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"Rei da Vela"incendeia agora a tela do cinema

Quando Nilton Nunes começa a detalhar as dificuldades de lançamento de "O Rei da Vela", finalmente pronto e liberado há 2 anos, mas até agora praticamente inédito. José Celso Martines Corrêa o interrompeu e, citando Jean Paul Sartre, disse que o importante não era lamentar o que não haviá acontecido, mas, sim, o que poderá e deverá acontecer. Assim, apesar do frio e de já passar da meia-noite, meia-centena de pessoas, especialmente jovens cineclubista, permaneceram até às 2 horas da manhã, no gelado cine Groff, na madrugada de quinta-feira, ouvindo os autores de "O Rei da Vela" sobre esse filme que se tornou mitológico antes mesmo de chegar à tela, já que sua rodagem e liberação, passaram-se onze anos. Nilton Nunes (cineasta e co-realizador de "O Rei da Vela"), que tem estado regularmente em Curitiba (agora coordenou um curso de cinema e vídeo), já marcou a estréia de "O Rei da Vela" para dia 23 de agosto, no cine Groff, paralelamente ao lançamento no circuito Belas Artes, em São Paulo. Originalmente, Zé Celso sonhava em transformar o antigo Teatro (hoje Uzyna) Oficina, num cinema alternativo, exibindo justamente "O Rei da Vela". Entretanto, as vacas estão magríssimas, na Embrafilmes, e o projeto de fazer da exibição desse filme um evento múltiplo e polêmico - e que há um ano custaria Cr$ 14 milhões - foi para as calendas. Agora, para evitar que não se repita o que já aconteceu com tantas outras produções nacionais, que jamais chegaram aos circuitos de exibição, seus realizadores estão preocupados em que "O Rei da Vela" chegue ao público, mesmo que através de circuitos alternativos. xxx Um porre tropicalista. É uma das muitas adjetivações que cabem em "O Rei da Vela", na verdade muitos filmes num só. A filmagem linear da peça de Oswald de Andrade, publicada em 1933 e que na montagem demolidora de Zé Celso, no Oficina. Em 1967, foi o grande escândalo cultural da década. teve um registro de 16mm. Quando de sua última temporada no Teatro João Caetano. Já quatro anos depois, na temporada carioca. Na época, à peça linear foram acrescidas cenas exteriores e o elenco, obviamente, havia sido bastante alterado, embora o excelente Renato Borghi continuasse na criação do personagem Abelardo I. A prisão e exílio de Zé Celso, levando os negativos rodados por suas andanças da França a Mocambique, mil dificuldades no retorno para montar o filme, a associação com Nilton Nunes e, finalmente o filme concluído, que exibido, em Gramado, no festival de 1983, recebeu quatro premiações especial do júri, montagem, trilha sonora e menção honrosa de atriz (Henrique Brieba). Curiosamente, a montagem de Nilton Nunes foi o trabalho de tirar a linearidade da peça, dividida em seus 3 atos, e juntar além de 30 minutos de cenas das mais diversas: violência policial no ABC, documentários, imagens de Carmen Miranda e até filmes familiares, rodados pelos pais de Nilton e Zé Celso. O resultado foi uma copia de quase seis horas, reduzido, após muito sacrifício, a 160 minutos, o que torna o filme (para quem não esteja muito ligado a toda uma proposta que traz) cansativo e discursivo. Justamente, essa atomização de imagens, linguagem não linear, ruptura do tradicional - fazem de "O Rei da Vela" um cult movie destinado a ficar na história cinematográfica - mas sofrendo, no momento, a segregação comercial. Poucos exibidores tradicionais se acorajarão a exibi-lo. xxx Pela riqueza da imagens e pelo que "O Rei da Vela" representou na resistência cultural dos anos 60 - justamente no período pósgolpe de Abril/AI-5/Repressão/Violência - temos que ver esse filme como um documentário amargo, cruel - propositalmente anárquico - de um dos períodos mais negros dos 20 anos de ditadura militar. José Celso Martines Corrêa, paulista de Araraquara, 51 anos, um talento criador teatral e que passou todas as experiências possíveis nos últimos 25 anos, mostra-se o mesmo e entusiasta animador cultural dos tempos em que montava peças de Brecht e Oswald de Andrade. Cabelos brancos, confessando seu eterno inconformismo, afirmou de seu entusiasmo em voltar a dirigir uma peça - o que lhe tem sido negado até agora. Já Nilton Nunes está mergulhado no projeto de um filme fascinante, "Fronteiras", baseado em expedições feitas por Euclides da Cunha - uma produção ainda no marco zero, mas citada várias vezes ao longo de "O Rei da Vela". xxx "O Rei da Vela" se inscreve na categoria de filmes-explosão. Não se trata de uma obra convencional, para se "gostar "não gostar". É um cult-movie, assumido em todas as suas contradições - e que, como uma Esfinge, desafia o espectador. A publicação de uma espécie de guia ilustrado, em lançamento da editora Escrita - e oficialmente lançado na noite de quarta-feira no Groff - pouco ajuda a entender a trajetória desse filme mítico, que agora, 13 anos após ser rodado, chegará às telas, para debates e considerações do público que se dispuser a conhecê-lo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
26/07/1984

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