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Aramis

Paiol ou a falta de um planejamento artístico

Maior que a frustração de ver a temporada de Nara Leão e do violonista Roberto Menescal, neste fim de semana, substituída por mais um espetáculo na linha pornô-caça níquel ("Três é melhor") no Teatro do Paiol, é de se considerar, mais uma vez, um problema que desafia administrações: a falta de um planejamento de marketing artístico para dar àquele que foi o espaço artístico mais movimentado nos anos 70, viver hoje às moscas - ou pessimamente programado. Nara Leão, 47 anos, um nome da MPB, madrinha morena da Bossa Nova, enfrenta há anos sérios problemas de saúde, sendo obrigada a reduzir suas apresentações - embora convites não lhe faltem, inclusive internacionais (os japoneses, há anos, insistem com uma nova temporada). Em novembro do ano passado, Nara e Roberto Menescal - seu produtor, arranjador, acompanhante e, sobretudo, o maior amigo - fizeram uma temporada em teatro de subúrbio no Rio de Janeiro, já que Nara não pretende viajar. No dia 10 de abril, no III Concerto Brahma Extra da Música Brasileira (Teatro Municipal do Rio de Janeiro), Nara, que havia participado dos ensaios, acabou se sentindo mal e impedida de atuar - substituída na última hora por Leny Andrade. Assim, nos surpreendeu quando a Fucucu/Secretaria Municipal da Cultura, com grande estardalhaço, há mais de 60 dias, anunciou que Nara e Roberto Menescal aqui estariam no fim de abril. Dentro de um pacote artístico aberto com a cantora Olívia Byghton e o pianista João Carlos Assis Brasil - e que deveria ter prosseguimento com a pianista Clara Sverner e o clarinetista Paulo Moura, na semana passada - e que também não vieram. No caso deste duo, não houve nem desculpa de doença, já que, felizmente tanto Clara como Paulo estão com boa saúde. Assim, mais do que o fato de uma programação artística ser anunciada e, na última hora, ter cancelamento - (o que é perfeitamente natural, já que problemas maiores acontecem) - o que se deve discutir é quais os critérios que devem nortear a programação de um teatro de características tão particulares como o Paiol. Com apenas 230 lugares, o Paiol não pode hoje mais pretender apresentar nomes nacionais, de grande prestígio, que têm cachês mínimos acima do que a bilheteria do teatro pode oferecer - a não ser que os ingressos sejam cobrados a mais de NCz$ 60,00. A idéia de subsidiar os artistas convidados - (como foi feito com Olívia Byghton e o pianista João Carlos Assis Brasil) - também é discutível, já que para uma Secretaria Municipal que tem um custo diário acima de NCz$ 5 milhões e que apesar disto vive alegando estar no vermelho, não há justificativa para aumentar o rombo com este tipo de despesas. Quando o Teatro do Paiol foi inaugurado em 27 de dezembro de 1917, a situação artística e de público em Curitiba era diferente. Existia apenas o auditório Salvador de Ferrante (o grande auditório ainda se encontrava em obras) e a administração da Fundação Teatro Guaíra, no calamitoso governo Haroldo Leon Perez (e nos que se seguiram) não tinha o menor empenho em prestigiar espetáculos musicais. Assim, o Paiol, com os bons fluidos de Vinícius de Moraes, Toquinho e Marília Medalha (mais o trio Mocotó) que o inauguraram (foi a primeira vez que Vinícius veio a Curitiba) teve um bom astral e grandes nomes da MPB - inclusive Dorival Caymmi e Silvio Caldas, fizeram apresentações históricas. Nara Leão, também ali esteve, quando apresentava um jovem cantor-compositor, em início de carreira, chamado Raimundo Fagner. O quarteto que os acompanhavam hoje não se reuniria nem com US$ 30 mil: percussionista Naná Vasconcelos, pianista Wagner Tiso, baterista Chico Batera e baixista Novelli. O tempo passou, a cidade cresceu, o auditório Bento Munhoz da Rocha Neto - com a imensidão de 2.200 lugares (10 vezes mais do que o Paiol) foi inaugurado e, naturalmente, o Paiol sofreu os reflexos de uma política cultural que, ao longo de quase duas décadas, não soube - ou não quis - entender a necessidade de adequá-lo a novos tempos. Resultado: pouco a pouco foi abandonado e, com poucas exceções, transformou-se em uma espécie de cemitério artístico, com temporadas de bons instrumentistas e cantores, conjuntos etc., tendo pequenas rendas - e desanimando outros a aqui virem. Formou-se o círculo vicioso; o público não vai e assim não há nomes de prestígio dispostos a virem se arriscar apenas pela magra bilheteria. Os grupos locais, com raras exceções, não despertam maior interesse. Qual é a solução para o Paiol? Idéias não faltam. O problema é encontrar o equilíbrio entre o interesse do público (que garanta casas lotadas), dos artistas (que tenham um bom retorno financeiro) e uma linha artística. Inútil pensar em nomes de superstars da MPB, que, naturalmente, preferem o grande auditório do Guaíra ou mesmo outras salas (Sesc da Esquina, por exemplo) do que os riscos do Paiol. Existe, entretanto, toda uma geração de novos artistas que, se bem promovidos, poderiam atingir uma faixa de público - ou então artistas do passado, esquecidos, mas que mereceriam um investimento (Johnny Alf, Claudete Soares, Cláudia, Luizinho Eça, Lúcio Alves etc.) que, nos anos 70, já tiveram casas cheias no Paiol. Artistas de uma nova proposta - como Eliete Negreiros, performática compositora instrumentista-cantora (na linha de Laurie Anderson), poderia atrair um público especial, desde que a promoção fosse bem conduzida (por que não em colaboração com um clube, no qual o artista também fizesse apresentações, garantindo assim um cachê básico e reduzindo os custos) e, principalmente houvesse empenho da Secretaria Municipal da Cultura (sic). Menina-dos-olhos do alcaide Jaime Lerner, o Paiol não pode continuar na base de uma programação irregular, desatenta e, principalmente desligada do que acontece na música. Não é um espaço para artificiais superstars - como a superbadalada Marisa Monte (que pede preços altíssimos para suas apresentações), nem artistas que são capazes de lotar grandes auditórios. O Paiol deve buscar aqueles novos valores - e revalorizar os antigos, esquecidos - numa política de marketing cultural, necessária aliás para todas as casas de espetáculos da cidade. O que, infelizmente, não acontece neste Estado pródigo em desperdiçar recursos na área cultural, sem melhor retorno. Deu no "Diário Oficial do Município", edição de 20 de abril último: o prefeito Jaime Lerner decretou a abertura de crédito suplementar à Fundação Cultural de Curitiba, no valor de NCz$ 43.870,00, "para reforço de dotação orçamentária". A verba, conforme está no decreto - assinado também pelo secretário municipal de Finanças, advogado Aldo de Almeida Júnior, destina-se não à programação artística e cultural, mas sim para "remuneração de serviços pessoais". Afinal, o quadro de servidores da Fucucu é dos maiores e consome quase todo o orçamento. Em janeiro último, o custo/dia da FCC/Secretaria era de mais de NCz$ 5 milhões. Com a inflação e reforços de verbas, evidentemente que está duplicando. Sem comentários... LEGENDA FOTO 1 - Nara Leão: Não veio por problema de saúde. LEGENDA FOTO 2 - Paulo Moura e Clara Sverner: Anunciados para o Paiol, não vieram. E a Fucucu não explicou a razão da ausência.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
30/04/1989

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