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Aramis

Tamba, melhor do que antes

Sexta-feira foi uma das mais frias deste inverno. Só mesmo um grande entusiasmo pela música poderia motivar alguém a trocar o conforto de sua casa para comparecer ao grande auditório do Tempo Guaíra e aplaudir um grupo instrumental que não se reunia há seis anos. Mas o frio climático foi compensado pelo calor dos aplausos: entre entusiásticas palmas e gritos de << bravo! >> e << bis >>, e a apresentação de um número extra << Só Danço Samba >>, foi a confirmação de que os grandes talentos permanecem. A segunda apresentação pública do Tamba Trio, neste seu terceiro retorno não poderia ter melhor acolhida: foram quase duas horas de melhor música instrumental, com momentos vocais - provando porque de toda a melhor fase da Bossa Nova, o trio formado por Luisinho Eça (piano), Helcio Milito (bateria/percussão) e Bebeto (baixo-flauta), conserva, único, uma marca registrada que faz o tempo passar, as separações acontecerem, mas nada de melhor surgir - em sua linha de criação/interpretação. Da abertura com a música-padrão do grupo, o << Tamba >> , gravado no primeiro LP do trio (Philips, 1962), ao que sinfônico arranjo que Luisinho fez para << Asa Branca >> (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira), encerramento oficial do programa - foram instantes da maior emoção, << uma volta ao coração, ao sentimento, a adolescência >>, como, com tanta sensibilidade, observou Maria Helena Maciel, a Malala, pessoa extraordinária que, como tantos outros de nossa geração, aprendeu a amar a melhor música graças ao som de talentos como o Tamba Trio. *** O reencontro atual do Tamba Trio - após seis anos de separação (a história do trio nós já contamos na última quinta-feira), aconteceu há menos de dois meses, em Fortaleza. Fernanda, esposa de Luisinho Eça, cearense de nascimento, motivou a ida de Eça e seus dois amigos - Bebeto e Helcio Milito (que voltou há pouco dos Estados Unidos) para uma única apresentação no Palácio de Convenções daquela Capital. A repercussão foi tanta que confirmou o óbvio: passadas duas décadas, o Tamba continua com seus espaços vago em nossa música popular. Entre 1962/80, nenhum grupo conseguiu sequer aproximar-se do estilo que marcou o Tamba, especialmente em sua fase inicial. Entre 1964/67, modificações - a saída de Helcio Milito (substituído por O`Hanna), a transformação em Tamba Quatro, longas permanências no Exterior, retiraram um pouco do clima musical dos primeiros anos e, em agosto/71, quando com a formação original, o trio fez sua reentré, em show no Teatro do Paiol (numa das grandes noites históricas daquela casa), o acústico havia sido substituído pelo eletrônico. Uma experiência que não deu certo. Agora, em compensação, temos o som limpo, tranqüilo - onde o instrumental e o vocal se casam e harmonizam. Neste retorno o Tamba não ficou na melancolia e saudade. Ao contrário, como sempre fez, busca sempre ampliar o repertório. Em 1971, quando João Bosco era ainda um anônimo, Luisinho, Bebeto e Helcio já apostavam em seu talento e lançavam suas músicas. Agora, mesmo sem recorrer a autores inéditos, dão arranjos magnificos a música belíssima como << Saindo de Mim >> e << Com Força e Com Vontade >>, de Ivan Lins/Victor Martins ou a antológica << Mistérios >>, de Joyce, seguramente uma das mais belas composições deste ano. Daniele >>, suave tema que Luisinho dedicou a sua filha, ao nascer (<< e hoje quando ela passa de biquini, já provoca suspiros >>) se contrapõe a dois novos e belissimos temas instrumentais, como << Trindade >>, recém-concluída ou o miniconcerto << Três Minutos Para Um Aviso Importante >> ou << Búzios >>, parceria com Novelli. Arranjos especiais foram criados por Luisinho, sem dúvida um dos mais competentes profissionais nesta área, não só para << Asa Branca >> e << Maria de Maria >>, com excelentes solos de Helcio, mas, especialmente, a << Xangô >> de Hekel Tavares - praticamente com uma nova << leitura >> desta composição. Bebeto, que além de virtuose no baixo e flauta, também tem uma voz privilegiada (e a prova está no seu único LP-solo, feito na Tapecar há 4 anos), em sua generosidade e simpatia, convidou o sexteto << As Nymphas >> (que na semana passada apresentaram um espetáculo no Paiol) para participarem do espetáculo. O que provocou que o pai de uma delas, tão entusiasmado estivesse, até atrapalgasse o espetáculo com seus urros e gritos corujais. Mas as meninas, embora ainda verdes e necessitando muito ensaios, apresentaram quatro composições próprias (três delas, << Desolação >>, << Lá em Menor >> e << Chorinho >>, farão parte do compacto duplo, ainda não gravado, mas já com data de lançamento: 24 de setembro) e mais << Vestido Branco >> (Lapis/Paulo Vítola), que deu um clima local ao espetáculo. O Tamba Trio está voltando com calma. Muitos ensaios e só em outubro fará temporada na Sala Funarte. Até lá Helcio Milito quer produzir um elepê independente, registrando esta nova fase. Para a MPB a volta do Tamba Trio não poderia deixar de ser mais significativa. E para pessoas com a sensibilidade, poesia e amor, como Malala, representa um reencontro com aquele << pais >> com que todos esperamos aprender a viver melhor: a esperança da juventude que o amanhecer traz, com as (boas) surpresas do inesperado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
29/06/1980

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