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Aramis

"Treze", uma zebra que pode dar certo

Entre muitos méritos, José Maria Santos tem o da honestidade pessoal e artística. Lapiano cinqüentenário, 31 de teatro (começou amadoristicamente, na escola de arte Dramática do Sesi), é hoje um dos poucos profissionais que vivem exclusivamente de teatro no Paraná. Seu curriculum é grande e, homem sem papas na língua, sempre desafiou os temporários donos do poder com posições corajosas e críticas - quando necessário. Artisticamente, antes de tudo um comediante. Com "Lá", monólogo de Sérgio Jockymann, passou mais de dez anos mambembeando pelos Estados do Sul, fazendo 1.280 apresentações - 90% das quais com bom público. Sem esquemas oficiais e mordomias maiores, levou o humor e a reflexão do autor gaúcho as mais diferentes comunidades - apresentando-se em cinemas, circos, clubes e até churrascarias. Agradando bastante. Mas nem só de um monólogo vive um artista - embora Rodolfo Mayer e Procópio Ferreira tenham usado 79% de suas carreiras com "As Mãos de Eurídice" (de Pedro Bloch) e "Deus lhe Pague" (de Joracy Camargo), respectivamente. Enquanto não encontrava um novo texto de Jockymann capaz de repetir o êxito de "Lá", Zé Maria produziu, dirigiu e interpretou a comédia "A Reputação do Quatro Bicos" de seu amigo Luís Groff (que inaugurou o Teatro da Classe, construído graças ao seu idealismo e trabalho) e produziu a deliciosamente satírica "Nem Gay Nem Bicha", que no restaurante Ponto de Encontro (hoje gay) nos fundos daquele teatro da Rua 13 de Maio, teve uma longa temporada em horário não convencional. Agora Zé Maria está novamente no palco do Guaíra, com uma comédia que desde o final de dezembro vem tendo bom público: "Treze", do mesmo Sérgio Jockymann. Divertida e atual, as montagens feitas em Porto Alegre e São Paulo (com Paulo Goulart) fracassaram. Agora, pelo que deu para sentir nestes dois primeiros meses, "Treze" tem condições de repetir o êxito de "Lá". É portátil, divertida, comunicativa e com ela Zé poderá garantir o caviar e o Moet et Chandon de sua família até o final do século - se repetir o mesmo roteiro de "Lá". Desta vez não é um monólogo. Ao seu lado está um velho companheiro do Teatro do Sesi, o guerrilheiro cênico Aluízio Cherobim, cirurgião-dentista nas horas vagas, dedicado e brabo presidente do Sindicato dos Profissionais de Espetáculos no Paraná, o que fundou e dirige com mão de ferro, tentando evitar a entrada de picaretas, aventureiros etc., nesta tão desprestigiada - e muitas vezes desmoralizada - profissão. Generosamente, José Maria Santos deu a Aluízio Querobim o melhor papel da peça. Como Paulo, o rico corretor de imóveis, o ator pode criar um tipo fascinante, pleno de probabilidades que extrapolam a simples comédia. Basta, para isto, que haja um trabalho de direção que extraia as contradições do homem de posses que, a beira de uma falência (pela má aplicação de seus lucros em instituições financeiras que vão a bancarrota) e, de repente, vê na compra do cartão premiado de seu motorista uma tábua de salvação. Há condições, inclusive, de uma leitura brechteana deste personagem - pois as mudanças de comportamento (ora de agrado e simpatia ao empregado, ora de agressão) podem nos remeter a um dos mais cáusticos textos de Bertolt Brecht (1898-1956) - "O Sr. Puntilla e seu Criado Matti" - que teve, aliás, a sua maior montagem feita no Brasil estreada no auditório Salvador de Ferrante há exatamente 17 anos passados (com Flávio Rangel dirigindo um elenco de supestars: Ítala Nandi, Jardel Filho, Isolda Cresta, Rosita Tomas Lopes etc, etc.). Na montagem feita - na qual inclusive dispensou a contratação de um diretor - José Maria não teve condições de explorar melhor os personagens. Limitou-se a reduzir o longo texto de quase duas horas para 90 minutos, dar ênfase aos palavrões - e até um certo humor escatológico e de mau gosto em alguns momentos - buscando a diversão do público. Sensato, inteligente e sabendo que tem na mão um espetáculo que poderá render muito, José Maria distribui um questionário para o público opinar. Assim, aos poucos, quer polir a montagem, aprofundar os personagens e mesmo, com autorização do autor e cortar e substituir certos diálogos. Um verdadeiro trabalho de carpintaria dramatúrgica que se justifica, uma vez que se trata de uma peça descompromissada e que pode (e deve) adaptar-se aos fatos atuais. Aliás, o lado do comediante de José Maria - tão bem mostrado em "Nem Gay Nem Bicha" - é que o torna o intérprete ideal para comédias como esta, que partindo de um sonho brasileiro - fazer 13 pontos, sozinho, na Loteria Esportiva - extrapola uma grande empatia. No aspecto do sonho do motorista que ganha Cr$ 300 mil e está na iminência de se tornar um bilionário, reside outro dos ganchos que possibilitam o crescimento da peça. Talvez pela falta de um diretor capaz de, fora da cena, observar melhor o desenvolvimento dos personagens - a ânsia de conseguirem independência financeira e poderem realizarem tudo com que sempre sonharam - não é explorada suficientemente. E há imensas possibilidades para se transmitir ao público - especialmente às camadas mais humildes - toda esta gama de emoções. Afinal, se assim não fosse, semanalmente milhões de brasileiros não canalizariam para esta premiação as suadas economias. O mesmo tema já foi tratado em várias peças recentes, inclusive em "Um Edifício Chamado 200" que se transformou em filme de relativo sucesso. Mas cabe a cada dramaturgo e, especialmente, a quem se propõe a (re)montar uma peça, encontrar uma linguagem própria e fazer um espetáculo de maior comunicação. A idéia central não poderia ser mais feliz. José Maria é um ator calejado em produções que buscam as fatias mais diversas do público - indo em locais nos quais inexiste qualquer tradição teatral. Aluízio Querobim pelos seus muitos anos de Palco tem sensibilidade suficiente para entender a necessidade de trabalhar mais o seu personagem, extraindo auxílio que pode oferecer. O que também se aplica ao próprio Zé Maria, ainda tímido e pouco a vontade em certos momentos. Substituindo-se alguns diálogos de humor duvidoso, encaixando-se algumas informações adicionais (por exemplo, uma justificativa para a ação da peça se passar no entardecer de um domingo, num escritório do centro da cidade), "Treze" pode, merecidamente, ganhar muitas centenas de apresentações com sucesso. O fato de ser uma comédia despretensiosa, simples e linear, deve ser encarada com simpatia e não com pretensiosos narizes torcidos de falsos posicionamentos intelectuais. Rir não é pecado! Faz Bem! E faz mais bem ainda quando atrás do riso, pode haver a reflexão. Embora esteja muito longe do dramaturgo de Augsburg, o gaúcho Sérgio Jockymann talvez até sem querer deixa alguns elementos que possibilitam reflexões sociais através da luta entre capital (patrão) e trabalho (empregado) no sonho de fazer a Zebra e ganhar sozinho a loteria. Enfim, uma comédia que pode ser uma Zebra teatral. LEGENDA FOTO - José Maria e Aluísio Querobim: o sonho da Loteria Esportiva.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
01/03/1985

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