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Aramis

Os filmes de Brasília e um sonho de Denise

Dois projetos que Denise Stocklos gostaria de realizar em Curitiba mas que tiveram que ser adiados para 1987 devido seus compromissos em Nova Iorque, onde fará cursos e uma temporada no Teatro La Mamma, no Greenwich Village: gravar o teipe para a série "Bicho do Paraná", do Bamerindus e fazer um curta ou média-metragem em que revisita Curitiba. Há dois anos, dirigida por seu amigo Antunes Filho, Denise atuou em um belíssimo videoteipe rodado nas ruas e praças de São Paulo, no qual, apenas com a linguagem dos gestos, conduz ao espectador a uma mágica viagem pela cidade - mostrando seu lado desconhecido e humano. O teipe teve apresentações na TV Educativa e foi bem recebido no II Festival Internacional de Cinema, Vídeo e Televisão, há um ano, no Hotel Nacional. Não foi premiado mas ganhou elogios. xxx A idéia de utilizar uma condutora para a revisão de uma cidade foi inteligentemente usada pelos realizadores do curta "Brasiliários", apresentado no XIX Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Injustamente premiado apenas com o candango de trilha sonora - para o compositor Gilberto Vaz - e de fotografia para Jacques Cheuiche (repetindo a distinção recebida no Cine-Rio Festival, em agosto), este encantador curta de onze minutos mereceria também outros prêmios - inclusive para Cláudia Pereira, produtora e atriz - que interpretando a personagem inspirada em Clarice Lispector (1922-1977) é quem conduz todo o trajeto visual do filme. Realização de Zuleica Porto e Sérgio Bazi (crítico de cinema do "Correio Brasiliense"), "Brasiliários" tem como ponto de partida o texto de Clarice Lispector (edição póstuma da Editora Ática, 1978). Resultado de dois únicos contatos com a cidade (12 anos entre um e outro), o texto não se enquadra nas definições convencionais do gênero literário. "Nele o que mais nos impressionou foi o forte impacto que Brasília causou em Clarice", explica Cláudia Pereira, que ao lado de Romário Schettino empenhou-se a fundo na produção deste filme que, em breve, deverá ter apresentação em Curitiba - possivelmente na Cinemateca do Museu Guido Viaro. Com emoção, Cláudia explica: - "A luminosidade excessiva, os amplos espaços abertos, as formas arquitetônicas inusitadas inspiraram um depoimento cheio de perplexidade e encanto. Através de Brasília, Clarice Lispector revela seu próprio universo. E o filme parte justamente nessas duas direções: Brasília e Clarice." Zuleica Portok, roteirista com experiência em vários curtas e médias realizados nos últimos anos ("Caleidoscópio", "História que o povo conta", "O Crime Azul", "Taguatinga em pé de guerra"), explica a realização: - "Não pretendemos seguir o texto literalmente e sim recriá-lo. Tanto que só utilizamos algumas frases das 18 páginas originais. Da estrutura poética obtida com essa montagem de frases, partimos para a elaboração das imagens." Sérgio Bazi, crítico de cinema há dez anos, ex-"Jornal de Brasília", agora no "Correio Braziliense", acrescenta: - "A Brasília que nos sugere o texto não se assemelha a dos cartões postais ou dos palácios e gabinetes oficiais. Também não procuramos abordar o cotidiano de seus habitantes. Mesclando o texto de Clarice às nossas impressões, fomos em busca de imagens que registrassem o insólito da cidade..." Cláudia Pereira, que tem uma grande semelhança com Clarice Lispector quando jovem, encarnou a escritora em sua presença na Capital Federal. Diz ela a respeito desta integração escritora-personagem-filme: - "A presença da própria Clarice, em situações alegóricas, introduz novos elementos à narrativa. Não utilizamos material de arquivo (fotos ou filmes), preferindo dar um tratamento ficcional à personagem: uma atriz personificando Clarice Lispector." Assim, "Brasiliários" resultou numa visão de Brasília a partir de um mergulho no universo de Clarice Lispector. - "Não classificaria o filme como documentário ou ficção, mas como próximo ao cinema de ensaio e poesia." Projeto nascido em 1983, levou dois anos para ser desenvolvido como "um passeio poético e antiturístico por Brasília, tendo como cicerone uma escritora forasteira" - Clarice Lispector que esteve na cidade apenas em 1962 e 1974. Guilherme Vaz, hoje residindo em Brasília - como diretor de um centro de música de vanguarda - criou uma esplêndida trilha sonora. Aliás, experiência não lhe falta, pois nos anos em que morou no Rio de Janeiro foi quem fez a música para filmes de Júlio Bressane ("O Anjo Nasceu"), Nelson Pereira dos Santos ("Fome de Amor", "Azylo Muito Louco"), Arnaldo Jabor ("Pindorama"), Antonio Carlos Fontoura ("Rainha Diaba"), André Faria ("Prata Palomares"), Paulo Martins ("Ipanema Adeus"), e Leonardo Bertucci ("Via Crucis"). xxx Se a enxuta e moderna trilha de Guilherme Vaz para "Brasiliários" foi, merecidamente, premiada, outra cineasta, a carioca Regina Martinho Rocha, radicada em Brasília, aproveitou uma nova apresentação de Sinfonia da Alvorada, de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, no Teatro Nacional, em setembro do ano passado, durante as comemorações dos 25 anos da cidade, para realizar o curta "Brasília, Uma Sinfonia", exibido hors concours na noite de abertura do Festival, em 29 de outubro. Sem o nível de inventividade de "Brasiliários", perdendo-se inclusive entre o registro da bela "Sinfonia da Alvorada" (editada em luxuoso álbum, capa de Niemeyer, CBS, por ocasião da inauguração da Capital, em 1961), com depoimentos de Antonio Carlos Jobim, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. A voz de Vinícius de Moraes abre o filme - dando um grande toque de emoção. A câmara focaliza, entre os socialistas, Radamés Gnatalli, o grande maestro, pianista e compositor (gravemente enfermo agora) e imagens de Brasília se sucedem. O curta tem seu encanto, é uma forma de mostrar ao mundo a beleza da Capital da Esperança. xxx "Brasiliários" e "Brasília, Uma Sinfonia" são apenas dois dos muitos filmes que Brasília já inspirou. Wlademir de Carvalho, 51 anos, professor da Universidade de Brasília, realizador de documentários marcantes como "O País de São Saruê" e "O Homem de Areia" (sobre o líder da Paraíba, José Américo de Almeida) há mais de 15 anos vem documentando a cidade - em suas contradições, arquitetura, grandezas e misérias. Agora, está tentando reunir recursos para finalizar este filme - "Conterrâneos Velhos de Guerra", e para tanto distribuiu um poster no qual faz o apelo aos empresários da cidade. "Eles fizeram Brasília. Ajude a fazer o filme. Inaugure a Lei Sarney - fone 226-1515". Mas o próprio Wlademir não tem muitas esperanças no mecenato. Tanto é que como ninguém, até agora, havia oferecido uma premiação ao melhor filme realizado por autor radicado no Distrito Federal, não teve dúvidas: sacrificou Cz$ 2 mil de seu minguado salário de professor para oferecer o "prêmio Conterrâneo" ao cineasta Vicente Fonseca, realizador do belo e emocionante "Cora Doce Coralina", 12 minutos, sobre a poeta goiana Cora Coralina. xxx Curitiba precisa também ter seus filmes. Há uma nova geração de cineastas descompromissados com esquemas do passado, honestos e bem intencionados que podem realizar bons projetos. Estes merecem ajuda tanto oficial como dos mecenas que, se espera, a Lei Sarney, faça aparecer de agora em diante. É a esperança da redenção de nosso cinema - até hoje asfixiado e amordaçado, mas agora com gente nova e talentosa. LEGENDA FOTO - Cláudia Pereira, a Clarice Lispector em "Brasiliários" - um belo filme sobre a Capital da Esperança.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
03/01/1987

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