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Aramis

A solidariedade que ressuscitou Renato

Dedicando-se exclusivamente a administrar a carreira e os negócios de Luiz Gonzaga Júnior, através de sua editora Moleque, Renato Manoel Costa já vinha estruturando, em termos legais, a Fundação Asa Branca, no patrimônio que Luiz Gonzaga havia destinado, na cidade de Exu, 700 km do Recife, para sediar um generoso projeto cultural. No aniversário do "Lua" (13/12/1989), ali houve a inauguração do Museu Gonzagão, mesmo dia em que era lançado o projeto "Dia do Sanfoneiro" - destinado a percorrer o Brasil, sempre integrante acordeonistas e artistas populares, dentro da filosofia que sempre caracterizou a vida e obra do autor de "Assum Preto" - uma das maiores expressões da matéria brasileira. Gonzaguinha, líder natural no meio artístico, de clara e corajosa atuação político-ideológica desde os tempos de estudante de Economia da Universidade Federal de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e quando, ao lado de uma geração de outros talentos estruturou o Movimento Artístico Universitário, encontrou um apoio espontâneo para fazer da Fundação Asa Branca um verdadeiro núcleo de ação sócio-cultural em favor da população de Exu. Afinal foi graças ao seu pai, que a rivalidade sangrenta das famílias Alencar e Saraivas - que durante décadas em Exu foi marcada por balas e sangue - havia chegado a um armistício. Cantor do Brasil, Gonzagão nunca esqueceu a sua terra e seu filho, embora nascido no Rio de Janeiro (22 de setembro de 1945), com uma formação urbana, soube, especialmente nos últimos anos, voltar-se para aquela realidade ao mesmo tempo tão fascinante quanto amarga em termos de condições de vida. xxx Com a morte de Gonzaguinha, os trâmites de seu inventário (assim como de seu pai), a definição dos herdeiros estão retardando a formalização da Fundação Asa Branca. Legalmente casado com Ângela (que faleceu vítima de enfarte, em 26 de outubro último), com quem tinha dois filhos - Daniel Gonzaga, 17 (e que estará no show "Pense Neu", em Curitiba, como vocalista) e Fernanda, 14, Gonzaguinha também teve filhas com Sandra Pêra (irmã de Marília) - Amora, 11 anos e Louise (Lelete) Martins, sua companheira nos últimos 10 anos, mãe de Mariana, 10 anos. Advogado com larga experiência, tendo inclusive presidido a Comissão dos Direitos Humanos da OAB-Brasília - época em que enfrentou situações dificílimas (chegou a ser agredido no rosto pelo todo-poderoso diretor do SNI, numa manifestação), Renato se associaria ao meio artístico, inicialmente com uma grande casa de shows ("Circus") no Park Shopping, em Brasília, depois administrando as carreiras de Beto Barbosa e Raul Seixas, entre outros. Em 1988, o encontro com Gonzaguinha - quando ele preparava o disco-show "Corações Marginais" - definiu sua carreira e juntos permaneceriam até a morte do artista, com resultados que ultrapassavam apenas aos negócios artístico-musicais - mas se integravam a política e projetos da dimensão da Fundação Asa Branca. xxx - "Por isto é que me sinto na obrigação de viabilizar os projetos deixados por Gonzaguinha - especialmente a idéia do Dia do Sanfoneiro e a Fundação Asa Branca", explica. O material inédito deixado por Gonzaguinha - inclusive o registro das 8 músicas que ele vinha apresentando no "Cavaleiro Solitário", devem resultar num elepê, gravado ao vivo, durante a temporada que fez em Belo Horizonte. Embora seus últimos (das 33 gravações, entre LPs e compactos que deixou) elepês estivessem sendo distribuídos através da WEA, o lançamento deste álbum póstumo ainda não tem definição da gravadora. A prioridade de Renato é o projeto do próximo dia 14 de março, mas já está também estruturando o lançamento de Milton Guedes, saxofonista, compositor e cantor, que acaba de ser contratado pela Polygram. xxx O conceito e prestígio que Renato soube conquistar em sua trajetória profissional traduziu-se pela solidariedade recebida nestes meses em que todas as economias familiares foram exauridas para os caríssimos tratamentos médicos a que teve que se submeter. Três shows realizados no Canecão, em Belo Horizonte e Brasília - com as generosas participações de amigos como Caetano, Guilherme Arantes, Fagner, Milton Nascimento (que reencontrou na quinta-feira, 30, em Curitiba), Rita Lee, Zizi Possi, Sá e Guarabira, Wanderléa, Lô Borges, Flávio Venturini, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho e, especialmente Fafá de Belém (que pagou o taxi aéreo da Líder, para transportá-la de Francisco Beltrão a São Paulo), "foram as maiores mostras de amizade que já recebi em minha vida". Ainda com dívidas ao redor de US$ 10 mil, Renato espera com o evento que acontecerá no Guaíra dentro de 45 dias - e que terá administração da competente Verinha Walflor - não só poder retribuir esta gratidão, como, justamente, prestar "uma homenagem de profundo sentido espiritual a memória de um artista que jamais deverá ser esquecido". xxx Nota (*) Num telão no Teatro Guaíra poderiam ser projetadas imagens do último show que Gonzaguinha fez em Curitiba no Teatro do Paiol. Isto se a incompetência, prepotência e autoritarismo da assistente social Celise de Niero, em abril de 1991, aboletada na direção de ação cultural da Fucucu não tivesse impedido a gravação daquele espetáculo pela Associação dos Pesquisadores da Música Popular Brasileira. A memória musical perdeu um registro importantíssimo, um cinegrafista teve roubado sua câmera de vídeo defronte o Paiol devido ao autoritarismo da assistente social (demitida, 120 dias depois, pelo prefeito Jaime Lerner), e ficou uma lição de como pessoas despreparadas para cargos culturais podem prejudicar os eventos. Hoje, surpreendentemente, Celise Niero goza as mordomias de uma bolsa de estudos na Alemanha.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
06/02/1992

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