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Aramis

Tom Waits, o canto forte dos beatniks

"As canções, você sabe, como são fumaça. É algo que você não pode pegar com as mãos, qualquer coisa que lembra um lugar, um lugar qualquer, impalpável. Não é algo substancial como um guarda-chuva ou uma comionete". (Tom Waits) Dentro de uma (tardia) redescoberta da cultura beat (Kerouack, Joe Fant, Gainsburgh etc.) que chega com atraso de 20 anos é até natural que só agora seja editado no Brasil o primeiro disco de Tom Waits, um cantor e compositor maldito em termos tradicionais, mas hoje um produto altamente consumível por esta geração Dark, de alta rotatividade de símbolos e mitos. Sua voz é gutural como a de Louis Armstrong, podem serem identificados alguns momentos jazzísticos em suas canções, mas elas basicamente buscam aquela outra visão do american dream e mesmo sem a contundência política de Bob Dylan dos anos 60 ou do mais recente Bruce Springsteen (outro que só chegou ao Brasil com anos de atraso), Waits volta-se aos deserdados, aos marginais, aos desamparados afetiva e economicamente em suas letras ácidas mas profundas. Rene Dacol, no melhor texto publicado na imprensa brasileira e propósito da chegada de TomWaits, com seu lp "Rain Dogs" (WEA, junho/86), definiu com palavras precisas as imagens de suas canções: "uma sucessão de climas urbanos e suburbanos, captados através de um olhar cínico e canalha, onde desfilam uma galeria de personagens saídos dos becos mais sórdidos do Harlem ou de Los Angeles. Cenas de caçadas policiais, como num romance de Raymond Chandler, espeluncas de quinta categoria em China Town, onde mulheres da vida vagueiam pela rua ao lado de personagens de Bukowski que perderam o rumo de casa. Tudo o cinimismo corrosivo das operetas de Bertold Brecht e Kurt Weill, interpretado com a dramaticidade irônica de um teatro de vaudeville" ("O Estado de São Paulo", 25/6/86). Engana-se quem tentar classificar a música de Tom Waits, 36 anos, nascido na Califórnia, presumivelmente (não há muitas informações sobre a sua vida), pois se há toques de poesia beat e protestos sociais misturados a estilos jazzísticos em sua guitarra, ele também é capaz de produzir uma trilha sonora sofisticadíssima, como fez há 6 anos para "O Fundo do Coração" (One From The Heart), o filme-neon de seu amigo Francis Coppola, que foi um fracasso tão grande no Brasil que apesar da beleza da banda sonora ninguém se animou a editá-la entre nós (permanecendo, assim, inédito Tom Waits, que aliás já fez vários outros trabalhos para o cinema, além de aparecer como ator "A Taberna do Diabo/Paradise Allen", de Siylvester Stallone e no inédito "Wolfen"). Gravando desde 1973 ("Closing Time"), Waits tem uma carreira naturalmente reservada em termos de consumo, o que tem preservado sua obra com muita autenticidade. E se sua discografia já chega aos 11 títulos, a WEA escolheu para apresentá-lo no Brasil o seu álbum mais recente e profissionalmente mais bem acabado, que a partir da canção título, já dá idéia do clima noir, angustiante e solitário da poesia marginal de Waits: depois que passa as chuvas, os cachorros vadios saem à rua. Mas todos os odores da madrugada foram lavados pela água, e eles não conseguem mais encontrar o rumo da casa. Dormem então embaixo de qualquer marquise na rua, até serem chutados pelo leiteiro. Dentro deste clima temos 19 músicas, que se aprofundam em um universo denso, amargo - altamente pessoal. Longe de qualquer espirueta pop, sem pretensões definitivas, Waits está para a canção como "on the road" de Kerouak esteve para a literatura beat dos anos 50.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
3
20/07/1986

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