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Tom Zé, tributo para o baiano tropicalista

"Eu sofro de juventude Essa coisa maldita Que quando está quase pronta Desmorona e se frita" De todos os integrantes da chamada Geração Bahiana que surgiu a partir de 1964 - na esteira de Maria Bethânia, quando esta veio para o Rio de Janeiro, substituindo a cantora Nara Leão no espetáculo "Opinião" - nenhum foi tão rebelde, original e agressivo quanto a Tom Zé (Antônio José Santana Martins, Irajá, BA, 11/10/1936). Também nenhum (exceto, talvez Piti, que acabou desistindo de qualquer carreira) tem sido tão marginalizado nestes últimos anos. Cáustico em suas opiniões, mas extremamente inteligente, Tom Zé passou os últimos sete anos sem gravar, praticamente afastado dos meios artísticos. Agora, num surpreendente retorno, Tom Zé tem novo disco na praça ("Nave Louca", RGE), que começa, merecidamente, a ganhar um espaço que sempre lhe deveria ter sido dado - mas o que nunca aconteceu. Por exemplo, a "Visão" da semana passada lhe abriu duas páginas, na qual o repórter Assis Ângelo conta que Tom Zé, casado, aos 48 anos, não se mostra magoado. Ao contrário, diz: - "Não tenho queixas a fazer, não guardo mágoas de ninguém, estou contente, bem comigo mesmo. Se me perguntam, respondo: estou feliz. Tom Zé elogia seus antigos companheiros dos anos duros de 64/65, que praticamente o abandonaram nestes tempos - em que andou mal, machucado, triste, adoentado, esquecido, durante cerca de sete anos. Mas não se queixa. Ao contrário, sereno e certo de seu talento, diz que tem trabalhado muito, apresentando-se em palcos do Interior de São Paulo e de outros Estados. Diz ainda Assis Ângelo, que nesta sua nova fase, Tom Zé não tem mais a intenção de fazer coisas que "agradar os intelectuais". E explica: - "Eles lá, eu cá!" A carreira de Tom Zé tem sido irregular, não há dúvida. Começou com força total, identificado na "Tropicália"(tanto é que ao lado de Duprat, Nara Leão, Gal, Mutantes, Gil, Caetano está na capa do clássico "Tropicália", Philips, 1968), no qual participava com uma das faixas mais inquietantes ("Parque Industrial"). Ainda em 1968, Tom Zé vencia o IV FMPB da Record com "São Paulo, meu amor" (primeiro lugar do júri oficial e quinto do júri popular) e com "2001" (com Rita Lee), melhor letra e classificado em quarto lugar pelo júri oficial. Ainda no revolucionário ano de 1968 saia seu primeiro lp "São Paulo, meu amor", Rozemblit. No ano seguinte, "Silêncio de nós Dois" recebia o primeiro prêmio no Movimento de Incentivo à MPB. Mais dois elepês (no total fez sete, alguns dos quais nem ele possui) surgiriam - "Se o caso é chorar" e "Tom Zé todos os olhos", um trabalho um tanto irregular com o grupo Capote - para depois começar um certo desaparecimento dos palcos, agora, esperamos, interrompido. Infelizmente talvez as rádios não toquem este disco - e quem perderá serão os ouvintes, pois "Nave Maria" é o mesmo Tom Zé irreverente, a partir da criativa capa de Elifas Andreato, reproduzindo em forma e conteúdo o órgão genital feminino do qual sai um invólucro com a fotografia do compositor, nu, envolto numa membrana. As letras de Tom Zé são irreverentes e demolidoras - e até nas "classificações" das músicas coloca seu humor: "Nave Maria" é, por exemplo um "Bugue-samba", assim como "Mamar no Mundo" - talvez a letra mais amarga ao ironizar a juventude e apelar: "Oh! Mamãe/Eu quero é mamar no mundo/Quero, papai/Saber no Fundo"). Há "Bandanças" ("Cilindrada"), "Sambatututu" ("Nenem Gravidez"), baiões-barbeiro ("Identificação", no qual monta a letra mais avançada), o baião-xaxá (Su Su Menino Mandu"), o frevo-roque ("Teu Olhar"), o Baião-Través ("Conto de Fraldas"), e até um fanque-enredo ("Mestre Sala"). Em cada uma destas faixas, Tom Zé propõe uma mensagem que sendo extremamente pessoal, dolorida em sua crítica, é entretanto profunda e relaxante. Contradições de um dos mais inteligentes compositores da geração baiana, injustamente esquecido e marginalizado por tanto tempo. Seu retorno se constitui num dos acontecimentos musicais mais importantes deste início de ano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
19
17/02/1985

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