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Aramis

Sérgio Mendes, agora o som do "Brasil 88"

O sucesso e a fama custam caro. Vencer nos Estados Unidos, "onde o primeiro é o primeiro, o segundo é nada" tem feito muitos brasileiros que encontraram, a duras penas, o seu espaço americano, sofrerem as mais maldosas críticas no Brasil. Os que aqui ficaram, não perdoam que Sérgio Mendes, Eumir Deodato, Laurindo Almeida, o falecido Bola Sete, Airto Moreira, Manfredo e tantos outros que preferiram os Estados Unidos, acusando-os de "diluidores" da MPB, entreguistas sonoros etc. Claro que cada um - e há dezenas de outros nomes que poderiam ser acrescentados numa listagem - fizeram das tripas coração para encontrar o seu lugar. Alguns com maior êxito financeiro, outros nem tanto - mas todos por lá foram ficando há 30 (caso de Laurindo Almeida) anos, ou ao menos após 1964/75, quando não por razões políticas, mas pelo próprio enfraquecimento do mercado, passada a euforia da Bossa Nova, muitos entenderam que a saída do músico brasileiro era o portão internacional do Galeão, como teria dito Antônio Carlos Jobim e que Maurício Einhorn não se cansa de repetir - embora os dois continuem no Rio (Tom, é verdade, vai para os EUA a hora que deseja, já que é o brasileiro de maior prestígio internacional desde "Garota de Ipanema", por sinal na trilha musical de "A Cor do Dinheiro", em exibição no Lido II). Sérgio Mendes, 46 anos, em 23 anos de Estados Unidos, ganhou seu espaço, fama e, especialmente, muito dinheiro. Do pianista bossa novista das jam-sessions no Little Club, do Rio de Janeiro (em 1961, liderando o Brazilian Jazz Street, chegou a participar do II Festival Sul-Americano de Jazz, no Uruguai) transformou-se num organizado produtor e empresário que, ao longo de quase duas décadas e meia soube adaptar-se ao gosto americano. Claro que fez concessões, deixou a brasilidade pura em termos sonoros, mas nem por isto deixou de fazer uma música agradável, de grande comunicação e que tem "mixado" profissionais brasileiros e americanos. De seu "Brasil 66" chega agora ao "Brasil 88", num álbum (A&M Records/Polygram) que mostra, antes de tudo, um profissional de grande capricho e esmero. Sérgio Mendes tem que ser ouvido/entendido como ele é: um músico-empresário que realiza um trabalho de acordo com o mercado em que vive. Só que o faz de forma competente e apurada e mostra isto, mais uma vez, num álbum que se ouve com imensa satisfação da primeira a última faixa. Não é um disco para quem busca música criativa, jazz ou inovações. Em compensação, também não é estridente, irritante e cansativa como tantos produtos que buscam o chamado mercado jovem. Aliás, há muito que Mendes entendeu que é importante saber envelhecer com o público - e assim sua produção musical, mesmo sendo aceita pelas faixas mais jovens se destina, antes de tudo a faixa de meia idade, americana - mas com segmentos internacionais. Nesta sua nova produção, dividiu quase todos os arranjos com Peter Wolf e arregimentou, como sempre faz, bons instrumentistas, como o percussionista Paulinho da Costa (outro brasileiro que deu certo nos EUA) e Jeff Porcaro e o saxofonista Ernie Watts. Se Mendes domina os teclados - dos mais sofisticados, possíveis, com a tecnologia contemporânea - sabe também apoiar seus arranjos ( e dos que com ele trabalha, como Peter Wolf) em vocais, nos quais a brasileira (e sua esposa) Gracinha Leporace, soma-se inúmeras outras vozes. Nestes últimos 20 anos, pelo Brasil 66 (depois 77 e hoje 88) de Mendes, já passaram inúmeras vocalistas de talento, algumas das quais - como Lenni Hall - hoje em carreiras solo. A grande participação neste novo disco de Mendes é de Dori Caymmi. Aos 44 anos, este grande compositor, cantor (embora raramente mostre sua bela voz, que tanto lembra a do pai) e, sobretudo arranjador, tem obra das mais marcantes. De Fôlego internacional, como, astutamente, Mendes percebeu, ao convidá-lo para participar como co-arranjador, músico e mesmo vocalista em uma faixa ("O Rio", do poeta Fernando Pessoa, originalmente musicado para o álbum que Olivia Hime produziu em homenagem aos 50 anos da morte do poeta português). De Dori Caymmi, temos suas parcerias com Paulo César Pinheiro que ganharam na versão americana os títulos de "No Place To Hide", "Your Smile" e "Flower of Bahia" - as quais, por si, já tornam indispensável a aquisição deste disco. Afinal, Dori Caymmi é daqueles artistas cuja obra espalha-se pelas gravações de outros intérpretes, grupos e instrumentistas, ficando sem uma unidade maior - mas que é tão significativa. Há muitas músicas novas no álbum - "Nonstop" (Boe Snifrin/Bob Marlette), "It Hurts A Whole Lot More" e "Here Where I Belong" (Tom snow) de Tom Snow; "Take This Love" de John Parker/Peter Beckett; "What Do We Mean To Each Other", de Peter e Ina Wolf. Não poderia faltar ao menos uma composição de Mr. Mendes: "Day-light", parceria com Peter Wolf e Diane Warren - aliás o único tema exclusivamente instrumental do disco, com Sérgio e Wolf nos teclados eletrónicos, Porcaro e Paulinho da Costa na bateria e percussão e Dann Huff na guitarra. Mendes resistiu por mais de 20 anos, do Brasil 66 ao Brasil 88. Vamos ver se chega ao Brasil 99. Se depender dele, chegará. E com o mesmo espírito comercial-musical.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
24/05/1987

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