Login do usuário

Aramis

A suíte da terra com o coração do mineiro

Pela terceira vez a Associação dos Produtores de Discos e Fitas Independentes do Rio de Janeiro promove a escolha dos dez melhores discos independentes lançados entre 1983/84 - troféu Chiquinha Gonzaga. Hoje já passam de 300 os elepês independentes lançados em menos de dez anos - tomando-se como ponto de referência o "Feito em Casa", que o pianista Antônio Adolfo autoproduziu em 1977 - disciplinando a produção independente - que anteriormente teve outros exemplos, mas sem continuidade. Mesmo não ficando hoje um disco independente por menos de Cr$ 8 milhões, a produção continua. Só que ao invés da quantidade - que caracterizou os primeiros anos, com todo compositor, cantor ou instrumentista querendo fazer o seu disco - agora há maior qualidade. Afinal, o público é exigente e mesmo com toda a simpatia pelo artista marginalizado das gravadoras há que se exigir o mínimo de qualidade. Felizmente tem havido boas produções - ao ponto de termos colocado em primeiro lugar na lista dos 10 melhores lançamentos de 84 o magnífico álbum duplo de Maurício Tapajós/Aldir Blanc. A grande dificuldade, entretanto, continua a se encontrar os discos independentes, que sofrem a falta de uma melhor distribuição e promoção. Em Curitiba, eventualmente, alguns discos podem ser encontrados na Livraria Curitiba (Praça Santos Andrade - Rua XV de Novembro, 870) ou o Savarin (Rua Saldanha Marinho) mas o melhor é os interessados pedirem diretamente aos produtores. xxx Entre os bons discos independentes lançados nos últimos meses está o "Sagrado Coração da Terra", trabalho vigoroso e criativo de um jovem violinista, tecladista e compositor mineiro - Marcus Viana. Ligado ao grupo de Beto Guedes, Marquinhos tem uma boa base musical ao ponto de ter podido desenvolver um trabalho de pretensões maiores - chegando mesmo a uma espécie de pequena suíte. Ao longo dos 10 temas que compõem esta gravação, Marcus alterna intervenções instrumentais e vocais - alternando temas com letras ou apenas melódicos. Poeticamente, a estrutura de "Sagrado Coração da Terra" exige um mergulho mais profundo para ser assimilado integralmente. O próprio encarte que acompanha o disco procura dar nas duas ilustrações uma imagem pastoral: o violinista solitário procurando uma comunicação com a natureza numa mensagem para o futuro. Humildemente, Marcus Viana diz ter preferido um trabalho em grupo do que se lançar num arrojado vôo solo (embora instrumentalmente reuna méritos musicais e, especialmente, uma suave cantora - Vanesa Falabella - ele vai desenvolvendo uma história musical a partir de "Asas" - com um apelo de liberdade ("Nada que nos prenda/Nada que limite/Nada que acorrente/O nosso sonho ao chão/Pois o amor dá asas/E nascemos pra voar"). "Lições à História" traz o diálogo entre o filho, pai e mãe e após o tema "Arte do Sol" - quase num sentido ritualístico - há o encerramento do lado A com dois momentos de belíssimo virtuosismo instrumental: "A Glória das Manhãs" e "Feliz" (Abertura Selvagem). O lado dois, após o instrumental "Deus Dançarino", mergulha numa "Memória das Selvas" com uma letra que parece apenas de sons onomatopaicos - mas que na verdade é nada menos que a versão Tupi-Gaurani de um trecho de Hermes (Egito, 3.000 A.C.). Nesta faixa, um grande coral de vozes se une aos instrumentos. A viagem continua por "Corpo Veleiro", "Sagrado" e "A Vida é Eterna". Em cada momento, os instrumentos buscam ora momentos de ternura (para o qual a harpa de Miriam Vianna ou a flauta de Sebastião Vianna são fundamentais), em outros numa maior sonoridade - mas nunca chegando a elétrico. Um disco dos mais interessantes, vigoroso e criativo. Sem dúvida Marcus Vianna deve ter influências de toda uma geração efervescente mineira - e este trabalho é o exemplo de uma criação de muita personalidade. Poucos compositores-instrumentistas tiveram tanta coragem de estrear num disco de tamanha personalidade - correndo riscos de não serem entendidos. Quem desejar conhecer este belo disco poderá encontrar alguns exemplares no Savarin, a preço bem econômico. Ou então solicitar diretamente ao artista - produtor, aos cuidados da Bemol, Rua Professor Antônio Aleixo, 379 - Lourdes - Belo Horizonte 30.000.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17/03/1985

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br