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Aramis

"Patty Hearst", o seqüestro discutido com inteligência

No início, as imagens de Bozan Bazelli são de uma beleza estética quase diluitivas da tragédia que a história (real) deve contar: Jogada num quarto escuro, a jovem Patty Hearst (Natasha Richardson) vê apenas os perfis de seus carcereiros e, machucada, humilhada, assustada, ouve ameaças terríveis. Em contrapartida, imagens surrealistas afloram: ela, venda nos olhos, com seus ricos familiares, tentando cumprir a exigência de oferecer comida a todos os pobres, o que significa mais de US$ 400 milhões. Pouco a pouco, entretanto, as imagens perdem o rigor estético-visual. São substituídas pela fotografia de um ambiente sórdido - uma casa bagunçada, ocupada por homens e mulheres, pretos e brancos, descuidados, frustrados e que falam (e fazem) muito em sexo. Política & Sexo. Ódio e violência. Ainda assustada, Patty tenta entender aquele mundo em que foi jogada, a partir de fevereiro de 1974, quando, saindo de uma das famílias mais ricas da Califórnia, aluna da Berkeley University, viveu uma experiência capaz de traumatizar o mais forte dos homens. Começa, então, a parte mais difícil para se entender o jogo do poder e domínio do seqüestrado e seqüestradores. Até que ponto a neta do magnata da imprensa americana, William Randolph Hearst (1863-1951), que em 1939 inspirou o "Cidadão Kane" de Orson Welles (1915-1985), sofreu a mais cruel das lavagens cerebrais para de seqüestrada do Exército Simbionês da Libertação à guerrilheira urbana, participar de assaltos a bancos, assassinatos, etc. - ou, simplesmente, viu nesta opção (?) uma "fuga" ao seu universo burguês (que, na primeira seqüência, nos jardins da Berkeley, ela mesma questiona). A coincidência de chegar ao circuito (e as locadoras, em vídeo) nesta época em que a escalada de seqüestros atinge níveis alarmantes, este filme baseado nos fatos ocorridos entre fevereiro de 1974 a setembro de 1975, nos Estados Unidos, envolvendo uma jovem de 19 anos, inteligente, milionária - e a sua surpreendente "adesão" ao grupo terrorista que a raptou, não poderia ser mais oportuno. Paul Schraeder, 44 anos, que antes de chegar à direção ("Vivendo na Corda Bamba", 1978) fez carreira como excelente roteirista, é um cineasta sofisticado, buscando um rigor visual como mostrou em "A Marca da Pantera" (1982) e "Mishima: Uma Vida em 4 Tempos" (1985). Em "O Seqüestro de Patty Hearst", vai além: discute até onde é possível a trajetória íntima da própria Patty Hearst (co-autora do livro "Every Secret Thing", em que baseou o roteiro), que após seus 18 meses na prisão - só sendo libertada por indulto presidencial. Se "Romero" é um filme que propõe uma reflexão política, em torno da violência militar, "Patty Hearst" não fica distante: é também uma visão da violência interna, do choque a cada um - e, especialmente, até (a)onde vai a resistência humana. Um filme que (também) merece ser visto.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
05/07/1990

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