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Aramis

Quando os dias são cinzentos...

Que o film noir ou o chamado thrilling que tanto se desenvolveu nos anos 40, especialmente nas produções da Warner (e, mais tarde, na França) é um gênero que vem sendo reciclado com sucesso nos últimos anos não há dúvida. O fato das histórias destes gêneros, em suas transposições para a tela, serem normalmente, confusas (Howard Hawks, que dirigiu, em 1946, "A Beira do Abismo / The Big Sleep", declarou que nunca entendeu direito a trama de Raymond Chandler) não afasta o público que, afinal, hoje, tem uma abertura intelectual bem mais ampla do que as platéias de cinco décadas passadas. Só que no caso de "Morto ao Chegar" (Cine Astor, ainda hoje, 5 sessões) temos um thrilling como nos bons tempos mas que, para felicidade do espectador comum, é claramente explicado nas últimas seqüências - depois de vais-e-vens entre personagens que parecem saídos de um romance (ou conto) de Raymond Chandler (1888-1959) ou Dashiel Hammett (1894-1961), os dois escritores mais referenciados sempre que se fala neste gênero. Só que no caso, os autores da história original são Russel Rouse (1916-1987), diretor e roteirista americano que começou a escrever em 42 e a dirigir a partir de 51 (o cult-movie "O Poço da Angústia / The Well"), sempre em colaboração com Clarence Greene. Em 48, escreveram o roteiro de "D.O.A.", filmado por Rudolph Maté (1896-1964), fotógrafo e diretor, polonês de nascimento, a partir de 1934 nos EUA e pouco lembrado. Vinte anos depois, o mesmo argumento seria reaproveitado numa co-produção EUA - Austrália, direção de Eddie Davis, 87 minutos, com o título de "Color me Dead", que apesar de contar com nomes conhecidos no elenco (Tom Tyron, Carolyn Jones) nunca chegou ao Brasil (nem mesmo pela televisão). O argumento, entretanto, resiste e agora, numa roteirização ao qual Charles Edward Pogue recorreu ao script original de Rouse/Greene, a história foi atualizada, mas conservada basicamente em sua estrutura nervosa. Numa universidade do Texas, às vésperas do Natal (apesar do inverno, o calor é imenso, contribuindo para o clima de asfixia dos personagens), um professor, Dexter Cornell (Dennis Quaid), em crise por não conseguir mais produzir novos livros e abandonado pela esposa, envolve-se numa trama terrível (como nos melhores filmes de Hitchcook, o homem comum às voltas com o inesperado) após o misterioso suicídio de um de seus alunos, Nicholas Lang (Rob Knepper), que lhe havia confiado os originais de uma novela. Mais do que um suicídio, um assassinato - que se desdobra em muitas outras mortes, paralelamente ao fato do próprio Dexter descobrir que está envenenado e só lhe restam 48 horas - nas quais ele tenta encontrar o seu assassino. Evidentemente, que a surpresa final exige que não se vá mais além da sinopse, mas a ação é intensa e uma dupla talentosa, vinda de trabalhos do cinema gráfico e desenvolvido inclusive com computadores, Rocky Morton e Annabel Jankel, mostra ter mãos apropriadas para revisar o gênero noir, inclusive com a utilização de imagens preto e branco (no início e final), numa forma eficiente para ressaltar o pesadelo em que se transforma a vida de Dex. Um clima pesado - o calor, suor, desejos reprimidos, personagens que surpreendem o espectador a cada novo dado, um bom elenco de gente jovem - como Meg Ryan (vista ao lado do próprio Quaid em "Innerspace, Viagem Insólita" e Charlotte Rampling, fazem deste uma excelente opção a quem quer assistir um filme de suspense, como nos bons tempos. De sobra, uma trilha sonora excelente, de um novato chamado Chaz Jankel, que nem o maior expert em sound tracks, Clecius D'Aquino (da loja "Raridade") ainda conhece. Vá ver o filme ainda hoje, pois infelizmente, não ganhará uma segunda semana - como mereceria se a platéia curitibana não fosse tão mal informada.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
08/08/1989

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