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Aramis

Um esforço para fazer e as dificuldades da realização

No primeiro ano, como excelente administrador que sempre foi, tratou de colocar a casa em ordem. Afinal, havia assumido a Fundação Teatro Guaíra no vermelho, com graves irregularidades e com problemas que há anos desafiavam sucessivas direções. Sem pretensões de milagreiro, apenas usando o bom senso, conseguiu equacionar os problemas principais, e questões como a falta de um elevador de acesso ao 1º e 2º balcão, estão sendo solucionadas; o antigo estacionamento no subsolo foi transformado numa sala acústica para ensaios da Orquestra Sinfônica e, principalmente, a Fundação saiu do vermelho: hoje dispõe de recursos que permitem arcar com produções como as que estão sendo iniciadas neste semestre. Constantino Viaro, 51 anos, uma espécie de Midas administrativo - que tem passagens admiráveis pela Fundação Cultural de Curitiba, Departamento de Pessoal da Prefeitura e, por último, a melhor administração que o Clube Curitibano teve nos últimos anos, fez, sem alardes e oba-oba, em seu estilo peninsular, objetivo - às vezes até meio chucro de dizer (e fazer) o que pensa, o Guaíra deslanchar. Faltava, entretanto, o principal: produções artísticas. Assim, lembrando os bons tempos que Otávio Ferreira do Amaral Neto ali fez a grande administração cultural durante os governos Ney Braga e, especialmente, Paulo Pimentel, Viaro partiu para o óbvio: aplicar os recursos próprios da Fundação Teatro Guaíra - conseguidos com sua política inteligente de bem dirigir a casa - em novas produções do Ballet Guaíra, óperas e o retorno do Teatro de Comédia do Paraná. Pode-se discutir a escolha dos espetáculos e das equipes contratadas - mas não se pode negar o mérito do trabalho. xxx Enquanto Fátima Ortiz embrenha-se numa corajosa (e temerária) montagem de "Otelo" de Shakespeare, que marcará o retorno do Teatro de Comédia do Paraná dentro de algumas semanas e o Ballet Guaíra, comemorando seus 20 anos, faz revivals dos melhores trabalhos e prepara novas montagens, o Guaíra se lança também na área mais difícil, cara e delicada: encenações de óperas. "Don Giovanni" que teve quatro recitais, é a primeira das quatro montagens que Viaro programou para os próximos meses. Produções caras e que desafiam a capacidade criativa, revelando inclusive problemas de infra-estrutura artística, mas que são bem intencionadas, propondo aberturas de espaços e campo de trabalho para artistas locais - intercambiando com nomes nacionais - tanto nas óperas como nas produções do Teatro de Comédia do Paraná, pois o maior nome dos palcos, Paulo Autran, 67 anos, chega nos próximos dias para iniciar os ensaios de "Galileu Galilei", de Bertold Brecht, sob direção de Celso Nunes. xxx "Don Giovanni", que Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) escreveu há 202 anos, com libreto de Lorenzo da Ponte, está entre as mais difíceis e complexas óperas - sendo um desafio a sua montagem. Independente dos problemas que cercaram a produção, o espetáculo obteve comunicação com o público - aplausos em pé, todas as noites, quase sempre lotações esgotadas - e no mínimo uma dignidade profissional. Pode-se questionar detalhes da encenação e a concepção dada a montagem. Há, entretanto, uma legião de apreciadores de ópera, que isoladamente ou agrupados (em Curitiba há pelos menos duas congregações de experts, que se reúnem semanalmente), que, geralmente com alto poder aquisitivo, viajando constantemente à Europa e Estados Unidos e hoje dispondo de centenas de vídeos e gravações em laser, podem apreciar, com mais profundidade, tentativas como as que o Guaíra faz. De uma maneira geral, houve aprovação - principalmente considerando desastres ocorridos no passado, com produções totalmente frustradas. Longe de qualquer pretensão crítica - uma análise operística exige informações e vivência cultural que poucos jornalistas possuem (inclusive pela falta de oportunidade de assistir espetáculos deste gênero), uma produção como "Don Giovanni", representando um investimento de quase NCz$ 100 mil (a ópera é cara em todo mundo, deficitária e mesmo nos grandes centros só é possível com maciças subvenções - oficiais ou privadas), merece ser encarada com respeito. Pode-se questionar a escolha do espetáculo, a oportunidade de se fazer tal investimento neste momento que vivemos, a dificuldade de estender a temporada (pelos compromissos e custos dos artistas contratados, de outros estados), mas não se pode negar a importância da produção. No último fim de semana, diretores de entidades culturais de algumas cidades - inclusive Campinas, que tem uma das melhores sinfônicas do país - aqui estiveram, assistindo a "Don Giovanni" e manifestando intenção de levá-la para temporadas. O intercâmbio de produções como esta é uma das fórmulas de reduzir os custos - e evita, que um esforço artístico/financeiro tão elevado se perca em uma temporada reduzida. xxx O debate em torno de produções como "Don Giovanni" deve existir - mas em termos elevados, de real condição, jamais caindo para a crítica rasteira, a agressão e mesmo a tradicional antropofagia que, infelizmente, parece continuar a ser o símbolo paranaense - como tão bem, em seu humor negro, define o cáustico Fernando Velloso: o ceifador de nossa bandeira está sempre pronto a cortar pessoas, talentos e iniciativas bem intencionadas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
01/06/1989

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