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Aramis

Seria cômico, se não fosse triste...

É ABSOLUTAMENTE legitimo o direito de qualquer pessoa que julgue ter algum talento artístico tentar uma carreira, fazer apresentações públicas - consciente, entretanto, dos riscos que corre, das críticas negativas que pode sofrer e, principalmente, da recusa do público de aceitar o seu trabalho. Desonesto, entretanto, é apresentar-se em nome de uma cultura, de uma raça, enganar o público incauto e pretender oferecer aquilo que é falso. E é, justamente neste aspecto, que se concentra o aspecto mais grave do que ocorre com uma cantora e compositora, dita índia da tribo dos Carajás, que saindo da Ilha do Bananal, com seis anos de idade, foi criada por uma família de Anápolis, até ser iniciado há 5 anos, apresentações em shows, estimulada inicialmente pelo casal de cantores Eduardo Araújo e Silvinha. Contratada pelo empresário Zezé Moreira (Deolmir José Moreira), com escritórios instalados em Curitiba, na Rua Marechal Deodoro, 45 e em São Paulo, na Rua Augusta, 1419, Tayná, acompanhado por um septeto, vem cumprindo várias apresentações, segundo ela, "em universidades, clubes e teatros" - ganhando, em cada uma delas, ainda segundo sua própria informação, Cr$ 20.000,00. xxx O empresário Zezé Moreira solicitou a cessão do Guairão no dia 18 de março último para um show do cantor Luís Américo. Sem comunicar à direção artística da casa, substituiu pelo show de Tayná, cobrindo a cidade de cartazes alaranjados, onde intitulava o espetáculo de "Rock Concerto made in Tupi-Guarani". O fato foi aqui denunciado como uma prova maior do colonialismo cultura. O conselho deliberativo da FTG não autorizou a cessão do auditório, já que o processo não mencionava este tipo de espetáculo, a foramalizar o pedido, intitulando então o espetáculo como "Tayná, a voz da selva", excluindo a frase 'rock concert made in Tupi-Guarani". E, finalmente, na noite de sábado, 29, o menor público que já compareceu ao auditório desde sua inauguração (12/12/1975) - exatamente 33 pagantes (Cr$ 50,00 o ingresso) e 26 convidados num total de 59 pessoas, assistiu a um espetáculo que realmente preocupa a quem tem a mínima, consciência sobre aquilo que se pode classificar de cultura e musica brasileira. xxx Nem de longe se pretende aqui fazer uma análise ou apreciação critica do talento ou não de Tayná Turi Di Ynãn (seu nome completo), compositora e intérprete das 10 músicas divididas ao longo de um programa de quase duas horas. Nem se discutirá também a capacidade dos sete músicos que integram o conjunto Os tropicanos, que abrem e encerram o espetáculo, fazendo também dez minutos de números solos, no intervalo, exclusivamente com o mais estridente rock. Jurandir Evaristo (guitarra solo), Antônio Luiz Vaz (guitarra-base), Armando Teixeira (guitarra baixo), Lindomar Sá (órgão), Arlindo Vieira Rodrigues (baterista) e Lorito Cordeiro Gonçalves (órgão, baixo), são músicos jovens, evidentemente cumprem um contrato profissional. Como milhares de outros músicos precisam desenvolver um trabalho que lhes garanta a subsistência. Num direito legítimo. xxx O trágico e lamentável - que seria cômico se não fosse triste - é a maneira com que é colocado o espetáculo no palco. Identificando-se dezenas de vezes como uma índia que apresenta "a cultura e a música do povo indígena brasileiro", Tayná dança, pula, gesticula e emite gritos. Acompanhada das mais estridentes guitarras elétricas, numa mistura incrível de sons, que não têm, absolutamente a menor identificação com as raízes pretendidas. Suas canções (?), com os títulos de "Rauaraxarru", "Chava Amarunay", "Devolva Minha Paz", "Danalncy", "Sansy", "Eu Vou Sacudir o Mundo", e "Rock an Roll" não resistem a mais benevolente apreciação em termos musicais. Mas isso não nos interessa registrar, pois com ou sem valor artístico, ela tem todo o direito de cantá-las. O lamentável - e isto sim merecedor de denúncia - é tentar impor este tipo de trabalho, sem qualquer base cultural-antropológica válida, como representativa de uma "cultura musical indígena", como Tayná repete várias vezes, ao longo de seu show. Aliás ela fala muito, cometendo erros grosseiros de português e pronuncia - o que seria compreensível e desculpável numa índia autentica, mas imcompreensível nela, que se diz aculturada, aluna do 2o ano do Curso Comercial do Colégio Piratini, em São Paulo, após ter passado vários anos no Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Anápolis, em Goiás. xxx Poderia-se, mesmo, tentar aceitar o trabalho musical de Tayná como a "estilização" sobre temas indígenas, numa nova linguagem, para atingir um novo público - no caso o jovem. Mas também não é possível assim raciocinar: não há um único momento em todo o espetáculo que mostre a menor pesquisa de caráter antropológico-musical, o uso de instrumentos indígenas (ao contrário, apenas uma parafernália eletrônica, luzes estraboscópicas que ferem os olhos do público, em seu apagar-acender insistente e o uso de uma câmara de eco que dificulta ainda mais quando Tayná fala entre uma e outra música). Normalmente, um espetáculo como o que ocorreu sábado, no Guaíra - com o menor público registrado naquela casa em três anos (uma renda de Cr$ 1.500,00, quando só o aluguel mínimo é de Cr$ 5 mil) não justificaria que se dedicasse tamanho espaço. Nada também temos contra o seu empresário, que segundo declarações de Tayná é o responsável artístico por sua carreira. Apenas, o choque é tão brutal, a mostra de colonialismo e servilismo ao que existe de pior no pop internacional é tão grande (a própria Tayná diz que adora rock e compõe muitas músicas em inglês, embora não fale nem leia aquele idioma), que se fica a indagar: quem é o maior culpado por um show tão triste como este. Tayná, uma mulher simpática e atenciosa, que busca uma comunicabilidade para com o público, por certo não é. Ao contrário, talvez e seu talento pudesse ser melhor conduzido, desenvolvendo inclusive um trabalho de raízes, honesto e válido. Os músicos que a acompanham também por certo estão apenas cumprindo um trabalho profissional, fazendo aquilo que sabem: o rock estridente. Entretanto, por um dever de brasilidade, é impossível calar frente a um descalabro desta natureza. Chega a ser patético ver no palco uma indígena dando gritos abafados por guitarras elétricas, cantando uma música intitulada "rock and roll", depois de ter falado, por muitos minutos, sobre "o seu povo" e de que veio ao palco para mostrar a música "legitima" da Ilha do Bananal. Imagine-se um turista estrangeiro, desavisado, atraído ao teatro e vendo e ouvindo este espetáculo: guitarras elétricas, músicas que falam de Rock'roll, como exemplo cultural da Ilha do Bananal. Por certo, antropólogos e indianistas - de cândido Rondon aos irmãos Villas-Boas, se chocariam ao ver mais esta forma de exploração da raça indígena brasileira: o colonialismo musical. Afinal, existem leis e decretos que devem proteger o índio. Há até o Conselho Nacional de Proteção ao Índio, criado em 22 de novembro de 1939, e a Fundação Nacional do Índio, criada em 31 de janeiro de 1968. Tayná é, como tantos outros milhares de indígenas, apenas uma vitima da ganância do homem branco.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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03/05/1978

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