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Aramis

A rapsódia mineira do poeta J. Simões

Nos campos de Minas viajo no tempo Na noite de pedra navego no tempo Cavalgo cavalos de crinas crispadas de boca espumando a baba do tempo. João Manoel Simões, poeta, não viaja apenas geograficamente. Viaja no tempo e, naturalmente, na poesia. Há alguns anos. Foi uma volta à Europa de sua infância que já se transformou no muito elogiado (e lá reeditado) "Rapsódia Européia". Agora, de andanças pelas Alterosas, em cidades históricas nas quais inconfidentes e poetas deixaram marcas e memórias. Simões, com toda sensibilidade, extraiu inspiração para seu belo "Rapsódia Mineira" (edição Philobilion, Rio de Janeiro, 50 páginas). Ao lado de Helena Kollody - hoje, merecidamente, reconhecida e estudada em sua dimensão de Poeta Maior, João Manoel Simões é um poeta que, a cada ano, num trabalho intelectual alcança novas dimensões. Não sou eu, simples jornalista, que afirmo: são críticos nacionais como Almeida Fischer, que em recente artigo (suplemento "Cultura", "O Estado de São Paulo"), falando sobre seus "Sonetos Escolhidos" o classifica de "um grande poeta do nosso tempo" e "um mestre do moderno soneto brasileiro". Reynaldo Bairão, no "Jornal de Letras", falando sobre "Rudepoema ou Peregrinado Ad Loca Iniqua" (1985) e "Ode Para O Alferes Joaquim José da Silva Xavier" (também de 1985), chegou a se referir a uma "genialidade calma". Há um mês, Caio Porfírio Carneiro, no suplemento "Cultura", considerou os poemas de "Túnel Circular" muito acima da média do que se faz hoje no Brasil e, analisando o ficcionista Simões, um autor marcante - classificou "O estranho caso dos espelhos que envelheciam" um conto perfeito. Isso depois de considerá-lo, antes de tudo, um excelente poema. Se há 7 anos, foi à Europa revisitada que resultou numa rapsódia poética, agora é Minas Gerais, com suas cidades históricas, que inspirou a este "Concerto Barroco" de Simões, que olhando os musgos do tempo sobre os telhados de Ouro Preto, "a hera do tempo alastra-se nos muros barrocos de Sabará", clama numa "Cantata Barroca". A água do tempo inunda tudo, tudo - barrocamente. Estamos submersos sob o mar do tempo, náufragos barrocos: quem nos salvará? A leitura desta "Rapsódia Mineira", por coincidência num 21 de abril - dia de Tiradentes - transpõe o leitor ao mundo que ficou em pedras e memórias que, vistas com a sensibilidade de um poeta da dimensão de João Manoel Simões, se traduzem em palavras perfeitas, como nesta sua "Congonhas, ao Sol", no qual diz: A lepra do tempo vai roendo devagar Os doze profetas de pedra-sabão do Aleijadinho Mas os profetas agora já não profetizam Limitam-se à leitura, nas manchetes enormes dos jornais diários, do copy desc das suas profecias de antigamente. Saber ver mais do que a simples referência histórica e artística, diferencia o poeta da pessoa comum. Assim, Simões apreende em sua lírica a falta do lampião a gás ("Aqui havia outrora um lampião a gás / que é feito dele agora? / Quem apagou / o leve acetileno / que tanta falta faz, com seu arfante / aceno / dourado / azul, fugaz?") Em Sabará, no Museu do Ouro, o poeta Simões diz: Ouro de Minas Gerais / breves pedaços de sol Semeados pelo chão, Ouro por cujas mortais Pepitas tanta traição Se comete neste mundo, ouro de sangue e de luz, de crime, de perdição, Ouro que compra, senhor que conduz à escravidão, Ouro que cega o olhar, ouro que queima na mão! O poeta Simões sabe retirar de cada momento, de cada velha ladeira, de cada construção secular, das pedras das calçadas e ruas percorridas por inconfidentes, aquela sensibilidade que chega a nós, como uma música daquele período - ou uma transposição como outro mineiro, de tanto talento, Wagner Tiso, fez para as imagens belíssimas do até hoje, imerecidamente inédito, "Chico Rei", filme de Walter Lima Filho. A "Rua Direita", de Ouro Preto, Simões declama na página 21 de seu livro: Naquela casa velhinha, Quase em ruínas, tristonha, é o silêncio que mora, é a saudade que sonha. A passagem do tempo, inexorável, preocupa o poeta: Por sobre estas pedras gastas, Quanto passado passou, igual às águas de um rio triste e puro que secou... Poeta de vôos maiores, trabalhando incessantemente com as palavras, Simões sabe também ser simples e universalmente belo, numa trovinha sem compromisso: Vila Rica, Vila Rica, onde as igrejas são tantas, que as pessoas que lá moram, mesmo pecando, são santas... Amigo e correspondente de Carlos Drummond de Andrade - que repetidas vezes tem louvado seus poemas e contos - Simões não deixaria de visitar Itabira, onde o poeta maior do Brasil nasceu - hoje saudades do que foi, com a Vale do Rio Doce derrubando suas montanhas, flores e poesia. Mas havia também, se não me falha a memória uma foto de Itabira no meio da parede. Era uma pedra esmagada, retangular, em preto e branco Talvez se fosse colorida ela doesse menos. Mas era em preto e branco e sempre que o Drummond a via, parecia uma pedra jogada no charco da memória, entre o surdo coaxar das rãs inexprimíveis da saudade.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
23/04/1987

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