longa.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
5
18/12/1988

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br