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Trombini, mais do que papel, as palavras da sensibilidade

Os cabelos brancos e a expressão faz lembrar Jorge Amado. Como bom italiano gesticula bastante. Uma memória prodigiosa, capaz de citar nomes, datas, detalhes de fatos ocorridos há 50, 60 anos passados. Pode dialogar horas sobre o comércio e a indústria do Paraná pois ao longo de sua vida empresarial já fez parte de diretorias de todas as federações patronais - e ainda é membro dos conselhos de muitas. Entretanto o que mais o fascina é falar das coisas menos materiais e mais criativas. Como a poesia, a pintura, a música. Ou então sobre a fé, a maior compreensão entre os homens. Sinibaldo Trombini, 79 anos completados no dia 21 de janeiro, um vigor intenso e a vontade sempre de fazer novas coisas. Ele que exerceu as mais diversas funções, desde os 9 anos de idade, quando seu pai, o pedreiro Olimpico Trombini (1880-1958), trocou o corte de pedras no alto da Serra pela exploração do bar da estação ferroviária de Morretes, a cidade em que nasceu. Ali, vendendo café e amendoim, depois auxiliando seu tio, Achiles, no primeiro cinema de Morretes - o Marumbi - faria os primeiros desenhos. - Eram cartazes imensos, com os astros da época. Lembro-me de que fiz um Harold Lloyd gigantesco, de lingua-de-fora, para anunciar o "Homem Mosca". Sinibaldo é apaixonado pelos tempos do cinema mudo. Em Morretes, quando chegaram as imagens do "Barqueiros do Volga", ele e mais três amigos - de boas vozes - criaram uma trilha sonora espontânea, cantarolando canções enquanto na tela eram projetadas as cenas do filme. Mais tarde, quando da projeção de "Beau Geste", teve um outra idéia: convidou o maestro Domenico Galotti, um italiano de talento que chegando ao Paraná para trabalhar com a Banda da Polícia Militar acabou indo residir em Morretes (e ali fundou a "Euterpeana", de saudosa memória), para fazer os solos de clarineta, que marcavam as mais dramáticas seqüências da primeira versão do romance de P. C. Warem ao cinema. Homem de muitas estórias e vivências, Sinibaldo recorda seus anos de adolescência - aos 14 anos, vindo à Curitiba, teve como primeiro quarto, uma casa que existia nos fundos do cine-teatro Palácio, nos anos 20 explorado pelo empresário Mattos Azeredo. Ali, o garoto Sinibaldo continuou a deslumbrar-se não somente com os filmes trazendo as divas e galãs do cinema mudo, mas também espetáculos ao vivo. - Eram artistas notáveis que passavam por Curitiba. Vinham companhias que tinham belíssimas atrizes e mesmo algumas vedetes, que se apresentavam de pernas de fora. Imagine a sensação que causavam! Durante quase três horas, Sinibaldo Trombini rememorou sua vida, falou de pessoas e fatos que viveu e presenciou para o projeto Memória Histórica Bamerindus, na seqüência de depoimentos que estão sendo feitos com todos os paranaenses que tem o que contar. As múltiplas faces de Sinibaldo Trombini - o self-made man que, com seus irmãos, construiu um dos mais poderosos grupos empresariais do Paraná (e do Brasil, na área do papel e celulose), mas que conserva o lado artístico. Hoje, presidindo apenas o conselho de administração - a primeira geração já passou para aqueles que chama de "garotos" a parte executiva, "e com isto temos crescido muito", Sinibaldo dedica-se a esculturas em argila. Atualmente, completa um retrato de um grande amigo, Willi Frey, fundador de Freiburgo, em Santa Catarina, que será uma das surpresas quando de seu 84º aniversário. Outro trabalho que o vem ocupando é uma escultura de Hans Klaus Garbers, 60 anos, que terá uma homenagem especial no dia 4 de abril pelos 25 anos de presidência do clube Concórdia. xxx Nos últimos dez anos, Sinibaldo escreveu e publicou - sempre às suas custas, doando toda a renda para entidade filantrópicas - dez livros. No primeiro, "Simples Mensagens" (1978), reuniu poemas que foi fazendo ao longo de sua vida. Em "Velha Mansão", de 1979, recordou a Morretes de sua meninice, a partir da casa em que nasceu - e que, ironicamente, nunca pode adquirir. Depois vieram os romances - "no qual juntei a história e a ficção, pois o importante é criar": "Simone" (1980), "O Menino da Favela" (1981) e "Giuseppe" (1982). Por quatro anos interrompeu as atividades de escritor. Foi o período em que lutou contra um inimigo terrível - o câncer, finalmente vencido após 56 aplicações de cobalto. Retornou com um romance social, "profundamente atual, abordando o drama dos jovens" - "Tita" (1986), seguido de outro trabalho, este muito lírico a partir do título. "Só Pelo Amor Vale a Vida". No ano passado, muita criação: começou com um romance inspirado em fatos reais, com personagens que conheceu profundamente: "A Tragédia do Cajuru". A história da inimizade entre dois maquinistas da RVPSC, Bastinhos e Alexandre, separados pelo amor de duas mulheres - Marly e Chica Linda, e que termina numa tragédia. Um romance de 105 páginas, escrito de forma simples, agradável - e cuja leitura se faz de uma vez só. Essencialmente paranaense em sua história, com personagens bem estruturados, uma técnica de narrativa em que emprega, inclusive, o recurso do flash-back, "A Tragédia do Cajuru" pode, inclusive, resultar num apetitoso roteiro para um longa-metragem (ou, no mínimo, para um "Caso Especial" de televisão), abordando e reconstituindo um dos aspectos mais interessantes de Curitiba: a comunidade ferroviária do Cajuru e uma ação que pode mostrar toda a beleza da Serra do Mar. Até agora, nem o próprio Sinibaldo deve ter pensado em ver sua "Tragédia do Cajuru" em termos visuais - mas que é ponto de partida para um filme não resta dúvida! Ainda no ano passado publicou "Indiaoara" e "Assim eu digo, pois muito eu creio" - com o substituto de "Registros Espiritualistas Captados da Realidade". Neste, reflexões, fatos verídicos e observações sobre os seus 50 anos de kardecismo, do qual sempre foi um dos mais devotados integrantes. xxx Ouvindo-se Sinibaldo Trombini falar de sua vida, do mundo que sempre buscou conhecer, do equilíbrio conseguido (e conquistado), entre o material e o espiritual, esquece-se até do líder empresarial bem sucedido. Ele próprio, prefere falar da importância de um trabalho intelectual, da alegria de uma palavra bem escrita ou de um bonito quadro (seu irmão, Mirtilo, é artista plástico com mais de 500 obras já produzidas), do que das conquistas empresariais de seu grupo. Isto, ele deixa para os filhos e netos - "esta rapaziada que agora faz com que os negócios caminhem". Como, por exemplo, o negócio formalizado há poucas semanas, pelo qual o grupo Trombini adquiriu o patrimônio da Lutcher, fábrica de papel no Interior do município de Guarapuava que se encontrava desativada há 25 anos. Foram US$ 11 milhões - a serem pagos "em condições favoráveis", admite - e um investimento de mais de US$ 90 milhões para fazer com que a fábrica volte, a curto prazo, a produzir papel e celulose. Algo ao redor de 500 toneladas/dia. mas estes detalhes ficam para depois. Para Sinibaldo, tão importante quanto um êxito nos negócios é a alegria de ver uma rosa desabrochar ou ouvir um canto de um pássaro. - Em minha casa, há um viveiro de pássaros. E cuidar de minhas plantas e flores faz com que me reconforte com Deus em todas as manhãs. LEGENDA FOTO - Sinibaldo Trombini: mais do que o empresário, o escritor, pintor e escultor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
24/03/1988

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