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Aramis

Reflexões bem humoradas e dramáticas do Brasil 1964

Gramado - Duas maneiras de (re)ver o golpe militar e os anos duros da revolução. Com humor e ironia, como fez a estreante Maria Letícia em "1º de Abril, Brasil" - ou com o rigor documental, como fez a jornalista e cineasta Lúcia Murat, em "Que Bom te Ver Viva" - que será mostrado hors concours, na sexta-feira e que ontem teve uma exibição especial para a imprensa. São dois momentos de cinema político deste Festival que, ao contrário dos anos anteriores - quando era inclemente a ação da censura - tem uma linha que se pode até chamar de digestiva nos filmes em competição. David Neves, com "Jardim de Alah", continua a fazer sua crônica carioca, iniciada em "Muito Prazer" e que prosseguiu em "Fulaninha". O talento de Fernando Sabino - que chega hoje em Gramado - motivou duas adaptações de suas obras, "O Grande Mentecapto", de Oswaldo Caldeira (programado para hoje à noite e que amanhã estará no Lido II, 5 sessões) e "A Faca de Dois Gumes", de Murilo Salles - a exemplo de "Doida Demais", de Sérgio Rezende, um thrilling com um ritmo que promete. "Festa", mostrado na terça-feira, foi um filme introspectivo, na linha huis-clos de trabalho com personagens bem definidos. Portanto, é natural que os filmes de Maria Letícia e Lúcia Murat despertem interesse especial. Maria Letícia Gonçalves de Oliveira, 42 anos - completados dia 28 de março, carioca, advogada da turma de 1973 da Universidade do Brasil, é filha do ministro Antônio Gonçalves de Oliveira, hoje com 80 anos, que em 1968, renunciou, em protesto a cassação dos seus colegas Hermes Lima, Vitor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva. Em março de 1964, Maria Letícia, então com 23 anos, morava em Brasília, onde estudava Relações Internacionais (só depois viria a fazer Direito, após a frustração de ter que abandonar seus sonhos de arquitetura devido as dificuldades com a matemática). Entretanto, mesmo tendo trabalhado por três anos como advogada, a arte foi mais forte e ela começou a fazer dança, mímica e teatro - atuando em filmes como "Marília e Marina", de Luiz Fernando Goulart (inspirado num poema de Vinícius de Moraes), "Um Brasileiro Chamado Rosa-Flor", de Geraldo Moraes e "Amor Maldito", de Adélia Sampaio. No teatro, depois de "A Dama de Copas e o Rei Cubas" e "Feira Livre", fez a peça "Vejo um Vulto na Janela, me Acudam que Eu Sou Donzela", de Leilah Assumpção, na encenação carioca, em 1981, dirigida por Glorinha Beuttemmuller e Emiliano Queiroz. Foi quando surgiu a idéia de fazer um filme baseado nesta comédia que se passa no interior de uma república de mulheres, dirigida por uma personagem autoritária e que reflete o espírito da época. Antes, porém, de chegar a realização do filme - "Suados quatro anos de esforços e agitos, no qual investi até a venda de meu escritório", conta Maria Letícia - fez um curta chamado "Deus lhe Pague" (1982), inspirado num modelo de Maurício Arraes ("A Morte e a Coca-Cola"). "Foi um início da paixão pelo cinema, que me levou a fazer das tripas coração para conseguir realizar "1º de Abril, Brasil", diz Letícia, tipo mignon, aparência frágil, mas de muita garra. Com um elenco basicamente feminino (os personagens masculinos interpretados por Emiliano Queiroz, Chico Dias e outros, praticamente não tem falas), o filme utiliza apropriadamente trechos de documentários da época, num expressivo trabalho de montagem de Marília Alvim - e graças ao que, figuras famosas da época - de Jacqueline Kennedy a João Goulart - acabam integrando-se no universo fílmico. Como a primeira cópia de "Que Bom te Ver Viva" não ficou pronta a tempo de ser inscrita em Gramado, "Que Bom te Ver Viva", também marcando a estréia de uma cineasta, Lúcia Murat, não pode concorrer. Entretanto, foi convidada para ser exibida na sexta-feira (após "Doida Demais", de Sérgio Rezende), já que se trata de um filme sério e importante. Aborda a tortura durante o período da ditadura, mostrando como suas vítimas sobreviveram e como encaram aqueles anos de violência 20 anos depois. O filme mistura ficção e documentário: os delírios e fantasias de uma personagem anônima (interpretada pela excelente atriz Irene Ravache), alinhavam os depoimentos de oito ex-presas políticas brasileiras que viveram situações de tortura. Voltaremos a falar deste filme, com mais detalhes, em próxima coluna. LEGENDA FOTO - Cena do filme "1º de Abril, Brasil", concorrente em Gramado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
14/06/1989

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