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Os Garfunkel que Curitiba esqueceu

Maringá - Durante três dias, Jean Garfunkel teve uma experiência um pouco diferente da que está acostumado a viver nas centenas de festivais de música que há 20 anos vem participando. Ao invés de estar entre os competidores em busca de premiações, este paulista descendente de franceses e que, afetivamente, se considera meio curitibano, foi um dos sete jurados que escolheram as melhores músicas em competição no XIV Festival de Música de Canação, realizada entre os dias 27 a 29 de setembro, no Cine Horizonte. Aos 37 anos, completados no último dia 28 de julho, Jean - e seu irmão Paul, 33 anos - está entre os compositores brasileiros com maior presença em eventos competitivos de música popular brasileira. Desde 1971, quando teve seu "Na Corrente de um Rio", premiado num festival de Boa Esperança, Minas Gerais, Jean e Paul - o "magrão" - não pararam mais de percorrer este país, em busca de um mercado de trabalho alternativo que oferecendo prêmios que vão desde troféus simbólicos até automóveis 0 Km - como deu o riquíssimo Musicanto, em Santa Rosa (Rio Grande do Sul) - tem um grupo dos chamados ganhadores de festivais na procura deste espaço. Como seus colegas paulistas Celso Viáfora e César Brunetti, o paraense Nilson Chaves e os goianos Genésio Tocantins e Juraildes da Cruz - para só lembrar alguns dos nomes mais constantes - os irmãos Garfunkel estão presentes em festivais que se realizam em várias cidades, numa alternância de premiações que os fazem sempre candidatos a saírem com bons resultados. Os ganhadores de festivais representam um segmento dos mais importantes de nossa MPB - reveladora das dificuldades de quem se dedica a fazer música de nível, sem concessões comerciais, gravar seus discos e encontrar espaços na mídia nacional. Talento não falta a estes compositores-intérpretes-músicos - cada um com mais de 200 músicas, dezenas de premiações mas pouquíssimas gravações. Embora já tenham mais de uma dezena de suas composições gravadas por artistas de expressão nacional - como Elis Regina ("Calcanhar de Aquiles", 1980, quando Paul integrava sua banda), "Estrebucha Baby" e "Não Minto pra Mim", que Zizi Possi incluiu em seus últimos dois elepês (o segundo lançado há pouco pelo Estúdio Eldorado), Jean e Paul, até hoje, não tiveram um elepê solo. Naturalmente, que estão presentes em dezenas de discos coletivos produzidos pelos festivais de maior prestígio e juntos com Celso Viáfora e César Brunetti, gravaram, em 1986, o "Trocando Figurinhas", um dos seis álbuns que o animador cultural Helton Altman - dono do bar Vou Vivendo (o melhor endereço musical da noite paulista) produziu através da Copacabana. Jean também gravou graças a Elis Regina, quando esteve contratada da EMI/Odeon, um compacto simples com o delicioso "Afunfe o Fole". Em "Afunfe o Fole", como na maioria de suas composições, Jean e Paul mostram o humor que os fazem de excelentes compositores-intérpretes, também show-men e já possuem um circuito paralelo, especialmente em São Paulo. Jean costuma explicar: - "Nestes tempos de cólera, fazemos o que se pode chamar de lirismo cáustico. É preciso estar consciente das dificuldades, consciente de que os dias são amargos, mas sem perder o humor - embora causticamente". Autor de uma das mais belas homenagens prestadas a uma personalidade artística tão querida do povo quando discriminada em vida pelas ditas "elites" intelectuais, Mazzaropi, os irmãos Garfunkel possuem uma ligação profunda com a música de raízes, na linha das duplas mais autênticas - na tradição de Tonico & Tinoco, Jararaca & Ratinho, João Pacífico, a poética e o humor caipira de Cornélio Pires. Apesar de um curriculum dos mais destacados pela continuidade de duas décadas de dedicação exclusiva a música brasileira e terem afetivas e familiares ligações curitibanas, os irmãos Garfunkel nunca tiveram qualquer prestigiamento por parte da Fundação Cultural de Curitiba, que gastando semanalmente uma média de Cr$ 5 a 10 milhões para proteger artistas do Eixo Rio-São Paulo (muitas vezes acavalando promoções, como aconteceu no último fim de semana, numa auto-concorrência prejudicial ao público), e cuja diretoria na atual administração jamais ofereceu a estes dois artistas (como tantos outros valores que não estejam na mídia global) oportunidade para aqui mostrarem seus trabalhos. Filhos do engenheiro Pierre Garfunkel (1927-1968), único filho homem de um dos mais admirados casais que viveu em Curitiba - o pintor Paul Garfunkel (1890-1981) e a professora Helena Garfunkel (1900-1982), fundadora e diretora da Aliança Francesa por 35 anos, sobrinhos da engenheira Franchette (Maria Francisca Garfunkel Rischbietter, 1929-1989) - a quem o prefeito Jaime Lerner sempre deveu a sua mais sincera e competente assessoria técnica (Lerner, sempre reconheceu que foi graças a experiência, independência e competência de Franchette que teve o sucesso em suas duas primeiras administrações (*), os irmãos Paul e Jean jamais se prevaleceram desta relação familiar para tentar obter espaços em Curitiba que, entretanto, por seu talento, sempre mereceriam. Mesmo durante os anos em que o seu tio, o engenheiro Karlos Rischbietter, ex-ministro da Fazenda (e hoje presidente da Volvo) ocupou cargos da maior importância, deixaram transparecer em qualquer momento o desejo de usar esta influência para sua carreira. Ao contrário, vivendo modestamente, muitas vezes enfrentando dificuldades econômicas (e qual o músico/compositor brasileiro que não as tem?), Jean e Paul tem, hoje, um prestígio real junto a quem conhece a nossa MPB. Recentemente, associados a um grande amigo e parceiro, Roberto Lazzarim, inauguraram o estúdio Insonoris Causa (Rua Cristiano Viana, 780, fone (011) 885-0276, São Paulo), no qual vem criando jingles, spots e campanhas musicais para clientes de várias cidades. "Em Curitiba, infelizmente, não temos qualquer prestigiamento", comenta Jean, que embora sempre elegantemente evite fazer queixas, não deixa de lamentar que embora sempre que possa vem a nossa cidade apenas para visitar particularmente seus primos Luca e Mônica (filhos de Franchette e Karlos Rischbietter), continuem ignorados pela diretoria da FUCUCU que gastando uma média de Cr$ 10 milhões/dia, até hoje não lembrou-se de prestigiá-los artisticamente - assim como tantos outros valores que não estejam em suas boas graças. Em compensação, Jean e Paul continuam em festivais - como o Fercapo (Cascavel), Femucil de Maringá, entre tantos outros, seja competindo, seja integrando os júris ou grupos de apoio. No recente MPB Carrefour, foram braços-direitos de Zuza Homem de Mello e Juca Novaes na realização deste grande evento musical brasileiro. Nota (*) Amanhã será inaugurado com muita badalação oficial o Jardim Botânico de Curitiba, que recebeu o nome de Maria Francisca Garfunkel Rischbitter. Uma homenagem mais do que merecida a quem até a sua morte, em 27 de agosto de 1989, foi a mais lúcida, sincera e competente assessora do hoje nacionalmente consagrado Jaime Lerner. Perguntar não ofende: será que os irmãos Garfunkel e sua mãe foram convidados para a festa?
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
04/09/1991

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