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Aramis

Os melhores sambas com Cesar e Paulinho em dois ótimos lps.

Quatro cantores compositores - Paulinho Tapajós, César Costa Filho, João Nogueira e Ivan Lins - são uma demonstração vigorosa de quanto talento musical existe neste país. Quatro criadores em estilo diferentes, mas eminentemente brasileiros e honestos em seus trabalhos e que se constituem em candidatos fortes a merecerem a inclusão entre os melhores lps do ano. Muitas e agradáveis horas de bom papo com o veterano, respeitado e admirável Paulo Tapajós, 61 anos, desde 1938 na vida musical brasileira (35 anos de Rádio Nacional, de MPB), por ocasião de sua recente vinda a Curitiba (show "Do Chorinho ao Samba", ao lado de Altamiro Carrilho e conjunto, no Paiol, setembro/74), nos auxiliaram a entender melhor a musicalidade da Tapajós. Maurício, o filho mais velho, arquiteto, parceiro e amigo do MPB-4 a tal ponto que é chamado de "MPB-5", tem uma série de [músicas] extraordinários, como "Pesadêlo" e esta beleza e de bela voz, depois de formar o trio "Umas & Outras", integrou-se ao Quarteto em Cy - em sua quarta versão, e com ele está viajando pelo Brasil, com um espetáculo que até o mês passado tinha Vinicius de Moraes na liderança, mas que agora, vem para o Sul só com Toquinho (Paiol, 7 a 10 de dezembro), mas ainda assim com muita beleza musical. E, finalmente Paulinho, também formado em arquitetura, já com algumas [músicas] consagradas, produtor da Phonogram (entre outros lps foi o responsável pelo [álbum] de estréia de Toquinho & Vinicius na Philips), que após produzir o lp de estréia do excelente Naire, na RGE, ali fez o seu primeiro lp como cantor de suas próprias músicas - gravado há meses, finalmente, agora colocado nas lojas (RG, 303.0027, outubro/74). Filhos de um homem notável como Paulo Tapajós, a quem a MPB tanto deve, e de sua inteligente e sensível esposa, Norma, é natural que Maurício, Dorinha e Paulinho sejam tão talentosos. O lp de Paulinho seguramente, se inclui entre os melhores do ano, com 13 músicas do mais alto nível, em que com diferentes parceiros, demonstra toda sua criatividade, encontrando parceiros com que completa um trabalho do mais alo significado. Imagens da infância ("Sorvete de Melão"), "A Velha", "Retrato do Meu Velho Avo", a promessa do amor ("Se Pelo Menos Você Fosse Minha", "Clara", "Sob O Seu Cobertor"), o cotidiano ("Seis Horas da Manhã", "O Apartamento", "O Pijama (Qualquer Dia Desses") e mesmo uma preocupação espiritual ("O Caminho de São Tiago"), ao lado de uma procura do passado ("Andança", em parceria com Edmundo Souto e Danilo Caymi, já conhecida de outros festivais) povoam o universo de Paulinho, um moço simples, sensível e extraordinariamente musical, capaz de construir imagens como esta: "Se pelos menos você fosse minha Do jeito que a mulher nasceu prá ser Em vez do seu retrato na parede Botava rêde nova no jardim". Produzido com esmêro - direção musical de Luiz Claudio Ramos, capa de Nilo de Paulo, acompanhado de um folheto ilustrado com as letras das músicas, o lp de Paulinho é ainda valorizado pelo apoio instrumental que teve de seus muitos amigos e mesmo parceiros nas [diferentes] formações para cada uma das faixas. Assim em "Sorvete de Melão" - música que sua simplicidade pela simplicidade nos lembra o ainda inédito "Dolé de Limão" do jovem Gerson Fisbein (uma das grandes promessas da música no Paraná), Paulinho é acompanhado por Luis Claudio no violão, Antônio Adolfo no piano, Alexandre no baixo, chacal e Chiquinho no ritmo, Mamão na bateria, Franklin na flauta e mais um setor de cordas e côro, com arranjos de Luis Cláudio. Em "Andança", há a suave participação de Dorinha Tapajós, que talvez por motivos contratuais com a Phonogram não é nominalmente citada. Quatro musicas são inteiramente de Paulinho - "Sorvete de Melão", "A Velha", "A Planta" e "O Apartamento", enquanto as outras ele divide com seu colega de produção da Phonogram, Roberto Menescal ("Sob o Seu Cobertor", "Se Pelo Menos Você Fosse Minha", Luis Claudio ("Retrato do Meu Velho Avô" e "O Pijama"), Arthur Verocai ("Seis Horas da Manhã" e "Clara"), Edmundo Souto ("Andança", "O Caminho de São Tiago") e Antonio Adolfo ("Carta A Meu Pai"). Pela beleza das músicas, cuidado de realização de cada uma das faixas, não temos dúvida de acreditar cada vez mais no talento de Paulinho Tapajós e embora a frase seja clichê, ela se adapta: e não poderia ser diferente, pois filho de peixe, peixinho é. Desde os primeiros festivais universitários (1968/70) que participou, o nome de Cesar Costa Filho se destacou. Há dois anos, tivemos a felicidade de incluir o seu "Dose Prá Leão" entre as 10 melhores músicas do ano e todas as suas composições até hoje gravadas e divulgadas (afinal, não se pode julgar o material inédito) merecem entrar em qualquer antologia. Pois Cesar Costa Filho está na relação dos melhores compositores da nova geração, brasileiríssimo, autêntico e sincero em suas criações - o tipo do criador musical que nos faz acreditar, cada vez mais (e com entusiasmo) na vitalidade da nossa melhor música popular, apesar do desprezo de uma desinformada geração pop, da falta de maior divulgação e oportunidade nas programações de rádio e televisão e mesmo do apoio de que de direito, com tantos elitistas que parecem odiar a música do povo, em seu preconceito idiota e fascista contra o Samba. Por isto, o primeiro lp de Cesar Costa Filho (RCA Victor, 103.0083) não poderia ter um título mais apropriado: "E Os Sambas Viverão". Como ele próprio diz neste samba, que abre o lado B: Peço a Deus para morrer Como morre um cavaquinho Nos acordes de um samba Que se acaba de mansinho O rigoroso Sérgio Cabral, não poderia ser mais feliz na apresentação de contracapa: "Acho que poucos compositores-cantores surgidos nos últimos anos mereceram uma expectativa tão grande para o seu primeiro LP quanto mereceu Cesar Costa Filho. O seu talento está provado desde o primeiro Festival Universitário de Música Popular e, desde então, César só o tem confirmado numa obra de críticas favoráveis e de sucessos obtidos em discos tipo compacto". Some-se, portanto, ao seu talento, à correção com que interpreta suas músicas (e ao contrário de muitos outros compositores, Sérgio tem uma belíssima voz), as letras de Walter Queiroz, Paulo Cesar Pinheiro e Jair Amorim - e o resultado é, seguro, um dos 10 melhores discos do ano, sem discussão. Com qualquer de seus parceiros - os jovens Walter Queiroz ("E Os Sambas Viverão"), "Otelo João", "Descanso", "Dose Prá Leão", "Bilhete Prá Bem Longe", "Malvada", "Anástacio/Samba Enredo Para Um Sambista Morto", "Tambores e Clarins"), Paulo Cesar Pinheiro ("Além de Nós", "Guardiã") ou o veterana (49 anos) Jair Amorim ("Samba do Estácio"), o resultado é sempre o mesmo: perfeito. Aliás, diga-se que Jair Amorim não poderia ser mais feliz na criação da letra de "Samba do Estácio", onde [conclui] com um dos mais belos versos da MPB: Peço perdão pelo exemplo Mas o Estácio é uma espécie de templo Onde se aprende a sambar Parecendo rezar A "Briga" tem um ritmo fascinante e uma letra que diz muito - principalmente quando tantos fogem: Mas quando o pau quebrou Só ficou quem era gente Só ficou quem tem amor. Qualquer uma das 12 faixas deste LP (que valeu os Cr$ 40,00 que custa) comporta uma análise maior - que só não fazemos por falta de espaço. O produtor Rildo Hora, sem dúvida o mais competente record-man da RCA-Vitor, não poderia realizar um lp melhor; Radamés Gnatalli fez os arranjos para "Anastacio", "Bilhete Prá Bem Longe" e "Samba do Estácio"; Paulo Moura fez os arranjos para "Malvada", "Dose Prá Leão", "E Os Sambas Viverão", "A Briga", "Otelo João" e "Guarida" e Leonardo Bruno fez os arranjos para "Tamborins e Clarins", "Além de Nós" e "Descanso". Moura ainda cuidou dos arranjos vocais e regência coral. Agora, vejam os excelentes músicos convocados para a gravação: Dina e Cesar (do grupo Epoca de Ouro) nos violões. canhoto no cavaco; Altamiro Carrilho no flauta; Meneses no Bandolim; Pascoal na bateria; Gilberto no surdo; Gilson no ganzá, Hermes na tumba; Nelsinho no tamborim; Marçal na cuíca; Luna no apito; Everaldo no bongô; Darcy no pandeiro. No violão, temos Walter Neco & Jorge Omar, mais Nelson na guitarra, Sérgio Barroso no baixo e Edson Frederico, Cristóvão e Mellin no piano. Sem dúvida, este é um exemplo de disco do MPB. Acima de qualquer discussão. P.S.: no lp de Paulinho Tapajós, alguns arranjos lembrar a melhor fase de Antonio Carlos Jobim. Em especial, no início de "Sorvete de Melão". Prestem atenção...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música Popular
26
10/11/1974

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