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Aramis

Um estudo profundo sobre os partidos militares no Brasil

A natural repercussão que o documento distribuído no último fim de semana pelo grupo "Guararapes", formando por oficiais da reserva (entre os quais, o general Euclydes Figueiredo, irmão do ex-presidente João Baptista) coloca, mais uma vez, em evidência a presença dos militares na política - num processo que, obviamente provoca grande repercussão. Coincidentemente, em muitos círculos políticos-militares um dos livros mais lidos e debatidos nas últimas semanas tem sido "Os Partidos Militares no Brasil", coordenado por Alain Rouquié, latino-americanista especializado em política comparada, pesquisador na Foundation nationale des sciences politiques (Centro d'études et de recherches internationales) e professor do Institut d'étude politiques de Paris e na Universidade de Paris III. Publicado na França há 12 anos, só agora Domingos Neto e Eliezer Rizzo de Oliveira, 160 páginas) - e embora não haja informações sobre porque uma obra que interessa tão de perto aos estudiosos da política e do militarismo no Brasil demorou tantos anos para sair em português, a sua publicação, neste momento em que nos quartéis os militares voltam a dar sintomas de uma preocupação pelos rumos do governo e a Ordem institucional, sem dúvida que este livro tem razões de sobra para alcançar um público que forma opinião. Como diz o editor Sergio Machado, "Os Partidos Militares no Brasil", é, sem dúvida, um livro revelador". O professor Alain Rouquié discute os processos políticos nos partidos militares no Brasil e introduz uma nova leitura do poder militar em nosso país ao trabalhar com a idéia de "partidos militares". Já o professor de ciências política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Antonio Carlos Peixoto, assina o texto "Exército e política no Brasil uma crítica dos modelos de interpretação". Ex-diretor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ e atualmente professor de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Peixoto também fez o interessantíssimo estudo "O Clube Militar e os confrontos no seio das Forças Armadas" (1945-1964)". Já o professor de sociologia da Unicamp (Campinas) e atualmente diretor da Política do Ensino Superior do MEC, Eliezer Rizzo de Oliveira, que em 1976 publicou as Forças Armadas: Política e Ideologia no Brasil (1964-1969), discute em "Conflitos militares e decisões políticas sob a presidência do general Geisel" (1974-1979) analisa aspectos bastante contemporâneos da vida política, com citações de dezenas de oficiais superiores e políticos civis que ainda continuam, em alguns casos, em evidência. xxx Por exemplo, nas páginas 146/47, Eliezer sintetiza um dos períodos mais tensos do governo Geisel, que merece ser transcrito - especialmente para conhecimento dos leitores mais jovens, que não acompanharam os fatos - na época escamoteados da opinião pública, em seus detalhes, devido a Censura. Em janeiro de 1976, Geisel destituiu (com "desonra") o comandante do II Exército, sediado em São Paulo, em razão do assassinato do operário Manoel Fiel Filho (*) em dependências do Exército, e nomeou em seu lugar o general Dilermando Gomes Monteiro, inteiramente identificado com a política de distensão. Frota (general Sílvio, comandante demitido) decidiu guardar silêncio durante os meses seguintes. Em setembro, ele participou das cerimônias em homenagem ao patrono do Exército, Duque de Caxias, às quais assistiram quase todos os generais com função em Brasília (os ministro da Marinha e da Aeronáutica não participaram). Nos meses que se seguiram, Geisel promoveu novos generais-de-exército, tanto para aumentar o apoio ao governo no Alto Comando, quanto para abrir o caminho de Figueiredo em direção à sua quarta estrela. De fato, em julho de 1977, Figueiredo se encontrava na 13ª posição na lista de promoções, segundo o Almanaque do Exército. Esta política de Geisel encontrou resistências: na ocasião da promoção do general Calderari (terceiro da lista) (paranaense, nascido na Lapa), um dos generais excluídos (Edmundo da Costa Neves) requereu a passagem à reserva, como de praxe, mas o general César Montagna de Souza (igualmente excluído) recusou-se a fazê-lo, certamente aguardando que o Alto Comando forçaria sua promoção, indicando-o duas outras vezes. O grupo do Planalto, com a coordenação do general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil, fez a questão sucessória escapar do domínio militar de forma decisiva. Um dos membros mais conhecidos deste grupo, Humberto Barreto, especialmente ligado a Geisel, tornou público o seu engajamento na candidatura Figueiredo. Para dificultar esta manobra, as forças de Frota se reorganizam: contatos com oficiais da reserva por intermédio do general Jaime Portela (chefe do Gabinete Militar de Costa e Silva) e "ofensiva parlamentar" de deputados frotistas (da extrema direita da ARENA, os quais Figueiredo conquistara em troca do apoio às suas candidaturas aos governos estaduais em novembro de 1978). A partir deste momento, as duas candidaturas procuram consolidar com bases extra-militares. Acerca de Frota, a atuação de alguns parlamentares, denunciando o afastamento do Alto Comando do processo sucessório, representa o ponto mais elevado das contradições e conflitos com Geisel e o grupo do Planalto. O documento divulgado após sua demissão deixa claramente entender que Frota aguardava o momento decisivo para concretizar o "poder do Exército" de destituir Geisel. De fato, já demitido, ele procurou reunir os comandantes do Exército, mas estes generais reuniram-se de fato com Geisel (colocando-se portanto ao lado do presidente). Assim, Frota viu-se sem sustentação político-militar. xxx Com a abertura "lenta e gradual" do governo Geisel, vários jornalistas da imprensa nacional - como André Gustavo Stumpf e Walder Goes, ex-diretor da sucursal do "JB" em Brasília - esmiuçaram os bastidores das sucessões militares, em reportagens transformadas em livros. Entretanto, "Os Partidos Militares no Brasil" tem o mérito de reunir enfoques diferentes sobre o longo período da ditadura militar. O historiador Manuel Domingos Neto, ex-pesquisador da Casa Rui Barbosa, ex-deputado federal pelo Piauí e atualmente professor da Universidade Federal do Ceará, em seu ensaio faz um exame de influência estrangeira e a luta interna no Exército (1889-1931). xxx Apoiado em amplo material de referência - especialmente da imprensa nacional, "Os Partidos Militares no Brasil" procura provar que o Exército não marcha sempre coeso como as autoridades militares tentam fazer crer. Assim, a sua leitura atenta mostra os conflitos, a luta nos bastidores dos oficiais, na guerra interna para saber quem vestiria mais cedo o pijama ou a faixa presidencial. Nota (*) A morte do operário Manoel Fiel Filho, no DOI-COI, em São Paulo, aconteceu algumas semanas após a morte, também sob tortura, do jornalista Wladimir Herzog, que deu início a crise.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
02/06/1992

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