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Aramis

As talentosas crianças dos tempos do Clube Mirim-M-5

Houve uma época em que as crianças não eram obrigadas a se submeter a tirania de uma televisão que impõe olho abaixo a cultura Xuxa & similares. Sim, houve uma época em que as próprias crianças - libertas de um colonialismo consumista e culturalmente alienado com o marketing dos nossos dias impõe de uma forma selvagem - tinham oportunidade de mostrar criatividade e talento expontâneo. Não existia televisão e as grandes emissoras de rádio tinham programas de palco-auditório, conduzidos por animadores-apresentadores que, ao vivo, buscavam estimular o talento dos pequenos freqüentadores. Eram talentos-mirins - cantores(as), instrumentistas, precoces revelações políticas e mesmo os que mostravam desinibição para se comunicar com o público. No Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e outras capitais existiam os chamados Clube do Guri. Na Rádio Tamoio do Rio de Janeiro - no poderoso prefixo associado (então a Rede fundada por Assis Chateaubriand estava em seu esplendor) - revelava-se uma garotinha de 9 anos chamada Claudette Soares, que faria uma das mais brilhantes carreiras nos anos 50/60. Em Porto Alegre, com 11 anos, uma filha de um açougueiro de um dos bairros mais pobres da capital gaúcha, chamado Elis Regina Carvalho da Costa, mostrava uma voz tão poderosa que passaria a receber até um cachê fixo para comparecer todos os domingos no "Clube do Guri" da Rádio Farroupilha. xxx Em Curitiba, cinco anos depois do final da II Guerra Mundial, as duas mais importantes emissoras - entre as 4 que existiam na época - eram a Guairacá, a Voz Nativa da Terra dos Pinheirais, inaugurada em 1948 e a PRB-2, a Líder - com o slogam de ser a mais antiga emissora do Sul, a terceira do Brasil, fundada em 1927. Funcionavam na Rua Barão do Rio Branco, em dois sobrados quase vizinhos, disputavam ouvinte a ouvinte com programação que buscava o modelo dos grandes prefixos (Nacional, Tupi, Tamoio) e tinham, salutarmente, muitos programas de auditório. Embora fosse a época de ouro da cinematografia e o teatro restringisse ao idealismo de grupos amadores - herdeiros da chama deixada por Salvador de Ferrante, os auditórios da Guairacá e PRB-2 - que mais tarde seriam seguidas pela Marumby, Emissora Paranaense e mesmo a Tingüi (todas de saudosa memória, hoje com diferente nome e faixas de audiência) - lotavam nos programas em que animadores como Sérgio Fraga, Aloísio Finzetto, Ubiratam Lustosa, Abílio Ribeiro e tantos outros - conduziam artistas locais, nomes nacionais, convidados especiais - e que eram recebidos como verdadeiras estrelas - e a participação intensa de um público atraído não apenas pelo divertimento, mas com prêmios oferecidos pelas firmas patrocinadoras. xxx Ao lado dos programas para a noite como a dominical "Feira da Alegria" - em que a atração maior era a dupla Nho Belarmino e Nha Gabriela, a Guairacá contava com o talento de um dos maiores radialistas que o Brasil já teve: Aluizio Frinzetto (1914-1977). Dicção perfeita, homem de boa cultura, Aluizio trouxe para Curitiba os programas infantis, nas manhãs de domingo, que mais tarde teriam um concorrente entusiasmado, no colega Souza Moreno, através de seu Cine-Rádio - na Clube Paranaense. Mas seria o Clube Mirim M-5 - a partir das 9 horas da manhã, em todos os domingos - e ao qual se juntaria, depois o Clube Juvenil M-5, que atingiriam os pontos mais altos de popularidade. Difícil falar com um curitibano na faixa dos 50 anos que não se recorde destes programas, muito orgulhando-se de por ali terem passado também como artistas. Levados por orgulhosas mamães, em trajes de festas, as crianças mostravam suas qualidades canoras e se muitas delas podiam provocar chateação capaz de justificar Pilatos, havia talentos emergentes. Não só como grandes cantores, mas também como candidatos na oratória - em que um garotinho chamado José Augusto Ribeiro (*) era imbatível. Já no Clube-Juvenil, um adolescente nascido na Paraíba mas que aos 11 anos havia vindo morar em Curitiba, se revelou não só um orador, tanto é que Finzetto o convocou para ser seu animador-assistente. Seu nome: Edilberto Coutinho, hoje um nome consagrado na literatura ("Maracanã, Adeus", um dos livros mais premiados nos anos 70). Mas eram os cantores-mirins que tinham maior público. E entre o elenco do Clube Mirim M5 - os favoritos eram uma menininha graciosa chamada Shirley Terezinha e o garoto Braulio Prado. Filho de uma costureira de mão cheia, dona Ezilda, e de um sargento do Exército, Benevides que sempre gostou de rádio, Braulio interpretava um repertório baseado principalmente nos sucessos de Bob Nelson (Nelson Roberto Perez , Campinas, SP, 12/9/1918), QUE DESDE 1943, AO VENCER UM CONCURSO NA Rádio Cultura de São Paulo ("A Hora da Peneira") com a versão de um clássico country americano - "Oh Suzana", havia trazido um novo gênero ao Brasil: o do cowboy cantor. Com canções alegres espirituosas como "O boi barnabé", "Eu Tiro leite" etc.; numa mistura de caipira americano e cantor tirolês (com seus recursos de um alpino scat), Bob Nelson encontrou no garoto Braulio um discípulo aplicado. Vestido com trajes de cowboy, simpático, se tornaria tão popular na cidade que quando foi lançada uma revista destinada ao público mirim - "O Garoto" - foi escolhido tranqüilamente para ser a capa do número um. xxx O tempo não para na estrada. Todos cresceram e ficaria sepultado aquele período de rádio risonho e franco. Braulio, entretanto, permaneceria na vida musical. Enquanto seu pai, dividindo-se entre o quartel e o rádio, se revelaria um atuante produtor de programas (co-autor, com Ulderico Amendola, da primeira novela rural apresentada no Paraná, "Alma Cabocla"), Braulio estudaria acordeon, passaria ao piano e antes dos 17 anos estava na noite curitibana, driblando o terrível comissário Nenê Serrato em suas cabeçadas aos menores em estabelecimentos noturnos. O entusiasmo de Braulio pelo piano o pevou a fugir de casa para apaixonado pela cantora Maria Odete - auto exilar-se em longa temporada na qual conviveu com músicas da nascente Bossa Nova em seus reflexos em São Paulo, especialmente com Walter Wanderley (1932-1986), pianista e compositor que em 1966 se mudaria definitivamente para os Estado Unidos. Mesmo formando-se pela Faculdade de Direito de Curitiba e exercendo outras atividades (cinegrafista nos tempos pioneiros da TV Iguaçu, assessor de relações públicas na Telepar e, mais tarde, na Prefeitura de Curitiba), Braulio nunca abandonou totalmente o piano. Entre os melhores tecladistas do Paraná - Gebran - seu mestre e amigo maior), Fernando Montanari, Romeu, Garoto, entre outros - era sempre requisitado para voltar a noite, mesmo quando, já casado e pai de Andréa (18 anos) e Fábio Rodrigo (15 anos) tentava trocar a noite pelo dia. xxx A morte, esta senhora sempre pronta a levar os muito bons, os muito talentosos, levou na manhã da cabalística sexta-feira 13, Braulio, aos 48 anos - que havia completado em 10 de dezembro último. Fica, para os seus amigos e companheiros, a memória do homem e do músico, que, foi encontrar-se com o parceiro Lapis (Palmilor Rodrigues Ferreira, 1943-1978), de quem aliás, havia gravado, com imensa ternura, o seu belíssimo "Vestido Branco" , no lp "Optimum In Habbeas Coppus"- único disco de MPB produzido no Paraná nos últimos dois anos - e no qual também ficou a voz de outro grande paranaense que Dona Morte, tão traiçoeiramente, também já levou neste triste 1992: Arthur Tramujas Neto. Nota (*) José Augusto Ribeiro faria carreira no jornalismo. Iniciando no O Estado do Paraná, ainda nos anos 50, a partir de 1964 se fixaria no Rio de janeiro. Foi editor de "O Globo" e é um dos comentaristas mais conhecidos da televisão brasileira. Nos concursos de oratórias do Clube Mirim-M-5 outro jovem que disputava os prêmios era Dino Almeida, hoje o consagrado colunista da "Gazeta do Povo". LEGENDA FOTO: Retrato do músico quando ídolo infantil: Bráulio Prado, em maio de 1948, no auditório da Rádio Guairacá, onde, vestido de cowboy e interpretando sucessos de Bob Nelson, era o artista mais popular do elenco comandado por Aluízio Finzetto.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
2
17/03/1992

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