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Aramis

POTY, MEU COMPADRE

Uma das maiores tristezas do Poty foi o dia em que chegou em Curitiba, para uma de suas habituais visitas a seus pais, dia "seo" Issac e dona Julia e ao procurador na primeira quadra da estreita Rua Marechal Deodoro, o pequeno Buraco do Tatu, não encontrou nem o bar - famoso por sua carne-de-onça, suas pingas e sua freguesia exclusivamente masculina, nem o casarão e só viu uma rua em ruinas. Isto faz quase dez anos, quando o então prefeito Ivo Arzua alargava as ruas da cidade e um pouco da antiga Curitiba desaparecia. Mas o que mais entristeceu Poty foi a negativa que recebeu de todos a quem perguntou pela placa do Buraco de Tatu com um desenho simples mas de extrema ternura. E talvez uma das maiores alegrias de sua vida aconteceu no ano passado quando um de seus amigos curitibano, surpreendeu em seu apartamento em Botafogo levando debaixo do braço cuidadosamente embrulhado, a velha placa do antigo Buraco do Tatu hoje funcionando no bairro das Mercês, mas sem o encanto do primitivo endereço. Poty é um homem que gosta das coisas simples. -X- Poderia aqui falar, com base em suas rarissimas confissões ou em pesquisas e depoimentos de amigos, do menino de calças curtas que caricaturava os ilustres fregueses do Vagão do Armistício, no Capanema e que tinha entre os seus mais fiéis freqüentadores o interventor Manuel Ribas, o que levava quase que todas as noites ao restaurante do "seô" Issac, os políticos e poderosos da época. Poderia-se também falar do jovem que partiu para a grande cidade em busca de seu lugar ao sol. Que viajou muito, morou no Exterior, voltou, fez exposições, casou com uma mineira maravilhosa - a mulher mais inteligente que já conheci Célia - e que hoje é um artista de expressão nacional. Mas isto tudo já foi dito. E muitas vezes apesar do silencio do sempre calado Poty, avesso a entrevista, a depoimentos. Mas capaz de falar horas e horas sobre os seriados de Buck Jones das balas Zequinha, dos westerna de John Ford ou dos romances policiais cuja leitura jamais dispensa. Poty é um homem que gosta de falar do tempo dos filmes do cine Broadway. E de Tom Mix. Quem é amigo de Poty? Melhor seria perguntar: quem não é amigo de Poty? Pois e impossível alguém não gostar deste curitibano de bigode que lembram, segundo diz maldosamente Carybé, um leão marinho, uma calvice em insistência e uma barriga em progressão ameaçadora, mas que o regime dos últimos meses, apesar dos nunca dispensados chopinhos, faz decrescer. Para minha inveja. Pois é . Poty tem amigos em todas as partes. No Parque Nacional do Xingu, onde já passou várias temporadas com os irmãos Vilas Boas, há índios que correm ao seu encontro, cada vez que ele chega - mesmo depois de ausência de vários anos. Em seu apartamento - com obras de arte que deixariam muitos diretores do museus com complexo de inferioridade, em Botafogo - é comum encontrar a noite, dois ou três imortais da Academia Brasileira de Letras Antônio Houaiss quase sempre Carybée, Jorge Amado, José Cândido de Carvalho, Caymmi e tantos outros: Ali também ia sempre um homem que não era muito de falar, mas sim de escrever: Guimarães Rosa. Mas que muitas vezes varava a madrugada, conversando com Poty. Falando de tudo de Minas Gerais, dos filmes da infância, de literatura. Pois Poty foi quem fez as capas e ilustrações de todos os livros do Guimarães Rosa. Assim como muitas capas de livros de Cândido de Carvalho, Mário Palmeira, Raul Bopp (a nova edição de "Cobra Norato" , por exemplo) e tantos outros - que se fosse aqui falar só ficaria em nomes e títulos, que são muitos e importantes. Poty é um homem que sabe desenhar. Como poucos no mundo. -X- E quantas obras de arte já fez Poty, este cinqüentão que aniversaria hoje com Curitiba? Não lhe perguntem, pois ele não saberia responder. No máximo resmungaria. Célia mais organizada (afinal ela é uma brilhante economista, ex-assessora de Ministros de Fazenda, tradutora emérita etc.), tentou uma vez fazer um levantamento somente daquilo que chama de "Obras monumentais". Mas são tantas que apesar do auxilio de um amigo fotógrafo, até hoje não terminou o cadastramento. São painéis, monumentos, peças diversas esculpidas em madeira ou fundidas em cimento que marcam a presença de seu trabalho e sua arte em vários cantos do Brasil. Em grandes e pequenas cidades. Como na Guanabara ou na Lapa, onde seu monumento ao Tropeiro virou atração turística e presença obrigatória em qualquer cartão postal da Legendária que sepreze. Aqui mesmo, em Curitiba, a presença de Poty está a cada esquina, ou melhor, a cada praça e edifício públicol 19 de Dezembro, 29 de Março (no antigo campo do Poty F>C> viva a feliz coincidência), na fachada do Guairão, no Hospital de Clinicas, no Banco do Brasil, na Escola de Engenharia, em breve na Escola Técnica e no novo prédio da Assembléia, enfim em um cem números de lugares. Sem contar os trabalhos feitos para amigos - como os dois murais na casa de Luís Gil Caldas ou encomendas. Que são muitas, quase dificeis de atender a todos. Seus talhas, seus desenhos e seus (raros) projetos de tapeçaria também estão espalhados por onde existem pessoas de bom gosto. E que tiveram a felicidade de conseguir um dia um de seus trabalhos. Poty é um homem que trabalha muito. Mas que nunca se sentiu cansado ao dar para os olhos de muitos a beleza que nasce em seu coração e que a razão transmite em suas mãos habilidosas. -X- Poty é um homem que acorda às 5 horas da manhã e começa a trabalhar. E que assusta Célia quando vai ao guarda-roupa e coloca uma camisa branca e procura uma de suas poucas gravatas. Pois isto significa que algum amigo morreu. Caso contrário, nunca ninguém o viu le gravata. E raramente de paletó. No ano passado, Poty deixou de colocar gravata um dia. Estava em Curitiba e no Rio morria um de seus maiores amigos o indianista Noel Nutels. Poty neste dia falou ainda menos. E seus olhos ficaram molhados e tempo todo. Hoje gostaria que Carlos Drumond de Andrade - outro de seus grandes amigos, calado como ele mineiro como Célia - escrevesse uma poesia ou uma crônica sobre Poty. Pois sinceramente acho que ninguém mais poderia dizer em palavras tudo que de bom Poty é. Poty meu compadre, padrinho de Francisco. Poty pertence a uma espécie em franca extinção em todo mundo. Os bons caracteres. Ou qualquer sinônimo que se queira usar: leal sincero amigo, gente legal. Todos eles ainda são poucos para explicar o Poty pessoa. Do Poty artista não é preciso falar. Basta olhar e ver o que de bonito ele já deu nestes seus primeiros cinqüenta anos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
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29/03/1974

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