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Perfil - Frei Miguel, os 25 anos do sacerdócio da pobreza

Nem os diretores da COHAB-CT até agora se lembraram de uma efeméride a acontecer dentro de 9 dias: os 25 anos da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, inaugurada pelo então prefeito Ivo Arzua e a primeira presidente do Banco Nacional de Habitação, Sandra Cavalcanti, em 10 de novembro de 1966. Primeiro grande conjunto residencial popular construído em Curitiba, hoje entre os mais de 40 mil habitantes do bairro proletário que se criou naquela zona da cidade, menos de 2% são de famílias que ali foram localizadas há um quarto de século. Os problemas sociais intensificaram-se - violência, tráfico de drogas, falta de assistência médica e de segurança - transformaram a Vila N. S. dos Pinhais numa área de conflitos sociais que desafiam sucessivas administrações. Somente no início deste ano, uma creche para atender 120 crianças foi instalada graças ao entusiasmo e dedicação de um sacerdote que é hoje um símbolo da Igreja em nossa cidade: frei Miguel. Se os 25 anos da Vila podem transcorrer sem comemorações - e é de se indagar se há razões para festejar uma data de um núcleo residencial que se desenvolveu de forma desregular, com agravamento das tensões sociais - motivos não faltarão para, dentro de cinco meses, se louvar aquele que, numa dedicação integral, tudo tem feito para ajudar a população e sua grande paróquia: os 25 anos da chegada de frei Miguel a Vila. Foi em 11 de fevereiro de 1967, que Dom Pedro Fedalto, arcebispo metropolitano, designou o italiano frei Miguel (Hilário Botatim), então ainda irmão leigo da Província dos Capuchinhos, para instalar a nova paróquia e comandar a construção da Igreja no terreno que o prefeito Ivo Arzua havia reservado. Quando frei Miguel chegou a Vila N. S. dos Pinhais ainda não tinha feito o curso de teologia, o que retardou sua ordenação oficial para 8 de dezembro de 1973. Era já, entretanto, um dos mais lúcidos integrantes da ordem dos Capuchinhos, na qual ingressou há 10 anos, no convento de Rovivo, na região de Verona - início de toda uma vida dedicada ao próximo. Passando pelo seminário em Bassano Del Greappa, próximo a Veneza, ao chegar em Padova, em 1942, teve um encontro definitivo em sua vida: por dois anos, foi assistente do já idoso e doente frei Leopoldo Mandic (Dalmacia, Iugoslávia, 12/05/1866 - Padova, 30/07/1942), que viria a ser beatificado pelo Papa João Paulo II em 6 de outubro de 1983. - "Eu era ainda um garoto quando conheci o frei Leopoldo, mas a sua luminosidade, sua grandeza, marcaram definitivamente a minha vida" - recorda frei Miguel, repetindo as palavras e ensinamentos do milagroso capuchinho. A vida do frei Miguel - 69 anos, completados no dia 14 de agosto - é daquelas que daria um belo roteiro de cinema. De uma família de 13 irmãos, quando nasceu, sua mãe - que sofria de câncer - morreu horas depois. Uma perda que o faz ter uma visão tranqüila sobre a morte - para ele com o significado do reencontro "com quem deu a vida por mim". Criado por uma irmã de apenas 10 anos (que também seguiria a carreira religiosa) seus estudos seriam interrompidos em fins de 1942, quando, ainda sem estar oficialmente na vida religiosa, foi convocado para o serviço militar. A Itália estava em guerra, Mussolini cairia posteriormente e o jovem Miguel acabaria passando 5 anos num campo de concentração na Baviera, "onde entrei com 70 quilos e saí com 38 - um dos 300 sobreviventes dos 7.400 presos que ali estiveram", relembra. Com o fim da Guerra, voltaria a estudar - desta vez em Milão, onde graduou-se em psicologia. Dali, poucos anos depois - seguiria para Angola, como professor de uma missão religiosa em Luanda. Desta época, veio uma das experiências mais dramáticas de sua vida: junto com um sacerdote numa visita pastoral a uma distante escola, foram presos por rebeldes do Congo Belga - então em sangrenta guerra civil da libertação - que trucidaram o religioso que o acompanhava, só o poupando, "porque assim Deus quis", recorda com lágrimas nos olhos ao lembrar esta tragédia. Traumatizado e abalado fisicamente voltou a Itália, de onde, após restabelecer-se, optou por uma nova missão. Desta vez o Brasil. Assim, em 2 de julho de 1956, com mais três irmãos religiosos - que acabariam retornando a Itália - aqui chegou. Durante dez anos foi professor em seminários em Curitiba, Ponta Grossa e Irati, até que dom Pedro Fedalto - procurando um religioso dedicado a desenvolver um trabalho pastoral com os desafios que o grande conjunto habitacional oferecia, o convocou para esta missão. Mesmo sem ter sido ordenado - pois lhe faltava completar o curso de teologia - frei Miguel revelou-se junto a Vila N. S. da Luz dos Pinhais de uma liderança extrema. A vivência com uma população pobre e carente, em sua palavra amiga e, sobretudo, ação decidida, o fizeram adquirir uma credibilidade e mesmo dimensão mística que ele recusa a aceitar: - "Sou apenas um sacerdote como os outros, dedicado a minha paróquia". Assim, entretanto, não pensam as milhares de pessoas que o procuram de forma até messiânica, como que o vendo como um homem dotado de poderes milagrosos. Em sua simplicidade, frei Miguel usa apenas o bom senso, a sinceridade e a palavra amiga - que o faz ter uma média de 700 fiéis a cada missa que reza (aos domingos, são três) e ouvir uma média de 5 mil confissões ao ano - números dos mais significativos numa época de esvaziamento das igrejas católicas. Na Vila N. S. da Luz dos Pinhais, apesar da insistência de ordens pentecostais e crescimento de tendas de Umbanda, a fidelidade à Igreja de São Leopoldo é uma constante. Preocupado com os problemas da população - "cada vez mais empobrecida, mais miserável" - frei Miguel, com imensos sacrifícios, semanalmente distribui cestas básicas de alimentação a mais de 130 famílias "e para o que pedimos ajuda de todos aqueles que possam auxiliar", conclama. Distante de qualquer comprometimento com os políticos que sonham com o seu apoiamento - o que ele sempre recusou - frei Miguel não deixa de ser rigoroso em seus sermões. Homem atualizado, com idéias precisas, aborda sempre temas do momento, como fez na semana passada ao criticar o livro "Zélia, uma Paixão", pelo "tom escandaloso, da falta de respeito" de uma mulher que ocupou o Ministério da Economia deste País, e que portanto, tinha uma responsabilidade muito séria em sua imagem". Com a morte dos freis Constantino e do padre Pedro (este da paróquia de São José dos Pinhais), frei Miguel é hoje o único exorcista da Arquidiocese de Curitiba. Lúcido, com seu preparo de psicólogo, desmistifica o sensacionalismo em termos da demologia, classifica filmes como "O Exorcista" de meras explorações comerciais, embora lembre que, por cinco vezes, já enfrentou casos comprovados de possessões demoníacas, o mais recente em janeiro último, de um jovem, trazido do Espírito Santo. Mais do que o Diabo, porém, sua preocupação é com os problemas terrenos - a intolerância, a falta de amor, a irresponsabilidade dos políticos e maus administradores, alarmado com o crescimento do tráfico de drogas na Vila nos últimos 5 anos e da escalada da violência - por 5 vezes, a sua Igreja e a creche foram vítimas de ladrões, aos quais já enfrentou a tijoladas - frei Miguel é totalmente contra a pena de morte. E reúne numa frase corajosa, a razão para tanto: - "Se a pena de morte fosse aplicada, as vítimas seriam os 4 "p": pretos, pobres, prostitutas e padres!". LEGENDA FOTO - Frei Miguel, exorcista da Arquidiocese e há 25 anos o vigário da Vila N. S. da Luz dos Pinhais.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
03/11/1991
Gostaria de saber onde posso encontrar a reliquia do Frei Leopoldo para comprar. Moro em Belo Horizonte/MG. Desde já agradeço pela atenção. Laura

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