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Aramis

Tios, cinema & o consumo infantil

Amanhã devem chegar a Curitiba os cineastas Roberto Farias (ex-presidente da Embrafilmes) e Flávio Migliaccio, numa gentileza para com a Primeira Dama do Estado, sra. Nice Braga, ofereceram a pré-estréia de "Maneco, O Super Tio", em benefícios das obras assistenciais. A sessão será num horário apropriado ao público que se destina: 16 horas de sábado, no cine Condor. Ator, diretor e roteirista, Migliaccio, 24 anos de vida artística, 20 de cinema (estreou em "O Grande Momento", 1959, de Roberto Farias), seu primeiro filme como diretor - "Os Mendingos", 1963, pouco foi visto, mas com "Aventuras Com Tio Maneco", 1971, descobriu um fértil filão: o cinema para público infantil, que, pouco a pouco, vai sendo marginalizado das casas de exibição pelo fato de não existirem quase fitas de censura livre, especialmente produção nacionais. "O Caçador de Fantasmas" repetiu o sucesso e agora, através da R.F. Farias Produções, Migliaccio realizou "Maneco, O Super Tio", que vai disputar nestas férias, as bilheterias infantis com outra produção destinada a mesma faixa - "O Trapalhão na Guerra dos Planetas", este dirigido pelo ator Adriano Atuart, e com o elenco conhecido pela série dominical de televisão. Ao contrário da série Os Trapalhões, apelando mais para a chanchada, Migliaccio se preocupa em citar uma linha própria de cinema nacional destinada a infância e a admite que em relação a "O caçador de Fantasmas", houve uma evolução: "descobri que, lamentavelmente, estava tentando imitar o Walt Disney. Foi numa cena em que eu e toda a equipe estávamos há mais de duas horas tentando fazer o calhambeque do Tio Maneco andar. Pensei comigo: Walt Disney nunca passaria por esse vexame... Não havia dúvida: Disney tinha uma outra realidade, outra vivência e, principalmente, outro dinheiro. Neste novo filme comecei a fugir da influência dele e aproveitar o fato de Maneco ser um super-herói "em desenvolvimento". Aliás, os filmes de Walt Disney (1901-1966), tanto os desenhos, documentários e, principalmente, os longa-metragens - a partir de "Branca de Neve e os Sete Anões"- realizando há 40 anos passados - continuam a serem os de maior renda, pois anualmente há novos públicos consumidores - e de tal forma que, só para citar um exemplo, o cine Ribalta, no Bairro do Bacacheri, isolado dos grandes circuitos, e uma das melhores casas de exibição do País - mas também altamente deficitária - só consegue tentar estabilizar suas finanças, programado continuadamente, nas sessões da tarde, os filmes de Disney. E o império de Disney não morreu com ele: "Bernardo e Bianca", produzido em 1977, lançado nas últimas férias no Brasil, continua faturando milhões e agora, em cadeia nacional, estréia "A Espada era a lei" (The Sword in the Stone) - cine Rivoli, dia 5 de julho - que baseado na obra de H. White, realizado por uma equipe sob orientação do veterano Wolfgang Reitheman, redimensiona a lenda do Rei Arthur e dos Cavaleiros da Távola Redonda - tantas vezes já levado ao cinema. E se Disney teve na figura do "Tio"- o Pato Donald, o Tio Patinhas, Michey, personagens dos mais comunicativos (e cuja ideologia, no ponto de vista político, já mereceu um vigoroso ensaio do teórico chileno Arial Dorfmund, em obra editada no Brasil pela Paz & Terra), Migliaccio também preferiu este parente como herói de seus filmes. E justifica: "A figura do tio na família brasileira é muito importante. Todos nós temos aquele tio muito especial, com muito mais liberdade do que os pais para se comunicar com a gente. Geralmente, saber determinadas coisas e participar de aventuras emocionantes é um "trabalho" para essa figura do tio. Esse super-tio é, por exemplo, o oposto da super-mãe do Ziraldo. Enquanto ela é superprotetora, o Maneco coloca seus sobrinhos diante do novo, do desconhecido, da aventura". Caso disponha de tempo, seria interessante que edicadores e pedagogos convidassem Flávio Migliaccio para discutir o problema da criança & o cinema. Se o teatro infantil tem sido exaustivamente debatido em seminários, congresso e encontros - e mais um aqui se realizará em julho próximo, até agora não houve preocupação de se analisar, com maior profundidade, o relacionamento da criança com o cinema - principalmente nesta época em que as televisões, com sua programação massificante, impõe novos hábitos aos pequenos e os distância da realidade. A imagem do cinema, no sentido mágico que tinha para as gerações de 30 ou 20 anos passados, hoje praticamente desapareceu e nota-se, inclusive, um crescente desinteresse do público abaixo dos 15 anos - só se motivando com uma programação muito especial. Migliaccio tem uma colocação interessante a respeito: acha que não se deve esconder nada da criança. "Se você está sendo sincero, se o seu trabalho tem como base a natureza, e a essência do homem, não se deve ter medo de dizer as coisas para as crianças. A única coisa que se deve ter cuidado é como colocar o problema. No filme "O Caçador de Fantasmas, por exemplo, havia uma cena onde eu deveria mostrar o fantasma diante da morte. Procurei colocar o problema de tal maneira que não violentasse o delicado mundo da criança. Agora, em "Maneco, O Super Tio", tive muitos problemas também. Como estava contando a história onde se colocava em evidência um problema social, a minha preocupação foi a de não impor mas simplismente, fazer com que a criança percebesse, naturalmente, todo o mecanismo que reagia aquela comunidade. Acho que não se deve exigir uma consciência política da criança, mas é nossa obrigação exigir, desde cedo, uma consciência social". Nunca a criança foi tão exploradora, em termos de marketing de consumo, como em nossos dias - e especialmente neste Ano Internacional a ela dedicado - Ano I da Criança Brasileira. Os publicitários, técnicos em vendas, especialistas em criar (falsas) necessidades, tem assentadas baterias nos veículos/horários que atingem o público infantil - e assim mesmo as famílias mais abonadas tem sido vítimas, em seus orçamentos, de um novo - e intenso - tipo de consumo: brinquedos, roupas, jogos publicações etc., destinadas as crianças, que, conforme depoimento de um veterano representante de uma das maiores fábricas de brinquedos do País, se constituem "num mercado facilmente atingível". Magliaccio, embora se volte, em termos de cinema ao público infantil, faz uma promessa que deve ser anotada - para cobrança posterior, caso não a cumpra: "Eu não vou faturar em cima da criança. Não usarei nunca o Maneco para vender camisas, chaveiros, brinquedos... Mas vou utilizar todos os meios de comunicação que eu puder para contar uma história do Tio Maneco. Livros, histórias em quadrinhos, rádio, tudo está em meus planos. Agora, não adianta tentarem me convencer a fazer um filme do Maneco em cada período de férias: só farei um novo filme quando eu tiver uma coisa absolutamente importante para dizer, de preferência às crianças...". Enfim, Magliaccio promete que não vai explorar tanto o Tio Maneco, com fizeram o norte-americano Charles Schultz, com Charlie Brown (Peanuts) e as turma e, especialmente, o paulista Maurício de Souza com Mônica e seu grupo (embora esta tenha já nascido sob a egipe publicitária, no caso da CICA). O argumento Quino, hoje radicado em Milão, foi muito mais coerente: antes que sua melhor personagem, Mafalda, virasse garota-propaganda da sociedade de consumo, preferiu matá-la. Ou, ao menos hiberná-la à espera de dias menos comerciais...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
28/06/1979

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