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Aramis

As personalidades do Free Jazz

Qual o melhor momento do Free Jazz Festival? Independente da pesquisa que a Data/Folha promoveu durante o Festival, o fato é que as opiniões variavam conforme a faixa etária de cada entrevistado. Entretanto, dificilmente alguém deixou de se entusiasmar por dois momentos de maior criação-novidade trazidas nesta terceira edição: Philip Glass Ensemble, com sua música absolutamente fugindo as adjetivações (será new age? Será minimalismo? será música para ópera?) e, especialmente a Gil Evans Orquestra, que era a mais aguardada das apresentações. Quem viu a fase carioca, diz que no Hotel Nacional a apresentação da incrível orquestra liderada por este múltiplo instrumentista, compositor e, sobretudo arranjador, foi ainda superior a que fez no Anhembi, na noite de sábado, 12. Mas, o fato é que mesmo experientes jazzófilos, como Zuza Homem de Mello, um dos assessores artísticos do Free Jazz, admitia, após a apresentação de Gil e seus 22 músicos, ser absolutamente impossível uma classificação extra. Aos 75 anos, esbanjando uma vitalidade impressionante, cabelos brancos seguros por uma tira, camisas coloridas, Evans foi dos que mais circulou durante o festival. Assistiu a todos os shows e mesmo sem concordar em dar entrevista coletiva - "afinal já disse tudo o que tinha a dizer", justificava - estava sempre sorridente e atencioso, ao lado da esposa, uma bela morena, Anita - também percussionista e que, discretamente, atua na orquestra. Quebrando um pouco o machismo que caracteriza o jazz - em todo o Festival, apenas quatro mulheres subiram nos palcos do Hotel Nacional (Rio) e Anhembi (SP) - as cantoras Sarah Vaughan e Dora Chrenstein (do Philip Glass Ensemble) - a orquestra de Evans trouxe duas instrumentistas: Anita e Emily Michell Soloff, harpista - esposa do pistonista Lou Soloff, 54 anos, considerado o melhor executante deste instrumento no jazz que se faz hoje em Nova Iorque. Oficialmente com 15 nomes na ficha técnica, a Gil Evans Orchestra subiu ao palco com 22 figuras - incluindo Anita e Emily, e o percussionista Airto Moreira - que como aqui revelamos em primeira mão, já na semana passada, fez questão de manter no mais absoluto anonimato sua participação nas apresentações do Rio e São Paulo. Vestido de camisa verde, um pouco escondido atrás da parafernália de percussão - uma mesa imensa com dezenas de instrumentos dos quais este catarinense de Itaiópolis retira os mais incríveis sons - Airto levou o público do Anhembi ao delírio quando, pandeiro na mão, fez um curto solo. Antes, já havia dado uma força especial ao sintetizador (e cantor) Delmar Brown, quando entoou um belo tema: "Uma música que nem ele próprio batizou", nos explicava, depois do show o baterista Danny Gottlieb. Uma das características de Evans - que o faz virtualmente adorado pelos mais respeitados músicos de jazz - é a preocupação que tem para que cada um mostre, livremente, suas potencialidades no palco. Embora com partituras defronte suas banquetas, os instrumentistas da orquestra partem para vôos sonoros eletrizantes - nos quais até instrumentos como a tuba - são usados com resultados incríveis. No sábado, o gordo George Adams, sax-tenor, flautista - um jeito de árabe, olhos revirando nas órbitas - alongou-se por quase 10 minutos num momento especial. Entretanto, os instrumentistas que mais apareceram foram o guitarrista Hiran Bullock - também cantor, com voz original - e o sintetizador-man Delmar Brown. Este, um criolo de cabelos ao estilo jamaicano, não se satisfez em tirar os mais incríveis sons dos teclados fixos e, mostrando um instrumento que desenvolveu há poucos meses - surpreendeu pelo visual: uma espécie de asa delta, presa na cintura, trazendo em cada canto um miniteclado. Ligada por controle remoto ao superamplificador de seu sintetizador, permitiu que, a exemplo do guitarrista Hiran Bullock, andasse livremente pelo palco e mesmo se aproximasse dos espectadores nas primeira filas. Anteriormente, na abertura, Chick Corea já havia mostrado o seu "moog" portátil - oficialmente o "KX-5", uma espécie de guitarra com teclados, que sem a limitação de cabos - contactada por controle remoto a central de som - dando o máximo de liberdade. Na sexta-feira, Tom Schuman, do grupo Spyro Gyra, também havia tirado partido de um instrumento semelhante. Esta tecnologia extremamente avançada - Chick Corea chega a usar um computador, de painel colorido, sobre seus teclados - contradiz, no caso da apresentação da orquestra de Gil Evans, com sonoridade pastoral de uma harpa tradicional, executada por Emily Michell Soloff. E dentro da forma com que Gil faz os arranjos e distribui musicalmente o programa, tanto o som mais pesado de seus dez instrumentistas em metais (incluindo o filho, o trompetista Miles Evans, 29 anos - o nome em homenagem ao grande amigo Miles Davis) - até o som mais inesperado, como a percussão de Airto Moreira, une-se com a mais absoluta perfeição dentro de seu espetáculo. Conhecido até agora mais como o histórico arranjador dos três melhores álbuns de Miles Davis ("Sketches of Spain", "Pogy and Bess" e "Miles Ahead" - todos lançados recentemente pela CBS, na série "I Love Jazz") e só agora com um álbum na praça ("Svengali", WEA, feito em 1978), Gil Evans foi a grande personalidade presente nesta terceira edição do Free Jazz. Claro que Art Blakey, 68 anos, com seu Jazz Messengers - que se apresentou na sexta-feira, 11, antecipando-se ao segundo show de Sarah Vaughan - trouxe o jazz mais tradicional, com a perfeição que o faz um dos últimos grandes da era de ouro. Sarah Vaughan é um capítulo a parte - e portanto, merece também registro especial. O tecladista, um Michael Petrucciani e o guitarrista Jim Hall trouxeram momentos da maior emoção, na noite de abertura da fase paulista do Free Jazz Festival. Entretanto, jazz é "toda aquela música criativa" como repetiria o bom amigo Airto Moreira, segunda-feira, pela manhã, no lobby do Maksoud Plaza, antes de viajar para o Rio de Janeiro (de onde segue hoje à noite para Los Angeles). E realmente, jazz é aquela força sonora, de intensa voltagem, sem fronteiras rigorosas (e boçais) que representa um reaquecimento de emoções e energia - seja ao vivo, como nestas duas semanas em que o Festival pôde ser visto por mais de 30 mil pessoas, entre Rio e São Paulo - e que chega em seus melhores momentos à televisão (Globo, 0,30 hora) - além das gravações que foram colocadas na praça nestas últimas semanas. LEGENDA FOTO 1 - Chick Corea: um teclado portátil. LEGENDA FOTO 2 - Airto: público em delírio.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
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16/09/1987

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