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Aramis

Um belo duo que vai do clássico ao jazz

As aproximações entre o clássico e o jazz são mais frequentes do que se possa imaginar. Afinal, para um grande virtuose tanto a chamada música erudita como a liberdade do improviso jazzístico oferecem idêntica fascinação. Friedrich Gulda, por exemplo, sempre contrapôs aos seus célebres recitais eruditos com espontâneas jam-sessions - muitas das quais registradas em elepê, como a recente "The Duet", com Chick Corea, lançando num belíssimo lp da Barclay há poucos meses. Jean Pierre Rampal, flautista número um da música erudita, tem gravado peças jazzísticas de seu amigo Cláudio Bolling, sem com isto arranhar o seu prestígio internacional. O mais recente exemplo do artista do mundo clássico bem sucedido no jazz é das irmãs Labeque, cuja vinda ao Brasil é um dos sonhos dos programadores das mais requintadas salas de concerto do eixo Rio-São Paulo (em Curitiba, infelizmente, a outrora rica Pró-Música, hoje não pode nem pensar em espetáculos como estes). Como recordou recentemente ("Folha de São Paulo", 2/12/84) o bem informado João Marcos Coelho, Kathia, 34 anos e Marlene, 32 - as irmãs Labeque - vêm construindo uma carreira absolutamente ímpar no cenário artístico internacional. O LP ("Rhapsody in Blue", de Gershin, que ambas gravaram há dois anos, na França, vendeu no país de origem 100 mil cópias, foi lançado no Brasil há um ano e desde então não deixa de freqüentar a lista semanal dos discos mais vendidos (já teria passado das 30 mil cópias, um número altamente apreciável no Brasil). Posteriormente, a mesma Polygram lançou outro lp notável, com as irmãs Labeque acompanhando Barbara Hendricks em canções de Gershin. O trabalho foi amplamente jazzístico, com arranjos de François Jeanneau, 63 anos, que - como diz Coelho - "nutrido na tradição eclética da vida musical francesa, também chuta com as duas, ou seja, transita com igual desenvoltura na música de concerto (sobretudo contemporânea) e no jazz, com seu Pandemonium, um grupo modular, que aumenta ou diminui, conforme o cachê que lhe oferecem". No final do ano passado, entre tantos ótimos lançamentos a Polygram trouxe mais um disco das irmãs Labeque - interpretando agora três cenas do balé "Petruchka" e o "Concerto para dois Pianos" de Stravinsky. Nos anos 70, Kathia Labeque chegou a tocar na Mahawishnu Orchestra de John McLaughin e depois com Jeanne e seu Pandemonium - mostrando, assim, toda uma abertura de interpretação. Por isso, respondendo a uma pergunta ("por que improvisar se você já é intérprete clássica?") que Denis Levaillant, autor de "L'Improvisation Musicale" lhe fez, responder: - Não poderia jamais me encerrar total e unicamente na música do passado. A improvisação é uma necessidade vital: penso que é uma maneira de reencontrar uma certa espontaneidade musical". Assim, mergulhando na música de Igor Stravinsky (1882-1971), mais revolucionário compositor deste século, Katia e Marielle Labeque oferecem neste belíssimo álbum (Philips/Polygram, sistema digital) uma ocasião especialíssima de se sentir porque o piano foi sempre o elemento central na atividade criadora de Stravinsky (e não foi unicamente neste sentido que ele compunha ao teclado). Ensina o musicólogo Max Harrison, que o bastante típico que seu "Petruchks", um dos balés mais célebres, tenha estreado como peça para piano e orquestra. Com toda razão João Marcos Coelho escreveu entusiasticamente na "Folha", aquilo que aqui repetimos - por concordarmos com sua opinião e versão de "Petruchka" - três cenas transcritas para dois pianos pelo próprio compositor em 1921, 10 anos depois de ter criado o balé original, é arrebatadora.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
23
03/03/1985

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