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Aramis

Surpresas e decepções nos sambas das escolas

A chuva, e o inesperado frio que apareceram justamente nas noites de Carnaval, prejudicando os desfiles das Escolas de Samba, somados ao adiantado da hora (passava das 3 da manhã) fizeram com que menos de 10% das quase 60 mil pessoas que, na noite de domingo, horas antes, haviam se acotovelado na Marechal Deodoro, assistissem o desfile da Escola de Samba Treze de Maio, que apresentou o enredo "União de Raça e Cor". E poucos, assim, ouviram um dos mais belos sambas-de-enredo apresentados este ano em Curitiba, puxado justamente pelo seu autor, Nelson Santos, 51 anos, que com uma entonação clara, afinada, disse uma letra simples e comunicativa, com imagens de grande empatia. Talentoso e criativo, autor de dezenas de sambas-de-enredo nestes últimos anos - não só para o Carnaval de Curitiba mas também para escolas de samba de outras cidades - Nelson Santos foi requisitadíssimo para contribuir com nossas agremiações. No final, acabou fazendo sozinho sambas para quatro escolas da cidade (e, em parceria, um quinto samba para Embaixadores da Alegria), demonstrando um ecumenismo musical surpreendente: para a Vila Unida de Frei Miguel, de Vila Nossa Senhora da Luz, compôs "Halley, o Cometa Misterioso", que teve Ourivair como puxador; para a E.S. Imperadores Independentes, do bairro das Mercês, criou "Ilusões", puxado por Mário. Já para a organizada e poderosa Dom Pedro II, com seu rico enredo em homenagem ao Cinema Nacional, fez o samba "Sétima Arte", que embora com boa estrutura não teve a dimensão que seria de se esperar para um tema tão atraente. Curiosamente, seria para a pequena 13 de Maio, que faria o melhor samba-de-enredo, infelizmente, pouco ouvido e aplaudido - ao contrário do "Sétima Arte", que teve como puxador Orminda e um apoio vocal-instrumental, mas nem sempre com a afinação desejada. xxx Naturalmente, que os integrantes da E.S. Dom Pedro II não gostaram das notas que o samba-de-enredo ganhou do juri (sete de nossa parte; seis de Paulo Cesar Loureiro Botas). Entretanto, por uma questão de coerência, foi e isto aqui deixamos bem claro, numa declaração de voto - a que nos pareceu mais justa. Com exceção do emocionante "Do Alto das Glórias", que Paulo Vítola compôs para a E.S. Não Agite (num vigoroso retorno ao Carnaval, após a ausência no ano passado), nenhum outro samba-de-enredo mereceu, em nossa opinião, a nota máxima (dez pontos). Paulinho Vítola, compositor e letrista dos mais importantes no Paraná, autor de uma obra da maior grandeza, há 19 anos passados, quando ainda recém-iniciava-se na criação musical, já oferecia ao mesmo Não Agite - então num período de glórias - o belíssimo "Ciclos Econômicos do Paraná", que, estruturalmente, foi o primeiro samba-de-enredo em nosso Estado (embora, dois anos antes, Glauco Souza Lobo, tivesse elaborado também uma proposta de samba-de-enredo, para o tema "Colhedores de Café", na mesma escola). Retornando agora à composição de sambas-de-enredo, Paulinho conseguiu fazer uma música belíssima, juntando-a a uma letra perfeita - e que na interpretação segura e afinada de Reinaldinho (uma das mais bonitas vozes do Paraná) e a jovem Glória Maria, se constituiu no ponto alto, em termos musicais, neste Carnaval. O mais veterano compositor carnavalesco do Paraná, Carlos Eduardo Mattar, advogado e professor, 46 anos, unindo-se a outro bom compositor - Gerson Fisbein, 33 anos, produziram um samba-de-enredo dentro da estrutura e técnica que caracteriza este gênero: "Vila Velha, Suas Lendas, Seus Mistérios", para a E.S. Mocidade Azul, foi outro belo momento musical na avenida, puxado por Mattar e mais dois cantores, afinados e comunicativos. xxx Ainda na área dos sambas-de-enredo, houve também a surpresa da E.S. Garotos Unidos, de Vila Oficinas - (única escola da cidade que possui sua própria quadra de ensaios) - apresentando um samba bem estruturado, simples mas competente, de autoria de Laé (Alaerson Wenceslau Cabral), presidente não só daquela escola, mas também o entusiasta presidente da Associação das Escolas de Samba e Blocos Carnavalescos de Curitiba. xxx As opiniões divergem, naturalmente, em termos da comunicação dos sambas-de-enredo. Por exemplo, todo o esforço e amor que a finada intérprete do samba-de-enredo da E.S. Leão de Ouro ("Homenagem aos Radialistas"), tendo inclusive o acompanhamento de Claudionor Cruz, 75 anos, (infelizmente, sem o destaque merecido pelo seu passado de glórias em nossa MPB) não salvaram este samba. O fato de ser uma composição de um detento do Ahu (Di Péricles), não justifica a sua pobreza temática e falhas em termos de informação, centrando toda a homenagem que deveria ser aos radialistas paranaenses apenas na figura do simpático Cláudio Ribeiro - também sambista (parceiro de Homero Repoli), em "Um Passeio no Tempo"), da Acadêmicos da Sapolândia) e dirigente de escolas de samba que, no final deve ter sentido-se, inclusive, constrangido pelo desnecessário oba-oba. Também o samba-de-enredo que Senthé (Antônio S. Gerônimo) fez para a E.S. Ideais da Mocidade retornar à avenida, após a ausência do ano passado, não esteve à altura do homenageado, o inesquecível Chocolate - fundador da Escola e seu dirigente até 1984, ano de sua morte. Homenagem melhor foi a prestada por seu amigo Glauco, realizando, postumamente, o sonho maior do velho sambista: a sua imagem como "Cidadão Samba de Curitiba" está agora perpetuada nos troféus distribuídos a todas as escolas que participaram deste "Carnaval da Reorganização". xxx Um P.S. necessário: além de, fazendo letra e música, ter dado sua contribuição a quatro das escolas de samba da cidade, Nelson Santos ainda foi parceiro de Washington Cercal, no samba-de-enredo "Das Flores no Fim do Arco-Íris", da Embaixadores da Alegria.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
13/02/1986

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