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Aramis

Público não prestigia os filmes em exibição

Como o público curitibano parece mesmo que não sabe valorizar os bons filmes, a programação volta a cair em qualidade. Na semana passada havia excelentes opções, filmes que em outras capitais permanecem várias semanas em exibição mas que, ironicamente, nesta que dizem ser (que piada!) a "cidade-teste", exigente culturalmente (sic) e outras bobagens, são condenadas a ter até sessões canceladas. Assim é que um dos 10 melhores filmes do ano, uma pequena obra prima em termos de afetividade, como "Stanley e Iris", de Martin Ritt, só permaneceu duas semanas no Condor, devido a insistência do atlético Egom Prim, mas que não pode prolongar a temporada: a partir de hoje, aquele cinema da cadeia CIC faz algo inédito - reprisa o filme de terror "Cemitério Maldito" (Pat Sematary), de Mary Lambert, baseado no best-seller de Stephen King. O mais grave, entretanto, é o fato de "Inimigos - Uma História de Amor", de Paul Mazursky, honesta e sensível transposição do romance de Isaac Bashevis Singer (Prêmio Nobel de Literatura-1977), com três indicações ao Oscar - Lena Onin e Anjelica Huston como candidatas a melhor coadjuvante e de roteiro adaptado - ter também saído de cartaz. Um filme de primeira categoria, excelente elenco, história emotiva, excelente reconstituição da época (a Nova Iorque do final dos anos 40), trilha sonora fascinante de Maurice Jarre e que focando a vida de vários imigrantes judeus, não teve nem da parte da (também dita) culta comunidade israelita em Curitiba o prestigiamento merecido. Resultado: frente as rendas baixíssimas, hoje o Bristol já substituiu a programação por outro filme sem chances de fazer melhor renda - "Elas me Querem". Dois outros exemplares de como os curitibanos desperdiçam a chance de assistir, na tela, os melhores filmes: "Romero", quase um documentário sobre o assassinato do arcebispo de El Salvador, ocorrido em 24 de março de 1980, numa história de extrema atualidade, também não teve o público que, se imaginava, poderia atrair: as militâncias pelos direitos humanos, grupos religiosos mais evoluídos, universitários, etc. Já outro filme baseado em fatos reais - o seqüestro da jovem Patrícia Hearst, ocorrido na Califórnia, em fevereiro de 1974, numa digna transposição à tela em imagens de grande beleza, direção (e roteiro) de Paul Schraeder, também não resistiu a mais do que 7 dias (de sessões semi-vazias) em cartaz. Em compensação, os curitibanos estão felizes da vida, vendo filmes como "Os Bárbaros" (Cine Itália), "Duas Mulheres e um Pônei" (Morgenau), "Lua de Cristal", "Uma Escola Atrapalhada", etc., emplacarem ótimas bilheterias. "Elas me Querem", tem título que lembra programação do circuito do orgasmo, mas merece alguma tolerância. Sua direção e da alemã Doris Dorrie, que após ter realizado um dos maiores êxitos do cinema europeu em 1985 ("Homens / Manner", disponível em vídeo), chegou em 1988 aos Estados Unidos num gênero que parece familiar: a comédia dos costumes. A história do arquiteto Bert Uttanzi (Griffin Dunne, o ator revelado em "Depois das Horas"), que vive com a esposa (Ellen Greene, de "A Pequena Loja dos Horrores") no Brooklyn e sonha com uma ascensão social, de repente, numa situação surrealista (dialogando com o seu próprio pênis), pode sugerir bons momentos de humor. A origem é nobre: está num conto que o escritor Alberto Moravia (colaborador de Vittorio de Sicca em obras primas do cinema neo-realista), publicou em 1971, intitulado "Io e Lui". Um próspero produtor alemão, Bernd Eichinger ("Christiane F...", "A História sem Fim", "O Nome da Rosa"), bancou a produção desta comédia rodada em Nova Iorque, com elenco americano, mas com imagens de uma técnica alemã - Helge Weindler. Vale conferir nesta semana de poucas opções. "Batman", numa versão longa-metragem, produzida há 24 anos, pela 20th Century Fox, que na época passou no saudoso Cine Avenida, sem maior sucesso. Pois é! Como a versão-89 de "Batman" faturou os tubos e "Dick Tracy" parece que vai também estourar a boca do balão das bilheterias, os tycoons do estúdio da Raposa decidiram tentar reinteressar o público por esta acadêmica, quadradíssima e insossa aventura em que Batman e Robin (personagem que na versão 89 havia sido eliminada), vividos por Adam West e Burt Ward (que já faziam uma série na televisão), enfrentam todos os inimigos que Bob Kane criou: a Mulher Gato (Lee Meriwheter), o Coringa (Cesar Romero, nem pensar em compará-lo a Jack Nicholson), Pingüim (Burges Meredith), Charada (Frank Gorshin), etc. A trilha sonora de Nelson Ridle - um bom compositor - foi reeditada recentemente pela Polygram. O roteiro é de Lorenzo Semple Jr., e a fotografia de Howard Schwartz é esquemática - ao contrário do inovador exercício "noir" (em cores) que tanto glamorizou o "Batman" visto no ano passado. Enfim, qualquer comparação entre as duas versões seria covardia - mas vale para os fãs dos comics de Bob Kane matarem saudades daquele cinema que se fazia há três décadas. Para completar, o bravo Jorge Santos, do Cineclube Aníbal Requião, bem que poderia apresentar numa das sessões dominicais (e vespertinas) do seu Cine Morgenau, ao menos alguns capítulos dos antigos seriados de Batman & Robin. Mesmo que em cópias de videocassete, piratas, pois legalizadas, a disposição nas locadoras, não há. Agnes Vardá, 62 anos, foi a diretora mais famosa da Nouvele Vague. Nascida em Bruxelas, repórter e fotógrafa em Paris, estreou em curtas ("Saisons", "Opera Mouffé", etc.), mas a partir de 1962 faria filmes delicados, belíssimos plasticamente, embora acusados de serem vazios - "Cleo, das 5 às 7" (1962), "As Duas Faces da Felicidade" (1965), "As Criaturas" (1966). Infelizmente, nos últimos anos, seus filmes não chegaram mais ao Brasil - inclusive o elogiado documentário que dedicou em 1985 a atriz Jane Birkin. Por isto, torna-se interessante conferir "Os Rejeitados" - infeliz título que "Sans Toit ni Loi" de 1985, ganhou no Brasil. Apresentado originalmente no FestRio-86, só agora este drama sobre Simone Beron, a Mona (Sandrine Bonnaire), uma jovem "drop-out" da sociedade francesa, chega ao nosso circuito. O tema é antigo - a adolescente rebelde e infeliz, que não aceita as regras da sociedade e que tem um final trágico. Agnes Vardá, entretanto, dirige com competência e ternura, penetrando no mundo ácido de seus personagens deserdados e obtendo excelentes interpretações de Sandrine, Macha Méril, Stephane Freiss, Marthe Jordias e outros intérpretes desta produção que, como acontece costumeiramente com os filmes que a Fucucu exibe, não são precedidos do envio de qualquer informação - o que em nosso caso pouca diferença faz, já que dispomos de arquivos próprios, mas que prejudicam a divulgação em outros veículos - e mostram, mais uma vez, o descuido e incompetência do setor de cinema da área de cinema da Secretaria Municipal da Cultura, que é mantida com recursos pagos pela população. Uma curiosidade em "Sans Toit ni Loi": a trilha sonora, bastante interessante, é de uma mulher - Joana Bruzdowicz e a fotografia de Patrick Blosier. A verificar no Cine Groff. "A Insustentável Leveza do Ser", de Phillip Kaufman, baseado no best-seller de Kandera, retorna em boa hora: um filme classe "A", que trazendo Daniel Day Lewis no papel central permite compará-lo com a excelente atuação que faria em "Meu Pé Esquerdo" (de Jim Sheridan, que lhe valeu o Oscar e que continua em exibição no Cine Luz). Uma história de amor na Praga que antecedeu a Primavera de 1968, com envolvimento de vários personagens, belas atrizes - Lena Olin (vista até ontem em "Enemies - A Love Story") e Juliette Binoche, num filme com ótimo roteiro e que fascina o espectador. Questões políticas cruzando com idas & vindas nas vidas sexuais dos jovens personagens tornam "The Umbearble Lightness of Being" daqueles filmes que merecem revisão. Em reprise no Cinema I, em sessões apenas às 16 e 20h (sábados e domingos, 14h30, 17h30 e 20h30). "Trem-mistério" (Mistery Train), de Jim Jarmush, continua em exibição no Ritz. A propósito, eis a telegráfica-crítica que o sempre arguto Lelio Sottomaior Jr. nos enviou a propósito deste filme em p&b, que já chegou ao Brasil como cult-movie: "Mistery Train". Jim Jamursh, o diretor de "Mistery Train", parece um cineasta saído do "underground movie". Tudo que ele faz é estranho, excêntrico, completamente insólito. Para se ter uma idéia: o primeiro filme de Jamursh, "Stranger than Paradise", é feito de centenas de seqüências de somente um segundo (eu disse um segundo) de duração. Teria Jamursh criado o cinema intermitente?" LEGENDA FOTO 1 - "Elas me Querem": a alemã Doris Dorrie, estreando na produção americana, dirige Griffin Dunne e Ellen Greene numa comédia capaz de agradar. No Cine Bristol. LEGENDA FOTO 2 - Para o público infantil, "Lua de Cristal", com Xuxa e Sérgio Malandro, continua nos Cines São João e Plaza.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
8
06/07/1990

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