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"Txai", o canto dos povos da floresta com Nascimento

Vencendo uma timidez que o caracterizava por tantos anos - "é um exercício de aproximação", explica - Milton Nascimento (Rio de Janeiro, 26/10/1942) passou os últimos dias falando com os jornalistas. Ao vivo e por telefone. Dentro de um perfeito esquema de promoção montado por Werther Brunner, diretor nacional de promoção da CBS, Milton pode falar com jornalista e radialistas a propósito de seu novo - o 25º de uma carreira hoje internacional - que desde a semana passada está nas lojas: Txai. Produção de Marcio Ferreira, seu empresário e amigo, este álbum marca uma nova etapa na carreira de um dos maiores criadores da música brasileira: a identificação com a música dos índios, num projeto com várias gravações ao vivo feitas no Acre, Rondônia e outros pontos da Amazônia que o próprio Milton nem sabe os nomes, "tal foi o esquema de viagens". Praticamente ignorada em termos fonográficos - afora um pioneiro projeto do percussionista mineiro Djalma Correa em registrar os sons dos índios (mais de 50 horas recolhidas, foi editado apenas um LP pela Philips/Polygram, há 15 nos) e com trabalhos isolados - e independentes - de cantoras-antropólogas autodidatas como Marlui Miranda (que participa agora da faixa "Nozanina") e Priscila Emmer, o canto dos índios brasileiros - em sua riqueza tão grande quanto o desconhecimento para nossos poluídos ouvidos - tem, graças a Milton Nascimento, em sua grandeza intelectual de estar sempre aberto à grandes causas e movimentos, a oportunidade de ser (re)avaliado por imensas faixas de público que, de outra forma, desprezaria cantos quase guturais, de povos como os Kayapó de A-K Ukere ("Baú Métoro"), Painter ("Hociepereiga"), Yanomani, Waiapi ("Awasi") e Kampa ("Benke"). A citação do curitibano Carlos (Frederico) Marés (de Souza), advogado, ex-presidente de Fundação Cultural de Curitiba, na ficha técnica, como um dos colecionadores (junto ao Núcleo de Direitos Indígenas, Associação dos Seringueiros e Agricultores da Bacia do Rio Tejo etc), é justa. Através de Paulo César Botas, ex-dominicano, ex-diretor da Fundação Cultural, Milton conheceu Marés (batizou inclusive um de seus filhos) e do interesse que Carlos sempre teve pelas causa indígenas (chegou a ser cogitado para presidir a FUNAI e integra ainda movimentos ligados a questões dos direitos dos índios) nasceu, por certo, a semente deste difícil, caro e importantíssimo projeto que agora se consolida. Muito se falará, temos certeza, de "Txai", um álbum com poucas faixas em condições de serem tocadas no rádio, embora "Coisas da Vida"(Milton/Fernando Brant), já tenha entrado como um dos temas da telenovela "Rainha da Sucata" - o que garante sua popularização. Como sempre, a dupla de "Canção da América", esbanja sensibilidade e afetividade, dizendo "Nunca é igual/se for bem natural/se for de coração/além do bem, do mal/coisas da vida". Os melhores instrumentistas identificados a verdadeira filosofia/carisma de Milton - como o baterista Robertinho Silva, o tecladista Tulio Moura, o violinista Heitor HP e, especialmente o arranjador Wagner Tiso, responsável por belíssimos trabalhos, contrapondo secções de cordas afinadíssimas em vários momentos. Com oito canções com vários parceiros (Brant, Márcio Borges, Ronaldo Bastos), os cantos e vozes indígenas em seis faixas, há participações muito especiais como a fala de River Phoenix, ligado a movimentos preservacionistas, em "Curicuri", livre interpretação do índio Tsaqu Waiapi e um texto e fala de Davi Kapenawa Yanomani na abertura, com vocal de Milton - num tema originalmente criado para o Ballet David Parsons. Com Caetano Veloso, uma das faixas mais instigantes, "A Terceira Margem do Rio", em que a poesia joga com palavras curtas e aliterações sonoras. Destinado a ficar entre as grandes produções do ano, "Txai" representa um passo adiante na carreira de um grande brasileiro. No disco não faltou inclusive uma homenagem a Villa-Lobos (1887-1959) e o médico, antropólogo e pioneiro do rádio Edgar Roque Pinto (1884-1954), autores de "Nozanina", com vocais de Milton e Marlui, que antecede a música original do povo Kayapó do-A-Ukere ("Bardijumokô"), que, como uma vinheta, encerra o álbum. LEGENDA FOTO - Milton Nascimento, num álbum-show em homenagem aos povos da floresta.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
02/06/1990

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